
É preciso haver despedida. É o que afirma Carolina Oliva, psicóloga clínica especialista em luto materno e de famílias. E, em meio à pandemia de COVID-19, até o mesmo o último “adeus” foi negligenciado. “Nesse cenário, a oportunidade de algumas famílias de fazerem um velório ou um enterro, que são importantes para a elaboração do luto, deixou de existir. E quando não temos possibilidade de nos despedir, tudo se torna mais difícil de ser elaborado. A possibilidade de viver um luto patológico é muito maior, porque precisa existir o tempo da despedida, precisa existir esse momento de dizer as últimas palavras para aquela pessoa que se foi.”
DOAR AMOR
Dividir sentimentos no período de luto é como receber um afago e um acalento em um momento de dor. Independentemente de a sensação ser a de que o mundo está desabando, ter alguém com quem compartilhar pode ser reconfortante. Segundo Kelly Robis, é justamente por isso que os grupos de ajuda podem cooperar, e muito, para que a pessoa enlutada encontre abrigo e escuta, a fim de se recuperar emocionalmente. Deparar-se com pessoas que passam ou já passaram pelo mesmo sentimento e pela mesma dor também reconforta, segundo a psicóloga.
É quase um grito de libertação. Um “eu não estou sozinho”. Isso porque, conforme explicado por Kelly, a pessoa que se encontra em situação de luto tende a se isolar por julgar-se ‘chata’ ou monotemática por falar muito da perda. “Assim, ela perde vínculos sociais. E os grupos de apoio podem ser uma forma de identificação com um novo ideal e com o querer ajudar o outro. Essa é uma forma de ser ouvido e ouvir, de falar sobre o seu sofrimento, mas também uma forma de ouvir sobre a experiência do outro e entender como ele superou aquela perda.”

"O luto é, em geral, um momento no qual podemos nos voltar para nós mesmos, recalibrar as nossas emoções e os nossos pensamentos para que se possam criar estratégias e formas de viver de outra forma, de reassumir a rotina e recriar a nossa vida”
Kelly Robis, psiquiatra

"A possibilidade de viver um luto patológico é muito maior, porque precisa existir o tempo da despedida, precisa existir esse momento de dizer as últimas palavras para aquela pessoa que se foi”
Carolina Oliva, psicóloga clínica
A assistente social Tânia Regina Villanoeva Fernandes, de 59 anos, concorda que essa união e compartilhamento entre famílias enlutadas é uma espécie de aconchego. Ela, que já havia experienciado essa rede de apoio ao participar de um grupo de ajuda denominado Apoio a Perdas Irreparáveis (API), atualmente busca ajudar outras pessoas que passam pelo que ela passou há alguns anos com a perda de um de seus filhos. “O Doando Amor nasceu, na verdade, ainda na missa de sétimo dia do meu Daniel.”
“Naquele momento, eu chamei até o altar da igreja todas as mães que haviam passado pela perda de um filho. O altar da igreja lotou. Pedi a elas que me ajudassem, pois sozinha eu não daria conta de enfrentar tamanha dor. Entre idas e vindas em busca de ajuda emocional, psicológica, religiosa e terapia, um dos meus filhos, em sofrimento absurdo, foi morar comigo e nós dois, juntos, começamos a nossa busca por mães que passavam pela mesma situação e as convidamos para o API. E em uma das conversas que tive com outras mães, resolvemos criar um grupo no WhatsApp”, conta.
Aos poucos, mães de todo o Brasil se juntaram naquele pequeno espaço de aconchego e mensagens. “Somos várias pessoas juntas com a dor de um amor perdido, mas doando amor é menos dolorido. Juntos, é um pouco menos difícil de continuar. No grupo, falamos a mesma língua, todos os sentimentos são iguais. O nosso cantinho é um lugar de aconchego. Nele, podemos falar sem cobranças das nossas dores. A dor que é física e faz doer os ossos. Dor essa que é latente e chega a ser cruel. E no grupo podemos falar tudo isso, sem sentir medo e obrigação de se sentir bem o tempo todo.”
JORNADA MATERNA
A psicóloga Carolina Oliva, sobrevivente do luto do João, em busca de levar mais conforto e informação para mães enlutadas criou, inicialmente, a página Jornada do Luto Materno no Facebook, Instagram e YouTube. Porém, atualmente, ela passou a se identificar como Carol Oliva (@carololiva__) para se aproximar de seus seguidores e para que eles a reconheçam como alguém que enfrenta todos os dias a perda.
“Criei um curso on-line, que se chama jornada de luto, porque o que vivemos faz parte de uma grande jornada, porque o luto não acaba e faz parte da nossa vida, da nossa jornada. Criei o curso com base no que estudei sobre luto, finitude e cuidados paliativos, baseado em evidências científicas e da medicina. Ele ocorre em módulos, como uma sequência de vídeos, para ajudar as mulheres a elaborar melhor a sua história e fazê-las entender o que estão vivendo. É como se eu pegasse na mão daquela mulher virtualmente e com as minhas palavras levasse um pouco de paz para ela e sua família”, conta.
Além disso, Carolina Oliva criou uma comunidade on-line. “A turma troca informações, conversa entre si e expõe sentimentos, emoções e desafios durante a jornada. Eu presenteio as participantes com um diário, o diário do luto materno, no qual elas podem escrever a jornada de luto para entender essa jornada, como a estão trilhando, desabafar e ter esses registros como uma recordação desse momento, porque, lá na frente, a pessoa poderá reler sem que isso a faça mal. Ela apenas verá a pessoa que se tornou quando aceitou a viver o luto”, diz.
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram