Marina Melo com roupas coloridas e maquiagem, aponta controle remoto para a câmera

O single de Marina Melo vai integrar seu terceiro EP, que fecha a trilogia da qual já foram lançados "O mundo acabou, mas continua girando" (2020) e "Canções de amor para itens descartáveis" (2022)

Laís Aranha/Divulgação

"Esse disco é composto por músicas que fazem um questionamento sobre o universo da tecnologia e a maneira como a gente se relaciona com o porvir mediado por essas telas"

Marina Melo, cantora e compositora


Dados os acontecimentos dos últimos anos - entre os quais a evolução da tecnologia a ponto de se criar um universo paralelo chamado metaverso, uma epidemia global que provocou a morte de milhões de pessoas, as tentativas fracassadas de golpe de Estado nos EUA, em 2021, e no Brasil, no último domingo (8/1) -, não parece exagero afirmar que estamos vivendo entre utopia e distopia.

Essa é a observação da cantora e compositora paulistana Marina Melo. “No momento atual, nós não estamos mais vivendo aquele sentimento de que o mundo acabou, embora continue girando - que era o que a gente sentia na pandemia -, mas temos uma relação com o mundo muito mediada pelas redes sociais, de forma não saudável”, ela diz. 

“Não sabemos exatamente quais são os desafios para o futuro que a gente quer construir e nem se conseguiremos realmente dar o ‘control z’”, afirma a artista, citando recurso da computação responsável por desfazer ações realizadas pouco tempo antes.

“Control Z”, aliás, é o nome que Marina deu para seu single lançado na sexta-feira passada (13/1) nas plataformas digitais pelo selo Dobra Discos. A canção, que conta com parceria da mineira Julia Branco, integra EP que fecha trilogia iniciada com os discos “O mundo acabou, mas continua girando” (2020) e “Canções de amor para itens descartáveis” (2022).
Produzida por Naná Rizinni (que também é responsável pelos arranjos e assina as linhas de bateria, samples e synths), a faixa traz ainda os músicos Fernando Sagawa (saxofone), Magno Vito (baixo) e Vitor Arantes (piano).
 
 

Como sugere o título, “Control Z” propõe uma mudança no que está acontecendo, no sentido de desfazer ações tomadas por governantes e pela sociedade de modo geral.

“Muita gente diz / ô mundo, vê se para / porque eu quero descer / eu mesma já disse, confesso / e confesso / que quando vi / o mundo parar assustado / e tanta gente sumir /  eu senti vontade / de viver e de ver / o ser humano apertar o control Z”, cantam Marina e Julia.

Samba rock

Criada como atividade de um curso de composição realizado por Marcelo Segreto, um dos vocalistas e fundadores da banda Filarmônica de Pasárgada, “Control Z” inicialmente tinha uma sonoridade muito semelhante ao samba rock de Jorge Ben Jor e uma letra extensa, quilométrica, conforme destaca a artista.

Depois de lapidar a canção e pensá-la juntamente com Rizinni, “Control Z” chegou a seu formato final com um refrão, duas estrofes e uma levada que mescla elementos do pop e do indie, completamente diferente da versão original. 

Criar um trabalho sequenciado não era a intenção de Marina quando lançou o primeiro álbum da trilogia, em 2020. Na verdade, o que ela tinha em mente na época era fazer o lançamento de algumas de suas músicas remixadas. 

“Essa ideia  veio antes da pandemia. Queria fazer um EP com remix de músicas minhas  que eram super bem-humoradas e dançantes. Mas, com a chegada da COVID-19, percebi que não havia clima para lançar esse remix naquele momento”, comenta. 
 
A proposta, então, foi deixada de lado, dando lugar a um trabalho inédito que tratava precisamente dos efeitos da pandemia do novo coronavírus. 

“‘O mundo acabou, mas continua girando’ é um disco bem pandêmico”, admite Marina. “Nele, há toda essa questão do confinamento, além de uma faixa que fiz em homenagem a uma vizinha minha que todos os dias colocava uma música (escolhida a dedo) na janela para que todos pudessem ouvir.” 

Além da faixa-título autosugestiva, o EP conta com versos como “A música nos banha e esquecemos do medo" e "eu não sei como se chamam meus vizinhos / mas eles estão dançando na janela / desejando um país onde dê para respirar", na faixa “Cara vizinha,” (assim mesmo, com a pausa da vírgula sustentada no título); além de “Tinha o sonho de um país / Algo passou e tanta gente eu vi sumir / Tinha fevereiro, março, abril / Algo passou e o calendário espatifou”, em "Segura firme na live da tt", que se refere às transmissões ao vivo da cantora Teresa Cristina.

“Para mim, é muito importante que meu trabalho esteja afinado com o meu tempo. Estar colada à realidade é um imperativo, é uma coisa importante para mim”, diz a cantora.

Por isso as canções bem-humoradas e dançantes que Marina já queria mixar e lançar em 2020 só foram editadas e lançadas no ano passado, “quando os encontros presenciais retornaram e voltou a fazer sentido falar de paquera, de amor e de toque”, observa.

O segundo álbum da trilogia traz as canções "Eita, baby", "Loukkk" e "Nuca". O terceiro álbum, por sua vez, que tem entre suas faixas “Control Z”, ainda não teve o nome divulgado. Conforme adianta a artista, além do single recém-lançado, haverá a canção “Live para o fim do mundo” - lançada em novembro do ano passado - e uma terceira música, que deverá ser disponibilizada nas plataformas em fevereiro.

“Esse disco é composto por músicas que fazem um questionamento sobre esse universo da tecnologia e a maneira como a gente se relaciona com o porvir mediado por essas telas”, adianta a cantora.

Parceria com Julia

Uma das novidades de “Control Z” é a parceria com a cantora e compositora belo-horizontina Julia Branco. Em 2018, ela fez um show em São Paulo que teve abertura realizada por Marina.

“Ela me impactou, porque o trabalho que desenvolve segue muito a linha que eu faço. Então, criei essa identificação”, lembra Julia. 

A partir daquele show paulista, as duas passaram a acompanhar a carreira uma da outra e a se corresponder pelas redes sociais.

A admiração não partiu só da mineira. “Fiquei muito impressionada com o trabalho da Julia. Na ocasião, ela me disse que estava para lançar um disco, e eu fiquei muito interessada em ouvir. Quando escutei, fiquei impressionada com aquilo”, diz Marina.

De camiseta preta e batom vermelho, Julia Branco cruza as mãos junto ao queixo

Julia Branco conheceu Marina Melo em São Paulo, em noite em que as duas se apresentaram no mesmo local e se tornaram fãs uma da outra

Rafael Sandim/Divulgação

"É muito interessante este single ser lançado dias depois dos atentados em Brasília, porque deixa bem evidente que nós precisamos recomeçar, dar um 'Control Z' mesmo. Afinal, desde 2013, nós sempre estamos vivendo com a sensação de termos que lidar com uma catástrofe iminente"

Julia Branco,  cantora e compositora


Chico Neves

O disco que impressionou a paulistana foi “Soltando os cavalos”, produzido por Chico Neves (produtor mineiro que trabalhou com  Paralamas do Sucesso, Lenine, Los Hermanos e Arnaldo Antunes) e lançado em julho daquele ano.

“Soltando os cavalos” impressionou tanto Marina que, em 2019, ela desembarcou em Macacos (onde Chico Neves mantém seu estúdio) para gravar com ele o disco “Estamos aqui”. O EP teria participação de Julia. No entanto, por problemas de agenda não foi possível realizar a parceria.

“Finalmente conseguimos concretizá-la agora, no ‘Control Z’”, comemora a mineira.

“É muito interessante este single ser lançado dias depois dos atentados em Brasília, porque deixa bem evidente que nós precisamos recomeçar, dar um ‘Control Z’ mesmo. Afinal, desde 2013, nós sempre estamos vivendo com a sensação de termos que lidar com uma catástrofe iminente”.

As duas cantoras, no entanto, estão otimistas em relação ao cenário que se avizinha, sobretudo com a vitória de Lula nas eleições e, em consequência, a recriação do Ministério da Cultura.

“Esses últimos quatro anos foram muito áridos. Contudo, tenho a esperança de que os próximos anos sejam de prosperidade e reflorescimento”, afirma Marina.
 

PRODUTORA SE DESDOBRA EM SELO

Nascida em 2013 como Dobra Música, a organização idealizou festivais, como Dobradinhas, Circuladô, Violão Mashup, entre outros. Em setembro de 2021, no entanto, os fundadores da Dobra Música resolveram criar o selo Dobra Disco, responsável pelo lançamento do single “Control Z”. 

O trabalho inaugural da Dobra Música foi a versão de “Back in Bahia”, da mineira Luiza Brina, gravada por Castello Branco. No ano passado, o selo chegou ao Grammy Latino com a indicação do álbum “Oríkì”, de Iara Rennó, na categoria Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. Entre os artistas mineiros que integram a Dobra Disco estão Luiza Brina e Julia Branco.