A atriz Michelle Yeoh cercada pelos demais atores de 'Tudo em todo lugar ao mesmo tempo'

Michelle Yeoh reage emocionada ao anúncio de sua vitória como melhor atriz, por "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo"

Kevin Winter/AFP

“Queremos que você se sinta seguro.” Em seu monólogo de apresentação da 95ª cerimônia do Oscar, Jimmy Kimmel falou, mais de uma vez, o quão importante era a segurança das pessoas na plateia. Anunciou “rígidas políticas” em vigor. “Se alguém neste teatro cometer um ato de violência, receberá o Oscar de melhor ator e poderá fazer um discurso de 19 minutos.”

Claro, tudo (ou quase) que Kimmel disse no último domingo (12/3), no Dolby Theatre, era uma piada. E a questão da segurança era uma referência ao tapa de Will Smith em Chris Rock na edição de 2022 da premiação, que não impediu que o ator, alguns minutos depois da agressão, voltasse ao palco para receber o Oscar de melhor ator. 

Mas as “rígidas políticas”, a despeito do tom jocoso do apresentador, eram verdade. Para tentar lidar com qualquer imprevisto, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood criou uma “equipe de crise”, que ficou a postos durante as três horas e meia de cerimônia. Não houve imprevistos; a Academia pode comemorar. 

No entanto, em sua busca por fazer tudo nos conformes, a cerimônia foi marcada pela previsibilidade. Não houve nada fora do script. O que, para uma transmissão ao vivo que dura muito mais do que o necessário, se traduz em um tom morno.

O ator Brendan Fraser olha para cima e aponta o dedo para o alto no palco do Oscar

Brendan Fraser se emocionou ao citar seu percurso de ascensão, queda e volta por cima em Hollywood, ao ser premiado como melhor ator, por "A baleia"

Patrick T. Fallon / AFP

Melodrama

A previsibilidade do Oscar começou pelos prêmios. Há quem discorde de toda a atenção dada a “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, que levou sete dos 11 troféus que disputou. O filme, em essência, é um melodrama sobre uma família em crise com uma vestimenta moderna, que dialoga com os mais jovens. Trata de multiversos, tem narrativa fragmentada, o que é um prato cheio para a geração TikToker.

Mas não houve surpresa na entrega das estatuetas para o longa dos Daniels, tanto a de melhor filme e a de roteiro original quanto as dedicadas ao trio de intérpretes – Michelle Yeoh, Ken Huy Quan e Jamie Lee Curtis. Ok, o Oscar de direção para Daniel Kwan e Daniel Scheinert, desbancando Steven Spielberg, o maior cineasta de Hollywood em atividade, chamou a atenção – mas faz sentido neste aceno da indústria para o novo. 

Na mesma toada foi a entrega de quatro troféus para o alemão “Nada de novo no front”. O filme era o vice-líder de indicações (concorria em nove categorias, assim como “Os Banshees de Inisherin”, que saiu sem nada). O Oscar de melhor filme internacional era uma barbada, e os de fotografia, trilha sonora e direção de arte foram merecidos.

Em uma noite de distribuição de prêmios desigual, saíram de mãos abanando grandes produções, como “Os Fabelmans”, “Elvis”, “Tár”, “Triângulo da tristeza” e o supracitado “Banshees”. O que muitos podem também considerar injusto, mas que faz sentido para a Hollywood da atualidade, que corre atrás das novas gerações e de sua adequação no mundo.

Se não houve nenhuma grande confusão ou polêmica, o toque mais original da noite veio do palco, na forma de agradecimentos realmente sinceros. E a emoção genuína que alguns vencedores expressaram em seus discursos salvou a noite da completa mesmice.
 

O Oscar 2023 pode ser chamado de o Oscar das segundas chances. Os dois atores favoritos em suas respectivas categorias, os vencedores Ke Huy Quan, coadjuvante por “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”. e Brendan Fraser, ator por “A baleia”, ambos na casa dos 50 anos, são exemplos bem acabados da volta por cima. 

“Dizem que histórias assim só acontecem no cinema. Nem acredito no que está acontecendo comigo. Esse é o verdadeiro sonho americano”, afirmou Quan, nascido no Vietnã e radicado nos EUA desde a primeira infância. Segurando as lágrimas, o ator lembrou-se que chegou a passar um ano num acampamento para refugiados antes de chegar aos EUA. “A gente precisa acreditar nos nossos sonhos, eu quase desisti dos meus.”

Quan foi ator-mirim nos anos 1980, nos blockbusters “Os Goonies” e “Indiana Jones e o templo da perdição” e, quando cresceu, simplesmente não conseguiu mais nenhum papel. Trabalhou na equipe técnica de vários filmes, já que não tinha mais oportunidades de atuar.

O ocaso de Fraser é público; envolveu divórcio, luto, depressão, problemas de dinheiro, de saúde e uma série de filmes B. Quando Hollywood o havia esquecido, ele retornou no papel de um professor que sofre de obesidade mórbida e busca a redenção.

O ator Ke Huy Quan chora durante discurso de agradecimento no Oscar

O norte-americano de origem vietnamita Ke Huy Quan afirmou que quase desistiu de seus sonhos e deixou as lágrimas rolarem no discurso de agradecimento

Patrick T. Fallon / AFP

Deserto

“Comecei há 30 anos neste ramo, e as coisas nem sempre foram fáceis, mas sempre tive uma facilidade que não apreciei o suficiente na época, até que deixei de ter. É como se eu tivesse feito uma expedição ao fundo do oceano e o ar chegasse até mim por um tubo, que meus filhos observavam”, disse Fraser, que, dirigindo-se ao diretor Darren Aronofsky, comentou que “estava no deserto” e foi encontrado por ele.

O Oscar histórico de Michelle Yeoh, a primeira asiática a receber o troféu de melhor atriz, também foi traduzido por meio de forte emoção no palco. Aos 60 anos, a intérprete malaia mandou seu recado: “Senhoras, nunca deixem ninguém dizer que vocês passaram do seu auge”. 
 
 

Hollywood, via de regra, costuma escantear atrizes a partir dos 50 anos. Mas a situação vem mudando – levantamento recente mostra que a média etária de atrizes indicadas vem aumentando gradativamente. Em cinco décadas, a média subiu 10 anos.
 
No quesito diversidade, a premiação deste ano cravou conquistas importantes: deu o prêmio de melhor canção à indiana “Naatu Naatu” (eisso num ano com as superestrelas Lady Gaga e Rihanna competindo); e garantiu à figurinista Ruth E. Carter, de “Pantera Negra: Wakanda para sempre”, seu segundo Oscar. Tal marca fez dela a primeira negra a ter duas estatuetas (havia recebido o mesmo prêmio no filme anterior da Marvel).
 
 

Os eleitos deste ano refletem também a abertura que a Academia vem fazendo na última década, convidando novos membros de diferentes nacionalidades, dando uma cara mais global, e menos norte-americana, ao seu quadro de votantes (que hoje em dia gira em torno de 10 mil profissionais do cinema). 

Superproduções, aquelas que “salvaram” o cinema (como Steven Spielberg disse recentemente a Tom Cruise, referindo-se à bilheteria astronômica de “Top Gun: Maverick”), que no passado sairiam com alguns prêmios, neste tiveram que se contentar com pouco. 

“Avatar: O caminho da água” (terceira maior bilheteria da história do cinema), de James Cameron, saiu com um prêmio só, de efeitos visuais; “Top Gun”, com o de melhor som. Nem Cruise nem Cameron foram à cerimônia. 

Cameron alegou “problemas pessoais”. Cruise está na Europa filmando o novo “Missão: impossível”. Algo facilmente contestável, já que o ator marcou forte presença na campanha do Oscar. E, afinal, ele é Tom Cruise. Pode pegar um jato e ir para uma cerimônia do outro lado do mundo quando quiser.  
 
 

Seja como for, os caras que conseguiram que o público retornasse às salas de cinema esvaziadas durante a pandemia não estiveram presentes – e Jimmy Kimmel fez uma piada justamente sobre isto. 

Tentando se equilibrar entre a novidade e a tradição, a Academia atirou para os dois lados neste Oscar: premiou o novo, o diverso, mas em um modelo de cerimônia modorrento, que precisa urgentemente de renovação. Oitenta por cento da receita anual da Academia vem da transmissão da cerimônia, cujos direitos são da rede ABC até 2028. Ou seja: a festa tem que ser boa para que o público continue comparecendo. 

ONDE ASSISTIR AOS PREMIADOS

»  “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”
Oscars de melhor filme, direção, roteiro original, atriz, atriz coadjuvante, ator coadjuvante e montagem
 (Cine Pátio Savassi, Prime Video e aluguel e compra por VOD)

» “Nada de novo no front”
Oscars de melhor filme estrangeiro, fotografia, trilha sonora e design de produção
(Netflix)

» “A baleia”
Oscars de melhor ator e cabelo e maquiagem
(Cines UNA Belas Artes, BH, Boulevard, Cidade, Diamond, Monte Carmo, Pátio, Ponteio, Unimed-BH Minas)  

» “Entre mulheres”
Oscar de roteiro adaptado
(Cines UNA Belas Artes, Diamond e Ponteio) 

» “Pinóquio por Guillermo del Toro”
Oscar de animação
(Netflix)

» "Pantera Negra: Wakanda para sempre"
Oscar de figurino
(Disney+)

»  "Top Gun: Maverick"
Oscar de som
(Paramount , Telecine e aluguel e compra por VOD)

»  "Avatar: O caminho da água"
Oscar de efeitos visuais
(Cines Cidade, Contagem, Del Rey, Estação, Itaupower, Minas e Monte Carmo)

»  "Naatu Naatu - RRR: Revolta, rebelião, revolução"
Oscar de canção original
(Netflix)

» “Navalny”
Oscar de documentário
(HBO Max)

»  “Como cuidar de um bebê elefante”
Oscar de curta documental
(Netflix)

»  “O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo"
Oscar de curta de animação
(AppleTV )
 
*O único vencedor do Oscar que não está disponível no Brasil é o curta “Na irish goodbye”