Sentado em cadeira, usando óculos e camisa azul marinho, Zé Renato cruza os braços e encara a câmera

Zé Renato escolheu as nove músicas do repertório junto com a atriz Patrícia Pillar, que assina a direção artística do projeto; os dois foram casados durante 10 anos e seguem amigos

Miro/ divulgação


O novo disco de Zé Renato, “Quando a noite vem”, que chega às plataformas de streaming nesta sexta-feira (10/3), pode ser definido, em linhas gerais, como um reencontro do artista consigo mesmo. As nove faixas que compõem o trabalho foram escolhidas com base em memórias afetivas, segundo o cantor e compositor que, neste trabalho, se coloca apenas como intérprete.

O ecletismo é uma marca de “Quando a noite vem”, na medida em que reúne temas tão díspares quanto “Suave é a noite” (versão em português para “Tender is the night”), que foi sucesso na voz de Moacyr Franco nos anos 1960, e a música tema do filme “Arrivederci, Roma” (1958), passando por “I can’t stop loving you”, gravada por Ray Charles.

O repertório foi selecionado a quatro mãos, com Zé Renato dividindo a função com Patrícia Pillar, com quem foi casado entre 1985 e 1995. Com a experiência de já ter atuado em projetos musicais, como realizadora do documentário “Waldick, sempre no meu coração” (2008) e da live beneficente “Nordeste pela vida” (2020), ela é quem assina a direção artística de “Quando a noite vem”.

“Essas músicas que gravei são coisas que eu ouvia no rádio, na televisão e em shows também. Tem canções compostas mais recentemente, mas a maioria eu conheço e ouço desde a infância. Nunca imaginei que chegaria a gravá-las, mas as coisas vão acontecendo meio sem a gente perceber”, diz Zé Renato.

Ele explica que o álbum começou a tomar forma a partir do desejo de desenvolver um projeto em conjunto com Patrícia Pillar. A primeira ideia da dupla era produzir um disco focado em temas de trilhas sonoras de filmes. “Arrivederci, Roma” estava incluída nesse repertório original e foi mantida após a mudança de planos.
 
Músicos Lourenço Baeta, David Tygel e Zé Renato sorriem. Tygel segura a estatueta dourada do Prêmio Grammy que o grupo Boca Livre ganhou

Lourenço Baeta, David Tygel e Zé Renato recebem o Grammy, nos Estados Unidos, pelo disco do Boca Livre com o panamenho Rubén Blades

Frederick J Brown/AFP
 

Romântico

O músico conta que ele e Patrícia criaram uma playlist colaborativa no Spotify. “Naturalmente foi se formando um repertório para um lado mais romântico. A primeira música que entrou – e que, inclusive, a gente gravou primeiro – foi ‘Suave é a noite’. Ela meio que deu o caminho para a gente montar o restante do repertório”, diz, explicando que a faixa também inspirou o título do disco, extraído do verso “tudo tem suave encanto, quando a noite vem”.

Ele afirma que gravar essas canções tão coladas às suas lembranças da infância foi um trabalho desafiador. A dificuldade residiu no fato de já terem sido gravadas por cantores de grande expressão – “Esta tarde vi llover”, de Armando Manzanero, ganhou registro na voz de Roberto Carlos; “Encantado” (versão de “Nature boy”) foi cantada por Maria Bethânia.

“São gravações referenciais para mim, feitas por intérpretes muito inspiradores. O que fiz – e faço sempre quando canto músicas de outras pessoas – foi tentar trazer para o meu lado, para as melodias e possibilidades de harmonização de que gosto. O desafio, então, foi esse: conseguir acrescentar ao que já foi feito. O violão apontou o caminho para as harmonizações, que indicaram a forma como eu iria cantar”, explica.

Ele pontua que esse trabalho de harmonização e de arranjos é o que dá a liga ao repertório, para além de seu vínculo com uma memória afetiva. A unidade de “Quando a noite vem” se dá pela vestimenta e pela forma de interpretar, segundo Zé Renato.

“Tento fazer uma imersão nas músicas, para conseguir somar algo em relação ao que já foi feito. O diálogo que elas estabelecem entre si se dá pela minha maneira de cantar, de interpretar, pelas harmonizações, pelos arranjos. Essa construção é que faz com que elas tenham essa conexão”, diz.

Quatro idiomas

Vindo de um álbum autoral (“Bebedouro”, de 2018) e de projetos dedicados a Paulinho da Viola (“O amor é um segredo”, de 2019) e Orlando Silva (“Orlando mavioso”, de 2021), ele destaca que uma singularidade do novo trabalho em relação a outros títulos que gravou como intérprete é o fato de transitar por três idiomas diferentes, além do português: o italiano, (“Arrivederci, Roma”), o espanhol (“Esta tarde vi llover”) e o inglês (“I can’t stop loving you”).

“Este é, de cara, um traço distintivo do disco. É a primeira vez que me arrisco em três idiomas”, ressalta. Outro traço impresso na identidade de “Quando a noite vem” é o fato de ter tido a direção artística a cargo de uma pessoa não diretamente ligada à música, mas sim à atuação e à direção em produções para a TV e o cinema.

Zé Renato observa que, apesar dos 10 anos de casamento, essa é a primeira vez que ele e Patrícia – com quem, depois da separação, manteve uma amizade estreita – trabalham juntos na realização de um álbum, com a escolha do repertório e o desenvolvimento de todo o processo de gravação.

“Ela falou: ‘Olha, vou tentar te ajudar te tratando como um ator na hora da interpretação’. Isso foi uma coisa bacana, uma experiência legal, com uma pessoa de outra área, uma atriz, que me ajudou a chegar nessas interpretações de músicas tão icônicas para mim com a valorização de determinadas frases, com ênfase em partes das letras”, diz.

O que “Quando a noite vem” mantém, em perspectiva com a discografia pregressa de Zé Renato, é um time afiado de músicos, que desfilam ao longo das faixas. Ele está cercado de nomes como Cristóvão Bastos (pianos e arranjo), Dori Caymmi (violão e arranjo), Jaques Morelenbaum (violoncelo e arranjo), Jorge Helder (baixo), Marcelo Costa (bateria), Carlos Malta (flauta) e Pedro Sá (guitarra), entre outros.

“São amigos que já fizeram parte de outros trabalhos meus, especialmente Marcelo Costa, Jorge Helder e Cristóvão Bastos. Dori Caymmi já cantou comigo, mas agora foi a primeira vez que ele escreveu um arranjo. E essa também foi a primeira vez que trabalhei com Pedro Sá, que tem um histórico de colaborações com Caetano Veloso e que na faixa ‘Bom dia, tristeza’ fez a guitarra”, pontua.
 

'Esse disco foi produzido pelo próprio Rubén Blades, cantor, compositor e ator panamenho apaixonado pelo Boca Livre. Ele nos chamou para gravar esse trabalho, um processo dividido entre Rio de Janeiro e Cidade do Panamá'

Zé Renato, cantor, sobre o álbum 'Pasieros', vencedor do Grammy Latino

 

Grammy e Boca Livre

Ele destaca que este tem sido um ano muito especial. “Quando a noite vem” chega logo na sequência do Grammy Internacional conquistado na categoria Melhor Álbum Pop Latino, pelo álbum “Pasieros”, que gravou com o grupo Boca Livre, do qual foi um dos fundadores, e com o artista panamenho Rubén Blades.

O curioso é que “Pasieros” foi feito em 2011, mas só veio à luz em 2022. Produção sofisticada, mas independente, o disco requereu muito esforço de todos os envolvidos até ser finalizado. E, nesse meio tempo, o próprio Boca Livre se separou — até onde se sabe, o rompimento foi motivado por divergências políticas entre, de um lado, Zé Renato e Lourenço Baeta, e, de outro, Maurício Maestro, também um dos fundadores.

“Esse disco foi produzido pelo próprio Rubén Blades, cantor, compositor e ator panamenho apaixonado pelo Boca Livre. Ele nos chamou para gravar esse trabalho, um processo dividido entre Rio de Janeiro e Cidade do Panamá. O fato é que tudo dependia dele, da agenda dele, foi um negócio que ficou na mão do Rubén e ele só conseguiu finalizar o álbum e lançar no ano passado”, explica Zé Renato.
 

Zé Renato diz que agora, com a chegada de “Quando a noite vem” às plataformas, sua intenção é levar o show de lançamento ao maior número de cidades possível. “Ainda não temos uma agenda, mas Belo Horizonte certamente estará nesse roteiro, porque é uma cidade onde tenho vários amigos e que tem um público muito carinhoso, que sempre me recebe bem”, destaca.

Além de trabalhar na divulgação do novo álbum, o artista pretende, ao longo do ano, manter alguns projetos pontuais, como o Dobrando a Carioca, em que divide a cena com Jards Macalé, Moacyr Luz e Guinga; e a Banda Zil, com Claudio Nucci, Ricardo Silveira, Marcos Ariel, Zé Nogueira, Jurim Moreira e João Batista, atuante nos anos 1980, reagrupada em 2015 e que mantém atualmente uma agenda de encontros esporádicos.

“Estou sempre aberto, gosto dessas possibilidades que a música oferece, de participar de projetos com outras pessoas. Além desses trabalhos, tem outras coisas que podem acontecer, e eu gosto que aconteçam. O foco, claro, é divulgar o novo disco, fazer shows, mas sigo aberto, porque gosto é de estar na estrada, viajar, pegar meu violão e sair por aí.”

FAIXA A FAIXA

>> “Arrivederci, Roma” 
(Allessandro Giovannini / Pietro Garinei / Renato Ranucci)
>> “Bom dia, tristeza”
 (Adoniran Barbosa e Vinicius de Moraes)
>> “Canção de quem está só” 
(Evaldo Gouveia e Jair Amorim)
>> “Esta tarde vi llover” 
(Armando Manzanero)
>> “I can’t stop loving you” 
(Don Gibson)
>> “Encantado” 
(versão de “Nature boy”, de Eden Ahbez)
>> “Nenhuma dor”
 (Caetano Veloso / Torquato Neto)
>> “O seu olhar não mente” 
(Nanado Alves / Ilmar Cavalcanti), com participações de Céu, Mauro Refosco e Nonato Lima
>> “Suave é a noite” 
(versão de “Tender is the night”, de Sammy Fain e Paul Francis Webster)

Zé Renato em foto da capa do disco 'Quando a noite vem'

Zé Renato em foto da capa do disco "Quando a noite vem"

Miro/ divulgação
"QUANDO A NOITE VEM"

• Disco de Zé Renato
• Nove faixas
• Biscoito Fino
• Disponível nas plataformas de streaming a partir desta sexta-feira (10/3)