Era um garoto de 10 anos quando, sob as bênçãos do padre Messias, teve uma de suas primeiras experiências musicais: aprender o toque dos sinos na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, vizinha a sua casa, no bairro Antônio Dias, em Ouro Preto. “Era coisa de menino. Eu subia na torre (da igreja) para tocar o sino. Me deixavam tocar ao meio-dia e às seis horas da tarde, a hora do Ângelus”, relembra Djalma Corrêa.
Setenta anos se passaram desde então. O instrumentista, um dos maiores nomes da percussão no Brasil, ganhou o mundo a partir de Minas Gerais.
Com 80 anos recém-completados, e radicado há muito no Rio de Janeiro, Djalma está com vários projetos em andamento. Boa parte deles saiu de seu acervo, que está em seu sítio na Pedra de Guaratiba, área rural do Rio, onde vive há quatro décadas.
A exposição “Djalma Corrêa – 80 Anos de música e pesquisa”, em cartaz no Museu do Pontal, na Barra da Tijuca, reúne fotografias e gravações do músico. Em novembro, entrou no ar a página www.culturaspopulares.djalmacorrea.com.br, que apresenta parte de seu acervo, em projeto que vem sendo administrado pelo filho, José Caetano Dable Corrêa.
O material disponibilizado digitalmente é resultado de uma incursão que o músico fez durante muitos anos por todo o país. Entre 1964 e 1978, Djalma viajou pelo Brasil registrando manifestações da cultura popular – tais registros resultaram em mais de 100 horas de áudio, 6 mil slides, 4 mil negativos e 70 filmes em Super-8.
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LP duplo
Já para 2023 está previsto o lançamento de um LP duplo pelo selo paulista Lugar Alto que reúne gravações inéditas das experimentações de Djalma em torno da música eletrônica. Para falar deste projeto, é preciso voltar na trajetória do músico. Saído de Ouro Preto, nos anos 1950 ele se tornou músico da noite em Belo Horizonte, assumindo a bateria em bailes de gafieira.A partir dos anos 1960, voltou-se para Salvador, fase que foi fundamental para sua trajetória. Naquele período, jovens músicos interessados em experimentação só tinham um lugar para ir: a Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde o alemão Hans Joachim Koellreuter e os suíços Walter Smetak e Ernst Widmer revolucionaram a música – e a vida de muita gente, de Tom Zé a a o mineiro Marco Antônio Guimarães, criador do Uakti.
Djalma fez parte do grupo de alunos. O LP inédito vai reunir gravações da época encontradas em seu acervo. Entre elas está “Bossa 2000 D.C.”, solo de bateria com música eletrônica. Tal tema foi apresentado por Djalma no show “Nós, por exemplo”, realizado no Teatro Vila Velha, em 1964.
O show é histórico, pois foi a primeira vez que Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa se apresentaram juntos – Djalma, então com 21 anos, era um dos músicos do grupo.
Experimentação e Smetak
“‘Bossa 2000 D.C.’ é uma obra de música eletrônica que Djalma fez em diálogo com a proposta de Smetak”, comenta José Caetano. “A gente trabalha com instrumentos experimentais, criávamos sons dos materiais mais inusitados. Tudo parte deste período de muita experimentação”, acrescenta Djalma. Desde que o acervo começou a ser organizado, uma série de pessoas têm se aproximado do material. “E é daí que surgem os projetos. O João Visconti, do selo Lugar Alto, foi até a casa e se deparou com as gravações. Então resolveu fazer o disco, e o álbum está nascendo também como uma forma de documentar o surgimento da música eletrônica no Brasil, que pouca gente atribui ao Djalma”, completa José Caetano.
A parceria com Gil, Caetano, Gal e Bethânia permaneceria por muitos anos. Na década de 1970, Djalma integrou o espetáculo “Doces Bárbaros”, que gerou o álbum ao vivo de 1976. Gravou e tocou com muitos outros também: Tim Maia, Paulo Moura, Jards Macalé, Jorge Benjor, Clementina de Jesus, Chico Buarque, Moraes Moreira.
Suas apresentações mais recentes foram três datas, em outubro, no circuito Sesc, em São Paulo, em que Djalma refez o repertório de um de seus álbuns mais importantes. Lançado em 1987 nas comemorações do centenário da abolição da escravidão, “Quarteto negro” reuniu o percussionista, o saxofonista e clarinetista Paulo Moura (1932-2010), a cantora Zezé Motta e o baixista Jorge Degas.
Para o reencontro, 35 anos mais tarde, o clarinetista Ivan Sacerdote substituiu Moura. Com a saúde fragilizada neste momento – “Não estou me sentido bem, a alimentação está muito deficiente, e tive que cancelar uma série de atividades” – Djalma aguarda, para um futuro próximo, estar apto para voltar à ativa.
Um dos compromissos adiados que deverá ser retomado será o retorno a Ouro Preto, onde ele deveria ter recebido, no mês passado, a Medalha Aleijadinho. Mestre dos sons, Djalma nasceu em 18 de novembro, também o dia de morte do mestre do barroco.