Glória Maria com vestido de gala em especial de Roberto Carlos

Glória Maria foi exemplo de profissional que soube aliar talento, rigor técnico e empatia

Globo/Divulgação

Glória! Não sei a melhor maneira de como me referir a você. Amiga! Pode ser um bom termo já que você é de casa. Aos domingos, lá estava para nos mostrar um lugar do mundo que ainda sequer tínhamos dado conta da existência no mapa.

E a cada experiência que você vivia, era como se estivéssemos lá. Ah! Aquele banho gelado em um fiorde na Noruega! Como você conseguiu? E a viagem à Jamaica, na comunidade rastafári... “Tem que fumar a ganja sagrada. Eu não sabia o que era aquela ganja sagrada”, relembrou no “Roda viva”.
Repórter Glória Maria! O jornalismo brasileiro é você. Não só uma referência, mas uma escola de jornalismo. Domínio técnico, de texto e de segurança diante das câmeras, de ética e de empatia com as pessoas, todas de autoridade ao personagem que conhecia naquele momento da aventura. 

Você mostrou aos brasileiros a magia da TV. Foi a primeira a entrar ao vivo, em cores, no "Jornal Nacional". Emprestou seu carisma ao “Fantástico”! Recentemente, estava no “Globo Repórter”! Mas, Glória, você contava histórias de um jeito só seu. Aliás, o seu jeito de contar, a maneira de interagir com as pessoas te tornava também parte da história. 
Mulher da pele preta! Espelho de um país negro, que mal se reconhecia. O cabelo black power nos primeiros anos da carreira era uma coroa! Estava ali uma rainha que não reivindicava títulos ou fazia discursos, mas fazia revolução e desbravava. A imagem à frente na tela inspirou tantas e tantas meninas negras e não só elas.

Quem um dia não sonhou ser Glória Maria? Quem um dia não te imitou? Mulher preta moveu estruturas, tudo de maneira elegante, confiante. Deu resposta ao racismo brasileiro: foi quem quis ser, trabalhou como desejava, amou como quis, não entrou em nenhuma caixinha.

Mãe de meninas! Demonstrou que o afeto transbordava em cada momento com Laura e Maria, as duas filhas que você escolheu. Elas estavam em outra cidade quando as descobriu, na Bahia, e seu espírito te guiou até elas em mais uma de suas viagens. Enquanto a papelada corria, mudou-se do Rio para a Bahia para ficar pertinho delas e assim esteve ao longo de 13 anos.

Ícone de beleza! Tornou-se referência no autocuidado, na autoestima. Era divertido tentar saber qual a sua idade, porque você conseguiu ser linda e plena em cada momento de sua vida. E isso nos deu uma ideia que você seria imortal, que nada poderia tirar o frescor do seu rosto ou a juventude do seu corpo.
Glória Maria sorri para a câmera

A carreira de Glória Maria inspirou gerações e se tornou modelo de jornalismo no Brasil

Globo/Divulgação

Então, não quero saber sua idade, não vou olhar a data do seu nascimento. Entendo o dia 2 de fevereiro, como o dia em que você parte para outra viagem, daquelas incríveis, viagem de Glória Maria.

Filha de Iemanjá! Buscou morada junto a Rainha do Mar. Sabiamente, você sempre foi água! Abriu caminhos, com a força das correntes, cristalina e fonte. Desde quando nasceu você corre para o mar, porque soube entender a inteireza da vida. Podemos dizer que hoje você se encantou... mas encantamento nos trouxe a cada aparição sua.

Podemos ouvir sua voz, seu sorriso, o cruzar das mãos ao apresentar uma notícia! Você agora é ancestral e, nas culturas africanas, ancestral é futuro. Você está em cada menina preta deste Brasil que sonha em ser repórter, que sonha viajar o mundo, que sonha ser mulher dona de si e da própria história.

Não tem como escrever essa carta para você sem chorar! Mas você nos fez assim, cada um dos seus telespectadores, nos fez sensíveis às histórias, nos fez ouvi-las de maneira afetuosa. E a sua história não poderia ser contada por nenhuma outra jornalista que não Glória Maria. Você mesma fez isso. Reportou a vida de uma mulher preta que abriu caminhos: você!

*Márcia Maria Cruz é repórter e coordenadora do DiversEM, núcleo de diversidade do Estado de Minas