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Estado de Minas SÉRIE

Nara Leão continua mais musa do que nunca neste século 21

Pioneira desde jovem, cantora fez história na bossa nova, no Tropicalismo, no samba e na MPB. Namorou quem quis, peitou os militares e foi mãe no exílio


14/01/2022 04:00 - atualizado 14/01/2022 09:11

Foto mostra Nara Leão muito jovem, tocando violão
Desde garota, a decidida Nara Leão tomou as rédeas da própria vida, o que se refletiu na obra que deixou (foto: GLOBOPLAY/REPRODUÇÃO)

Um comentário do cineasta Cacá Diegues é o norte da minissérie documental “O canto livre de Nara Leão”, disponível no Globoplay. Em certo momento, o ex-marido da artista (1942-1989) e pai de seus dois filhos, Isabel e Francisco, afirma que Nara foi grande em vários sentidos – mais até do que cantora, como mulher.

O lançamento do projeto, que marca os 80 anos de Nara (em 19 de janeiro), é mais do que bem-vindo por razões que vão muito além da efeméride. A minissérie coloca em perspectiva uma trajetória que cala fundo nos dias de hoje.

Nara morreu muito cedo, aos 47, em decorrência de um tumor no cérebro. Desde então, teve sua discografia relançada, foi presença crucial em livros sobre a bossa nova e ganhou duas biografias – de Sérgio Cabral (2001) e de Tom Cardoso (2021). Mas é incontestável: a grande artista que ela foi estava, nestes tempos agourentos, escanteada.

A produção dirigida por Renato Terra (codiretor de dois documentários essenciais sobre a música brasileira, “Uma noite em 67”, de 2010, e “Narciso em férias”, de 2020) pega o título do terceiro álbum de Nara, “O canto livre...” (1965), e vai, a cada capítulo, desmembrando a trajetória da cantora.

O senso comum a vê como a “musa da bossa nova” ou a cantora de “A banda”. Não é errado, é apenas reducionista. Nara emergiu como intérprete junto do nascimento da bossa. É personagem importante do início do movimento, pois era no apartamento de seus pais, em Copacabana, que os jovens compositores se reuniam.

No primeiro episódio, “Bossa nova”, Roberto Menescal, o primeiro namorado e amigo de toda a vida, visita a sala na Avenida Atlântica com vista para o mar onde tudo aconteceu.
 

''OPINIÃO'', FAVELA E SAMBA

Nara deixou a turma bossa ao descobrir que foi deixada – o namorado, quase noivo, Ronaldo Bôscoli a trocou pela diva Maysa. Ela, que não conhecia nada do Brasil fora de Copacabana, foi se encontrar no morro de Cartola e Zé Kéti, que se tornaram seus parceiros. A consciência política recém-adquirida a levou ao espetáculo “Opinião”, o título do episódio dois.

O terceiro, “A banda”, mostra como a garota tímida que não gostava de palco se tornou popularíssima quando interpretou, com Chico Buarque, a canção tola e doce que fez história.

No quarto episódio, “Quero que vá tudo pro inferno”, acompanhamos sua participação no Tropicalismo e sua relação com a Jovem Guarda. A gravação do álbum só com o repertório de Roberto e Erasmo (1978) foi um escândalo na época – Dori Caymmi e Edu Lobo ainda hoje não se conformam com esse disco.

O último episódio, “Fiz a cama na varanda”, acompanha a vida em família de Nara e a parte final de sua carreira.

O documentário foi construído de tal forma (e aí vão muitos vivas para o diretor e para a montadora, Jordana Berg) que você não desgruda os olhos da tela. Há muitos depoimentos atuais – Menescal, Chico, Marieta Severo, Maria Bethânia, Cacá, os filhos –, mas é Nara a grande narradora.

São imagens de época, entrevistas de diferentes fontes (a mais relevante é do histórico programa “Ensaio”, da TV Cultura, gravado em 1973), muita coisa inédita. A produção da minissérie valorizou o valor do tempo – em vez de sobrepor pequenos trechos, sequências inteiras de 40, 50 anos atrás são exibidas.

Vemos Nara cantando no Opinião com João do Vale e Zé Kéti (1965); apresentando “A banda” com Chico no Festival de Música Popular Brasileira de 1966. Ou falando em entrevistas para a TV (Marília Gabriela, Leda Nagle, Glória Maria), sempre de maneira discreta e contundente.



Há passagens emocionantes, quando vemos Bethânia ler o poema “Não deixe que prendam Nara Leão”, que Carlos Drummond de Andrade publicou em maio de 1966, depois de a cantora ser ameaçada de prisão por declarar, ao extinto Diário de Notícias, que o governo militar era horrível e o Exército não valia nada. Tinha 22 anos e peitou os militares com mais virulência que muitos marmanjos.

Nara fez tudo do jeito que quis. Não gostava de ser popular, então deu um tempo dos palcos quando achou que estava tudo grande demais. Pediu Cacá em casamento e teve a primeira filha em Paris, durante o exílio – o cineasta admite que, quando jovem, não queria se casar e tampouco ter filhos. Quando Nara virou dona de casa porque quis, ninguém a afastava dos cuidados aos filhos pequenos.

O músico Kleiton toca violão
Kleiton revela pela primeira vez o affair com Nara Leão (foto: Globoplay/reprodução)
KLEITON, O NAMORADO GAÚCHO

Ela cantou com quem quis – Fagner e Dominguinhos são nomes que ela trouxe à luz no início das respectivas carreiras. Namorou muito – de Jerry Adriani ao gaúcho Kleiton, da dupla com o irmão Kledir, que assume no documentário pela primeira vez o relacionamento. E, quando chegou a hora, fez as pazes com a bossa nova, sempre ao lado do amigo-irmão Menescal.

A “artista interrompida” é agora recuperada para um público amplo – tanto os fãs que a acompanharam quanto os que poderão chegar à sua obra por meio da minissérie. Mesmo que não se tenha vivido o tempo dela, Nara dá uma saudade do que o Brasil poderia ter sido.


“O CANTO LIVRE DE NARA LEÃO”

• Minissérie documental em cinco episódios
• Disponível no Globoplay


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