Vestida de preto e com megafone na mão, Sara Não Tem Nome encara a câmera

O nome do novo trabalho de Sara Não Tem Nome evoca a videoinstalação homônima produzida em 1978 pelo artista Geraldo Anhaia Mello

Randolpho Lamonier e Victor Galvão/Divulgação

“A Sara é muito estranha. Ela deve ser artista.” Essa era uma das frases que Sara Alves Braga, a multiartista mineira conhecida como Sara Não Tem Nome, mais escutava na infância. “As pessoas viam que, desde pequena, eu ficava criando músicas, imaginando coisas novas, e não viam funcionalidade naquilo. Achavam que eu era uma criança esquisita, diferente”, afirma. 


Sara cresceu e mergulhou nesse universo cultural. Formou-se em artes visuais, realizou diversos trabalhos com fotografia, dirigiu filmes, atuou e estreou na música com o disco “Ômega III”, em 2015. Agora, lança o álbum “A situação”, que traz músicas compostas a partir da “materialização de vivências”, conforme define.

Impeachment

A gênese criativa de “A situação” ocorreu em 2016, durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na época, Sara escreveu a canção "Déjà vu”, terceira faixa do disco. 

Em uma levada que transita entre o pop e o indie, a artista destaca a tendência que a história tem de se repetir. “Hoje, agora, as mesmas histórias de 50 anos atrás / Volta o tempo, as mesmas desilusões de outrora, os mesmos círculos viciosos”, canta Sara.

“O álbum tem muito dessa coisa cíclica. Fala do passado, presente e futuro, e de como essas coisas se misturam. A própria ‘Déjà vu’ é uma música que fala muito sobre o medo em relação ao que a gente pode enfrentar novamente: um retorno para o passado”, observa.

Uma das influências da cantora para a produção de “A situação” foi a videoinstalação homônima do artista Geraldo Anhaia Mello (1955-2010). Em um plano-sequência de quase nove minutos, Geraldo bebe uma garrafa inteira de cachaça enquanto repete a frase: “A situação social, política, econômica, cultural brasileira”. Ao final, completamente embriagado, acaba ‘apagando’ em frente à câmera.

A obra foi produzida em 1978 e configura-se como metáfora da situação social, política, econômica e cultural brasileira do Brasil da época e a perspectiva em relação ao futuro. Além da censura, da tortura e do boicote à classe artística pela ditadura militar, o país começava a viver a escalada da crise econômica que culminaria com a hiperinflação chegando à marca de 366% ao ano, pouco tempo depois.

Cômica e debochada

O disco de Sara Não Tem Nome, no entanto, não se resume à melancolia. “Revés, volte 4 casas”, por exemplo, é uma faixa com certa veia cômica e debochada, que joga luz sobre a situação econômica da maioria dos brasileiros nos dias atuais, que "estão vendendo o almoço para conseguir comprar a janta".

“Eu queria que tivesse algo de nonsense, sarcástico e irônico no álbum. Porque isso está presente no meu trabalho em geral. São coisas que as pessoas olham, acham que não tem sentido, mas que, com um olhar mais cuidadoso, conseguem ver o sentido”, comenta. 

De fato, há várias referências no trabalho da multiartista. Uma delas – e talvez a mais explícita –, seja a pop arte. “Eu tento trazer algumas marcas para mostrar que a gente, mesmo não querendo, já está vendida. É uma coisa meio desgracenta, mas é para evidenciar esse 'capitalismo fofinho', que dá ilusão de que nós não estamos sendo explorados, quando, na realidade, estamos sendo seduzidos por uma fantasia”, explica Sara.

Marchinha de carnaval

Há também faixas dançantes, como “Pare”, que abre o disco. Em um único verso cantado no formato de marchinha de carnaval, Sara resume todo o sentimento de muitos brasileiros durante a pandemia e as ações desastrosas tomadas pelo poder público para contê-la: “Pare pra eu descer/ Essa viagem já foi longe demais”. O looping é para evidenciar “coisas absurdas" que estão acontecendo de modo contínuo, sem a perspectiva de mudança.
 
 

Para além da marchinha, Sara faz referência ao punk emo em “Agora”, canção que tece críticas diretas ao modus operandi do mercado econômico, que promove exclusão social. 

Retornando ao indie em “Cidadão de bens”, a artista brinca com o termo “cidadão de bem” – adotado por muitos bolsonaristas para se referirem a si mesmos – no intuito de escancarar as hipocrisias desse grupo. “Morto por dentro, sua alma já se foi faz tempo”, canta.

“Nós estamos em um momento em que não dá para fechar os olhos e fingir que não existe um movimento que é fascista e segregatório, que defende outros interesses – que, diga-se, são bem diferentes dos meus”, afirma.

Para o futuro, entretanto, Sara tem uma visão mais positiva, sobretudo depois da transição de governo. Contudo, ela mantém o “pé no chão”. 

“A gente não pode ser romântica e ingênua achando que está tudo ganho. É claro que ter tirado o poder institucional das pessoas que estavam no antigo governo já é alguma coisa. Mas não podemos perder de vista que ainda temos muita coisa para enfrentar. Não é ser pessimista, é só ter uma noção da realidade em que a gente está”, aponta.

“A SITUAÇÃO”

• Sara Não Tem Nome
• Grão Pixel
• 12 faixas
• Disponível nas plataformas digitais