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Estado de Minas COMPORTAMENTO

O nome que recebemos diz muito do que seremos

Em nossa cultura, cabe ao pai nomear o filho, e esse ato tem função importante na subjetivação do nomeado


12/12/2021 04:00 - atualizado 11/12/2021 04:25

Ilustração mostra mãe, filha e pai

Quase todos nós temos histórias de família narradas sobre nossa concepção, nascimento, nome de batismo, artes que fizemos na infância e em nosso crescimento. Nem sempre nos lembramos da infância. Há mesmo quem nos chegue dizendo nada se lembrar sobre ela. Porém, a continuidade dos relatos mostra o engano. Invariavelmente, vão surgindo entre as falas, casos contados e lembranças os conteúdos de nossa pré-história e história.

Sabemos que viemos ao mundo trazidos por outros, não decidimos sobre o nosso nascimento. Normalmente, aqueles que nos geraram e trouxeram ao mundo são os mesmos que nos introduziram na cultura por meio da aquisição da linguagem, do afeto, dos sons das palavras e da acolhida. Pode não ser, mas isso vale para adotados também.

São os nossos cuidadores que nos transmitem o desejo. Por isso dizemos que o desejo é desejo do outro. Herdamos os moldes do desejo do outro que nos aponta os seus no decorrer da nossa história. Assim, não existe um desejo totalmente isento daquilo que vem do outro, suas marcas sempre estarão gravadas em nossos corpos e alma e nos apropriaremos delas como nossas.

O nome que recebemos também diz muito do que seremos. Jacques Lacan afirmou que devemos sempre prestar atenção ao nome de nosso paciente, pois ele nunca é indiferente ao que virá em sua análise. Exemplo disso nos deu o escritor José Saramago com sua peculiar história.

Seu pai escolheu o seu próprio nome, José de Souza, para batizar o filho. Ao registrá-lo no cartório, o tabelião alcoolizado acrescentou por conta própria como sobrenome último, Saramago. Era a denominação, um apelido, da família na aldeia no interior de Portugal de onde vinham, mas não nome de registro. Ninguém se deu conta disso até que, com 7 anos, ao ser matriculado na escola, o equívoco saltou aos olhos. E ficou...

O pai, então, decidiu mais tarde adotar, ele também, o nome Saramago, cumprindo o sistema legal português, que exigia que o filho portasse o nome do pai. Assim, o célebre autor português torna-se desde cedo exceção, causando uma inversão.

Diz ele, em “Pequenas memórias”, que deve ter sido o único filho na história da humanidade que deu nome ao pai. Surgiu, então, inesperadamente uma palavra, significante, marcada pela carga imaginária vinculada ao passado de origem rural da família. O pai não agradou, mas, enfim, acatou.

Em nossa cultura, cabe ao pai nomear o filho, e esse ato tem função importante na subjetivação do nomeado. É a referência que atesta a existência legal, a descendência, a localização geográfica e a história familiar, além de designar o lugar e o laço social de uma pessoa na cultura. Ele é inserido, por meio do sistema jurídico, na cultura à qual pertence, garantindo esse pertencimento legalmente e conferindo-lhe direitos civis.

Pela repetição, o nome próprio dá identidade ao sujeito e o destina a herdar do pai tudo o que foi dele, para fazê-lo seu. Isso não é pouca coisa e nem se trata apenas de bens materiais, mas dá sentido e um destino significativo àquele que recebeu essa herança, tornando-o importante destinatário do desejo de seu pai e também das dívidas que estarão em seu legado.

Além disso, um aval é dado ao filho. Ele recebe o emblemático e simbólico nome do pai que influenciará, sem que ele saiba, embora sobremaneira, sua estrutura e escolhas futuras. Como se o pai dissesse: “Vai, filhão, tem a minha bênção para ser um homem capaz de portar meu nome”.

Essa é a importância do nome próprio – e não apenas de pai para filho, mas também válida para filhas. Pois no nome estão inseridos desejos dos pais e o afeto que marcaram e humanizaram o ser que nasce deles.

Ah!, diriam alguns um porém: existem pais que rejeitam, mães que doam filhos, filhos de adoção, etc. Sim, é fato. De qualquer modo, tudo de uma história estará registrado no corpo e no inconsciente, terá efeitos variados que só depois, na análise, poderemos avaliar conforme os acontecimentos e posição desse sujeito.

Curiosamente, Saramago inaugura, além do novo nome e do reconhecimento à família, o ato de tecer por meio de sua obra escrita um novo destino para si, tornando-se mundialmente conhecido. Há quem duvide de que o nome próprio tem tudo a ver com o destino, mas para nós, psicanalistas, ele tem especial valor. Aliás, as palavras são a nossa ferramenta e a escuta a nossa função – ambas nos conduzem à verdade singular de cada um. 



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