Atores vestidos como soldados correm na rua em cena de 'segredos de guerra'

"Segredos de guerra" reconstitui a história de um soldado e seu superior que se apaixonam enquanto servem numa base militar russa

Synapse/divulgação

Se na Rússia de hoje é difícil ser LGBTQIA+, imagine há meio século. Foi no auge da Guerra Fria, durante a ocupação da Estônia nos anos 1970, que um soldado russo chamado Sergey Fetisov flertou com o perigo ao flertar, também, com seu superior num campo da força aérea soviética.

As trocas de olhares deram início a um romance, daqueles gays sofridos e impossíveis, que virou livro e, agora, filme. "Segredos de guerra", que estreou nesta semana no circuito de salas no Brasil, é dirigido por Peeter Rebane, que decidiu fazer sua estreia entre longas depois de entrar em contato com as memórias de Fetisov numa edição do Festival de Berlim.

Munido da urgência que sentiu em contar aquela história, ele se uniu ao ator britânico Tom Prior, que ainda tinha o fato de ser LGBTQIA como propulsor, e, juntos, adaptaram as páginas de "A tale about Roman" – algo como "Um conto sobre Roman" – para o formato de roteiro, sob a supervisão do Fetisov real, até sua morte, em 2017.

O resultado é um filme que acaba preso no velho conto do homossexual impedido de viver sua felicidade, mas nem por isso "Segredos de guerra" – ou "Firebird", no original – deixa de ter certo frescor.

É na União Soviética, e em por boa parte em Moscou, que a trama se passa. Em anos de perseguição contra pessoas LGBTQIA amparada por discursos governamentais preconceituosos, não deixa de ser interessante ver um romance gay ambientado em solo russo.

Veto oficial

"Queríamos fazer um filme sobre amor, não política, porque não deveria ser papel do governo opinar sobre isso. Mas é um filme especialmente importante agora", diz Rebane. "Para você entender, eles baniram menções ao nosso filme em outras obras na Rússia."

Ele conta ainda não ter certeza de como conseguiu autorização para gravar várias das cenas em Moscou, nem como "Segredos de guerra" acabou aceito para ser exibido num festival na cidade, no ano passado. Mas isso foi em parte.
 
 

Logo após a primeira sessão, reclamações de que o filme seria "propaganda homossexual" pipocaram na imprensa local aliada a Putin, em manchetes que afirmavam que ele trazia "vergonha" para a nação russa e que era como "um soco na cara" dos soldados do país.

As outras exibições programadas seguiram na agenda do festival, mas todos os ingressos foram cancelados – ou seja, o longa foi exibido em salas vazias. No país, há uma lei que proíbe "propaganda gay", o que na prática afeta quase todo tipo de demonstração LGBTQIA pública.

"Eu tenho a sorte de ter crescido num país onde a homossexualidade é, na maior parte, politicamente aceita. Mas não tem sido fácil nem nos países mais progressistas. São décadas de trauma sendo passadas de geração em geração", diz o britânico Prior.

"Segredos de guerra" vai além da base aérea na qual os soldados protagonistas se apaixonam. Depois de se aproximar graças ao prazer em comum pela fotografia, Sergey e Roman seguem caminhos opostos, na iminência de ter sua relação descoberta. O primeiro vai a Moscou virar ator e o segundo segue crescendo na carreira militar e, por fim, se casa com a melhor amiga do amante.

Reflexão 

"No passado, era proibido, mas as pessoas LGBTQIA obviamente se apaixonavam e faziam sexo. Um filme como esse é uma oportunidade para refletir sobre como podemos ser mais tolerantes e mudar as coisas", afirma Prior.

Chegar às pessoas, no entanto, não tem sido tarefa fácil. Em meio à guerra na Ucrânia, muitos têm pedido por um boicote a produtos culturais russos ou que falem sobre a Rússia – "Segredos de guerra" tem dinheiro britânico e estoniano.

É uma estratégia um tanto estranha, dizem diretor e ator. Afinal, "Segredos de guerra" justamente contesta ideologias propagadas pelo governo russo, promotor do conflito. Algo semelhante aconteceu com "Tchaikovsky's wife", exibido no último Festival de Cannes e dirigido pelo russo Kirill Serebrennikov.

O longa também fala de homossexualidade e cola o selo gay à imagem de um dos maiores expoentes da arte russa, o compositor Piotr Ilyitch Tchaikóvski, tema bastante sensível para o governo de Putin, que, apesar de sua força, não tem como cancelar alguém do tamanho do autor de "O lago dos cisnes" e "O quebra-nozes".

“SEGREDOS DE GUERRA”

(Reino Unido/Estônia, 2022, 107min) Direção: Peeter Rebane. Com Tom Prior, Oleg Zagorodnii e Diana Pozharskaya. Classificação: 14 anos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 16h10, 20h30)