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Estado de Minas Doença celíaca

Bactérias láticas podem reduzir potencial alergênico do glúten; entenda

Pesquisa feita pela USP em conjunto com instituições francesas estuda uso de micro-organismos na redução do poder alergênico do glúten e na ação probiótica


09/09/2020 11:00 - atualizado 09/09/2020 10:58

Atualmente, o único tratamento para a doença é evitar o consumo de alimentos ricos em glúten, como pães
Atualmente, o único tratamento para a doença é evitar o consumo de alimentos ricos em glúten, como pães (foto: Pixabay)

Um estudo feito por cientistas do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com duas instituições francesas, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), investiga a possibilidade de que bactérias láticas possam ser capazes de reduzir o potencial alergênico do glúten. A pesquisa analisa, também, a viabilidade de que esses mesmos micro-organismos tenham competência probiótica

Isso porque, de acordo com a bióloga Marcela Albuquerque, pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo e uma das cientistas em ação pelo Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), da França, a bactéria lática precisa de nutrientes para se desenvolver, o que ocorre por meio do processo de fermentação

“Neste caso, as bactérias láticas necessitam consumir aminoácidos para se desenvolver e estes são encontrados formando as estruturas das proteínas."

Segundo ela, como o glúten é um complexo proteico, algumas bactérias láticas podem agir sobre ele durante o processo fermentativo para obter aminoácidos para a manutenção do seu desenvolvimento e, desta forma, o teor de glúten no alimento fermentado pode ser diminuído

No entanto, conforme Marcela, ainda que essas bactérias tenham capacidade de ação sobre o glúten, é preciso verificar a capacidade desses micro-organismos agirem sobre sequências específicas do glúten responsáveis por desencadear a alergia alimentar.

“Esta é uma questão muito delicada, pois embora a bactéria possa quebrar o glúten em pedaços menores, é imprescindível verificar se, além de quebrar o glúten, elas são capazes de quebrar a sequência do glúten que desencadeia a alergia.” 

Analogicamente, a pesquisadora elucida que, ao pensar a proteína – glúten – como uma espécie de corrente, formada por anéis interligados, as bactérias láticas, que conseguem romper longas cadeias proteicas em pedaços menores, então, seriam as responsáveis por desfazer as ligações entre os anéis da corrente.

“A partir disso, em vez de uma corrente longa formada por vários anéis em sequência, teríamos várias pequenas correntes formadas por sequências menores de anéis”, destaca. 


Capacidade probiótica 

 

Marcela comenta que, além de verificar o potencial de quebra da proteína do glúten, o estudo visa, também, constatar a capacidade probiótica das bactérias láticas, o que, segundo ela, pode ser fundamental para a implementação de um tratamento para pessoas celíacas – alérgicas a glúten –, haja vista que, atualmente, o único método de reduzir os impactos da alergia alimentar é por meio de uma dieta livre de glúten. 

Para isso, a bióloga selecionou os lactobacilos, bactérias que se “sentem confortáveis” na parte delgada do intestino humano. “O raciocínio é: uma vez que se consegue mantê-los ali, o próximo passo seria verificar se podem proteger os celíacos contra a reação do sistema imunológico deles próprios frente ao glúten. Mas ainda não estamos no estágio de experimentos em nível clínico, estamos selecionando as bactérias e realizando testes in vitro para checar a atividade proteolítica e, posteriormente, o potencial probiótico”, relata. 


A pesquisa 


Para a realização do estudo, foram isolados, nesta fase do estudo, lactobacilos de amostras de produtos fermentados, como fermentos de trigo, kefir de leite, kefir de água e queijo artesanal de leite cru brasileiro, o conhecido queijo canastra.

Segundo Marcela, os cientistas coletaram também uma outra amostra de queijo, obtida diretamente de um produtor, junto com a respectiva cultura bacteriana.  

Marcela Albuquerque, bióloga, pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo e uma das cientistas em ação pelo Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), da França
Marcela Albuquerque, bióloga, pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo e uma das cientistas em ação pelo Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), da França (foto: Arquivo pessoal)
“Obtivemos 600 isolados microbianos de 14 amostras; desses 600, 28 são potencialmente proteolíticos para glúten, sendo que quatro deles apresentaram resultados excelentes. Agora, precisamos otimizar esse processo de quebra de proteína e verificar o potencial probiótico dessas cepas, in vitro.” 

Até o momento a bióloga destaca que os resultados obtidos são promissores. “Constatamos que o microrganismo é capaz de reduzir consideravelmente o teor de glúten in vitro. Ainda estamos um pouco distantes para testar o efeito dos alimentos desenvolvidos em um modelo clínico. Mas a pesquisa segue em andamento.” 

Os próximos passos, segundo Marcelo, incluem a aplicação de bactérias láticas no desenvolvimento de alimentos de panificação. “Assim poderemos verificar se o microrganismo que estamos estudando, que é uma bactéria lática isolada de leite cru, pode reduzir o teor de glúten em alimentos de panificação”, afirma. 

* Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram 


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