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Estado de Minas Envelhecimento

Estudo da Faculdade de Medicina da UFMG identifica, pela primeira vez, superidosos no Brasil

Dados são inéditos ao apontar dentro desse grupo pessoas de baixa renda e pouca escolaridade


29/12/2019 13:40 - atualizado 29/12/2019 13:52

Estudo avaliou fatores associados, como dados demográficos, clínicos, de hábitos e qualidade de vida, ao envelhecimento cerebral bem-sucedido (foto: Linus Schütz /Pixabay)
Estudo avaliou fatores associados, como dados demográficos, clínicos, de hábitos e qualidade de vida, ao envelhecimento cerebral bem-sucedido (foto: Linus Schütz /Pixabay)
O Brasil e o mundo vivem transição demográfica caracterizada pelo aumento da população idosa. Estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que em 2050 serão 2 milhões de velhos no planeta. Lúcidos, ativos, sem depressão e com excelente memória, surgirão também, em maior número, os chamados superidosos, tradução do inglês superagers. O interesse por esse grupo é relativamente novo e os estudos sobre eles convergem para tentar compreender melhor o cérebro desses indivíduos, e de que forma eles se diferenciam dos idosos com envelhecimento cerebral considerado normal.

Assim, pessoas acima de 75 anos, com desempenho da memória equiparável às de 20 anos mais novas são chamadas de superidosos. O fenômeno tem sido estudado em países ricos, mas agora, pela primeira vez, também é objeto de pesquisa no Brasil. A neurologista Karoline Carvalho Carmona, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é quem desenvolveu a pesquisa junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto, da Faculdade de Medicina da UFMG. Além de inserir o país na literatura internacional, ela apresentou resultados nunca vistos antes. Ela identificou superidosos em grupos de pessoas de baixa renda e com pouca escolaridade, além de verificar menor frequência de sintomas depressivos em comparação às pessoas da mesma faixa etária.

“No estudo, avaliamos os fatores associados (dados demográficos, de hábitos e qualidade de vida e dados clínicos) ao envelhecimento cerebral bem-sucedido (superidosos) em uma amostra de idosos acima de 75 anos, em que a média de escolaridade era bem baixa. Fizemos uma comparação entre o grupo de idosos com envelhecimento cerebral bem-sucedido e o grupo de idosos com envelhecimento habitual, e encontramos no primeiro uma menor frequência de sintomas depressivos e menor idade. A maioria dos estudos com superagers é em países desenvolvidos, nos quais a escolaridade dos participantes costuma ser em média de 15 a 17 anos de educação formal. Somente o fato de encontrarmos tais indivíduos em uma amostra de escolaridade tão baixa, inclusive com a presença de analfabetos, já é uma novidade, além dos achados do estudo (associação com menor frequência de sintomas depressivos e menor idade)”, explica Karoline.

Porém, a neurologista deixa claro que não encontrou nenhuma associação do envelhecimento cerebral bem-sucedido com classe social: “O meu estudo é derivado de um estudo maior, o Pietà, que coletou dados de idosos acima de 75 anos do município de Caeté (MG). Na ocasião (2008-2009), todos os idosos moradores do município foram convidados a participar da pesquisa, e segundo o censo da época avaliamos pouco mais da metade de toda a população dessa faixa etária, 639 idosos, com média de escolaridade de 2,7 anos”.

Assim como não há relação com baixa escolaridade. “Não houve associação significativa do envelhecimento cerebral bem-sucedido com escolaridade. A novidade está no fato de encontrarmos tais indivíduos em uma amostra de baixa escolaridade e, inclusive, com a presença de analfabetos. Intuitivamente, pensamos que indivíduos mais escolarizados, submetidos a maior estimulação cognitiva dos anos de estudo teriam mais chance de apresentar um envelhecimento cerebral bem-sucedido. A presença de superidosos nessa população de baixa escolaridade nos leva a pensar na possibilidade de fatores biológicos (genéticos) associados ao envelhecimento cerebral bem-sucedido”, destaca a pesquisadora.

GENÉTICA 

Karoline Carvalho Carmona também enfatiza que o superidoso não tem a ver com genética: “Ainda não temos dados para afirmar, mas pensa-se em uma composição multifatorial com fatores genéticos associados. E, como disse, em relação ao meu estudo, a presença de superidosos nessa população nos leva a pensar na possibilidade de fatores biológicos (genéticos) associados a esse perfil.”

Quem não gostaria de vir a ser um superidoso? No entanto, Karoline diz que ainda não é possível saber o que fazer para ter esse status: “Ainda não sabemos. Sabemos o que podemos fazer para tentar evitar o declínio cognitivo (hábitos de vida saudáveis, alimentação equilibrada e atividade física, controle dos fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão e diabetes, não fumar, estimulação cognitiva etc.). Mas não sabemos ainda o que contribui para o surgimento de um superidoso”.

Karoline chama a atenção que o superidoso não envolve questão de gênero: “Não encontramos associação no meu estudo e não há descrição em outros também”.

Grupo fora da curva
Em países em desenvolvimento como o Brasil, onde a prevalência de comprometimento cognitivo e demência é maior e ocorre mais cedo, o estudo dos superidosos pode ajudar a prevenir o declínio

A neurologista Karoline Carvalho, autora do estudo, diz que os resultados podem contribuir para um envelhecimento com maior qualidade(foto: Carol Morena/UFMG/Divulgação)
A neurologista Karoline Carvalho, autora do estudo, diz que os resultados podem contribuir para um envelhecimento com maior qualidade (foto: Carol Morena/UFMG/Divulgação)

Com o Brasil envelhecendo, o desejo é que mais superidosos apareçam. Será uma certeza? “Ainda não conseguimos responder a essa pergunta. Imaginamos que, com o aumento do número de idosos, aumente também a probabilidade de encontrar superidosos, mas não podemos afirmar. Pelos estudos publicados até hoje, parece ser sim um grupo fora da curva. O interesse nesses indivíduos surgiu exatamente pelo fenômeno de envelhecimento da população mundial. Especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, onde a prevalência de comprometimento cognitivo e demência é maior e ocorre mais cedo, o estudo do envelhecimento cerebral saudável e bem-sucedido pode nos ajudar no futuro a prevenir o declínio cognitivo, contribuindo para um envelhecimento com maior qualidade”, espera a neurologista Karoline Carvalho Carmona, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),  que desenvolveu a pesquisa junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto, da Faculdade de Medicina da UFMG.

Feliz pelo resultado do estudo, Karoline já imagina os próximos passos: “Um estudo longitudinal para comprovar relação de causa e efeito, da menor frequência de sintomas depressivos, seria interessante. Assim como práticas que contemplem avaliações genéticas desse grupo. Pretendo continuar os estudos em envelhecimento cerebral saudável e bem-sucedido, como projeto do doutorado, agora com nova amostra da população. Mas ainda estamos desenhando o novo estudo”.

Karoline Carvalho Carmona acha importante ressaltar a importância dos dados para a comunidade científica nacional e internacional. “Tivemos a oportunidade de avaliar o envelhecimento cerebral bem-sucedido em uma amostra de idosos de baixa escolaridade (amostra que não existe em países desenvolvidos) e constatar que o envelhecimento cerebral bem-sucedido pode ser encontrado mesmo nessa parcela da população.”
 
O TESTE
 

Os indivíduos pesquisados responderam a um questionário socioeconômico e sobre hábitos de vida e foram submetidos a avaliação clínica, neurológica e neuropsicológica. Aqueles que não apresentaram comprometimento cognitivo fizeram o teste de Aprendizagem Auditivo-verbal de Rey para aferição da memória, a principal ferramenta para caracterizá-los como superidosos ou pessoas com envelhecimento cerebral dentro da média.

De acordo com Karoline Carmona, foram classificados como superidosos os indivíduos que se lembraram de mais de nove palavras, valor esperado para idosos na faixa etária de 60 anos e saudáveis do ponto de vista cognitivo. Aos indivíduos que se lembraram de número menor de palavras foi atribuído envelhecimento cerebral habitual.

Para o professor da Faculdade de Medicina da UFMG Paulo Caramelli, orientador do estudo, os resultados podem contribuir para a melhor compreensão do envelhecimento cerebral, uma vez que deixam de relacionar adoecimento ao avanço da idade.


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