Apesar da COVID-19, estamos vivos, ainda. Mas a morte está muito próxima como nunca e faz com que a ideia dela, que antes podíamos afastar e parecia distante porque a empurrávamos para o futuro, agora é vizinha.
Com a COVID é difícil saber as consequências do contágio sempre incerto. Quando há infecção, pode ser assintomática ou se complicar. A sensação é de falta de sentido, perplexidade.
A perspectiva do fim da vida nos faz rever nossos valores e a partir disto retificar nossos posicionamentos. Por isso, a demanda dirigida à psicanálise está muito ativa e demonstra que as pessoas têm sofrido e precisam falar sobre estar nesta guerra, em luta e luto.
Precisam repensar a vida, consumir menos, se consumir menos também. Se reorganizar para a vida com e pós-COVID. Refazer rotinas, programações, maneiras de manter os laços, agora, virtuais e fazer todo um esforço para isso. Resistência para sobreviver a esta guerra.
Muita gente tem repensado a política, se reposicionando diante da gravidade da situação que se apresenta. O fato de o governo causar tanta polêmica em ir contra todos os protocolos recomendados pela OMS, e até mesmo contra a Constituição e as maiores autoridades do país, provoca o caos e nos preocupa.
Há uma sobreposição de problemas que nos esgota. A grave crise sanitária, econômica, social e política nos deixa em meio ao um pandemônio.
O aumento da miséria, das falências e quebradeira que tornam a vida e o mundo irrespiráveis. Disse Lacan: a psicanálise é o pulmão do mundo. Nos agarremos a isto como um náufrago que avista uma ilha.
Foi em minha própria análise que encontrei saídas importantes diante de impossíveis como amar, trabalhar, desejar e governar. E, como analista, presencio os desdobramentos que uma análise promove na vida das pessoas.
A psicanálise é pacifista, contra o preconceito, a segregação e se opõe a tudo que vai contra a vida, o amor e os laços sociais. Assim sendo, não poderíamos deixar de nos posicionar sempre que se faça necessário, esclarecendo e conscientizando, transmitindo a política e a ética do nosso campo, a psicanálise.
E ela é um protesto contra a violência e acontecimentos trágicos, como o da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, onde 28 vidas foram tiradas numa desastrosa operação policial. Estes policiais que estão na folha de pagamento do Estado para proteger o cidadão se tornam o perigo.
A operação contrariou as determinações do ministro Fachin, do STF, de não fazer este tipo de operação em favelas durante a pandemia. Mas fizeram. Não bastaram as mortes. O presidente aplaudiu e o vice-presidente declarou “era tudo bandido”.
Não eram não. Traficantes eram três. Os demais assassinados eram pobres, favelados, que parecem não ser uma grande perda para um sistema capitalista e com tendências à violência e ao autoritarismo. E mesmo que fossem bandidos, queremos legalizar a pena de morte no Brasil? Queremos um país de milicianos?
Então, que o façamos na lei, alteremos a Constituição. O que não se pode aceitar é a transgressão dos valores democráticos, ferir a Constituição e legalizando o ilícito. Se o admitimos uma só vez, sabe-se lá onde vai parar. Queremos um Velho Oeste, uma terra sem lei?
A vida é nosso maior bem. É nosso dever respeitar e acolher as pessoas de todos os credos, raças, gênero, classes, incluindo as minorias, pois são carne e osso como qualquer outro. Basta a COVID nos matando, não precisamos de ajuda para enterrar mais ninguém.
Vamos defender a vida humana, o amor e a paz. Vamos reverter a destruição da Terra, pois nossos netos e bisnetos vão precisar deste céu, deste ar, do mato. E, apesar dos milhões gastos em pesquisas interplanetárias, que podiam matar a fome de muita gente por aqui e salvando-nos da depredação, ainda não descobriram para onde fugir quando tudo virar dinheiro.