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Estado de Minas VITALidade

O estigma da velhice

A verdade é que a velhice é um conceito historicamente construído, baseado nas crenças e nos valores sociais e não um conceito estático


05/07/2022 06:00

Idosos de mãos dadas
Para os autores existe, por um lado a velhice censitária ou cronológica e, de outro lado, a velhice psicológica ou subjetiva (foto: Pixabay/Divulgação)
Afinal de contas, o que é envelhecer? Muito se discute sobre o que é, de fato, a velhice e parece não haver um consenso entre os especialistas. Para Simone de Beauvoir, a velhice não é um fato estático e está ligada à ideia de mudança.
 
Segundo a autora, muitos dizem que a existência é uma morte lenta, no entanto, ela afirma que quem faz tal relação desconhece uma verdade essencial da vida, qual seja, que ela é um sistema instável, no qual, a cada momento, o equilíbrio se perde e se reconquista, não se apresentando, nem de longe, como uma morte lenta, uma vez que sinônimo de morte seria a inércia, o que não existe no ato de viver e envelhecer, já que estamos em constante movimento.
 
No livro País Jovem com Cabelos Brancos há uma afirmação contundente no sentido de que a velhice é um termo impreciso e vago, uma vez que nada é mais flutuante do que os limites da velhice, em termos de complexidade fisiológica, psicológica e social.
 
O mesmo livro nos alerta sobre como a percepção da velhice pode se mostrar completamente diversa em contextos diferentes, tais como no Brasil, no Japão ou em Serra Leoa.
 
Para os autores existe, por um lado a velhice censitária ou cronológica e, de outro lado, a velhice psicológica ou subjetiva, de modo que, nesse contexto, um jovem pode ser velho e um velho pode ser jovem.
 
Deve-se levar em consideração não só a idade cronológica, mas também a biológica e a manutenção da capacidade funcional de uma pessoa para categorizá-la como velho e sim: muitos velhos são realmente dotados de muita vitalidade e energia. Assim, como classificá-los de velhos? Não. São pessoas que já viveram muito e mantem-se muito vivos. 
 
A verdade é que a velhice é um conceito historicamente construído, baseado nas crenças e nos valores sociais e não um conceito estático, baseado na quantidade de morbidade ou de cabelos brancos que possui a pessoa.
 
Assim como a velhice é um conceito construído, também o são os estereótipos sobre ela, que são transmitidos pela educação e associados a práticas sociais discriminatórias. A história nos mostra como os estereótipos sobre a velhice foram sendo construídos e retransmitidos entre as gerações, perpetuando, muitas vezes, preconceitos sociais arraigados sobre o processo de envelhecimento.
 
Se tomarmos a história da Filosofia Ocidental veremos que os deuses eram carregados de inúmeros defeitos e qualidades humanas, contudo, não envelheciam, já que a mortalidade – e o envelhecimento – era um castigo aos humanos, que ousaram desafiar sua autoridade. Os deuses não sofriam, como nós, com as intempéries do tempo, já que nasciam adultos e assim permaneciam para todo o sempre, sem nunca temer nada, já que não eram ameaçados pela morte.
 
Na Bíblia vemos algo parecido, já que no Paraíso, Adão e Eva eram imortais e viviam felizes até serem castigados por terem comido o fruto da árvore do conhecimento. Como comumente ouvimos dizer, o homem decaiu e foi alçado à condição de mortal – que envelhece.Nas duas situações a velhice é apresentada como castigo e não temos dúvida que, culturalmente, um pouco desta ideia continua em vigor até nossos dias.
 
O preconceito ligado a velhice não é tema novo e são inúmeras as formas de discriminação sofridas por quem já iniciou o processo de envelhecimento, que vão desde seu apagamento social após a aposentadoria até mesmo a noção de que são descartáveis. Não é incomum vermos situações nas quais a opinião dos idosos é desconsiderada pelos demais e seus desejos sumariamente ignorados.
 
De um lado, o preconceito contra os idosos é estrutural e institucional, atrelando ao idoso a ideia de fragilidade e improdutividade, além de falta de vigor físico e predisposição emocional; de outro lado, há um excessivo valor à juventude e seus atributos, deixando transparecer que tudo aquilo que é antigo não tem mais espaço na vida social.
 
Estas duas forças opostas precisam urgentemente serem equacionadas, a fim de uma convivência social mais harmônica entre jovens e velhos. Se por um lado os idosos têm muito a ensinar, em razão de sua vasta experiência de vida, de outro lado os jovens tem muito a ensinar, isto em virtude de sua maior conexão com as tecnologias. Nessa relação de aprendizado recíproco todos saem ganhando, já que o passado passa a ser valorizado como um meio de se obter melhores resultados presentes e futuros. 
 
Somos resultado de uma sociedade que tem na sua própria origem um preconceito imenso ligado ao envelhecimento e precisamos urgentemente repensar esta situação pois, como sempre dizemos nesta coluna, devemos construir hoje o futuro dos idosos de amanhã e isto só será possível por meio da desconstrução de estereótipos há muito arraigados no seio social.
 
Entendamos que envelhecemos como vivemos e se valorizamos o viver devemos cuidar do nosso envelhecimento e defender as vantagens de se envelhecer:
 
seremos mais equilibrados, ponderados, amadurecidos, menos belicosos e com maior capacidade de compreender os que nos cercam. Ao contrário do que possamos acreditar, o envelhecimento pode sim ser uma fonte de alegrias, basta que saibamos enxergar as partes boas desta fase da vida e vivenciá-las na sua plenitude. Todas as fases da vida têm suas benesses e cobram seu preço. Na velhice não é diferente. Também há coisas boas em ser velho. Valorizemos!

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