Qualquer um que tenha menos vaidade do que bom senso, além de uma correta leitura da atual realidade brasileira, certamente há de concordar com o título dado pelo jornalista Thomas Trauman ao seu livro de 2018 (Editora Planeta): O pior emprego do mundo. Ele colheu e relatou depoimentos de 14 ministros da Fazenda, desde Delfim Netto (1967) até Guido Mantega (2014). Numa próxima edição, deverá caber ao liberal Paulo Guedes narrar como encarou a encruzilhada que lhe foi imposta pela pandemia da COVID-19. Hoje, a perspectiva para o resto do ano é de terra arrasada na economia brasileira e de recessão no mundo.
Além do desafio pós-pandêmico de reerguer o que o próprio ministro chama de o “gigante caído”, Guedes tem na primeira fila das urgências a necessidade de evitar que os rombos de 2020 continuem ocorrendo em 2021. Ou, pior ainda, que as burras do Tesouro, abertas para atender à crise sanitária, sejam entendidas pelo mercado como a perda permanente do controle do gasto público (âncora fiscal).
Essa perda reduziria ainda mais a já abalada confiança dos agentes econômicos internos e externos, pondo em risco a expectativa de investimentos e a retomada do emprego. O cidadão menos afeito às curvas da economia pode perguntar: por que tanta preocupação agora, em meio à pandemia, com os próximos anos?
A resposta é mais simples do que parece e mais importante do que se pensa. Para simplificar, basta lembrar que nada se faz sem dinheiro, a mercadoria mais procurada no mundo. Quem a fornece corre o risco de não tornar a vê-la e, portanto, precisa ter uma boa visão dos rumos da economia. É com base nessa certeza ou incerteza que ele vai decidir se empresta ou não o dinheiro, se vai ou não vender a prazo e quanto vai cobrar por isso.
Quadro desolador
Para decidir que rumo dar à economia, Guedes se depara hoje com um quadro desolador. Os gastos com o combate sanitário ao vírus e aos efeitos avassaladores da paralisação do consumo e da produção de bens e serviços podem chegar a R$ 1,2 trilhão até o fim do ano. Aí se incluem programas de apoio financeiro direto às pessoas necessitadas e às empresas de pequeno e médio porte, além de adiamentos e renúncias fiscais.
Correndo por fora, há uma pesada perda de arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais, o que resultou em urgente necessidade de socorro aos entes federados. Pressionada por um lado pela receita em queda e, por outro, pela despesa em expansão forçada, a União se viu na urgente necessidade de cobrir o rombo, aumentando o endividamento público de 78% para 98% do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, passou de alto para altíssimo.
Temos, então, um conta vencida, que é a dívida gerada pelo gasto feito este ano, e uma outra a ser contratada em 2021, para bancar ações destinadas a promover a retomada mais rápida possível do crescimento. De onde virá o dinheiro?
Nesse ponto, chegamos à tal encruzilhada. Estamos falando da escolha entre aumentar o gasto público para fazer o país crescer rápido e promover a breve felicidade geral da nação, ou manter o compromisso com a austeridade fiscal e abrir a economia ao capital privado, em busca do crescimento sustentável.
Para a primeira opção, palpites não faltam. Por exemplo, a expansão da base monetária – nome sofisticado para a velha prática de emissão de moeda pelo Banco Central. Significa inflação na veia e fim dos juros baixos, tornando insustentável a dívida. Nesse caso, será forte a tentação de queimar logo as reservas cambiais para “financiar o futuro”. É, pois, um pacote para espantar de vez o investidor estrangeiro privado, ou seja, empresas sem projeto político.
O outro caminho tem pedras, pois começa por reforçar o compromisso com a austeridade fiscal, retoma a agenda de reformas e mantém o teto de gastos, medidas nem sempre do agrado dos políticos em campanha eleitoral.
Esse bloco de contenção fiscal continuará pesando a favor do controle da inflação e da política de juros baixos, mesmo quando voltar o consumo agregado. Do lado dos investimentos, a expansão da infraestrutura passa pelas concessões, que se somam à privatização de estatais hoje deficitárias e que podem ser melhor operadas pela iniciativa privada.
Escolha óbvia
Não deve ser difícil para o economista de formação liberal Paulo Guedes optar pelo segundo caminho que é, aliás, o que ele já vinha trilhando. Após o primeiro ano em que se carregaram custos herdados, a economia tinha começado 2020 confirmando ter sido essa a escolha certa, interrompida pela pandemia. Portanto, não é na escolha, mas na dificuldade de executá-la que está o problema do ministro. A gestão pública sofre pressões de ordem política e eleitoral no Congresso, o que acaba inviabilizando ações corretas e deformando bons projetos.
Guedes sabe muito bem que rumo tomar. Não poder segui-lo por completo, por má vontade dos políticos e, ao mesmo tempo, ser cobrado pela sociedade, deve ser frustração que realmente faz do seu emprego o pior do mundo. Ainda bem que, para o desespero de seus opositores, ele continua cada mais firme no cargo.