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Estado de Minas Comportamento

O dia em que fui salva por revistas de bordo

Papel não é apenas caro, mas inacessível


06/12/2020 04:00 - atualizado 06/12/2020 08:53

(foto: pixabay)
(foto: pixabay)

 
Sempre que entro em um avião pego logo a revista de bordo no bolsão à frente da cadeira. Normalmente carrego um livro, mas iniciar o voo lendo um pouco sobre turismo e arte me dá a deliciosa sensação de que começou a viagem. Muito comumente depois de folhear, apreciar as fotografias sempre muito bem produzidas e ler o que de fato interessa, acabo pegando no sono. Qualquer meio de locomoção, quando não sou eu que estou no volante ou não tenho com quem render uma boa conversa, me faz dormir.
 
Há pouco mais de um ano, quando fui pela segunda vez ao Malawi, na África, montar uma oficina de costura nas dependências da Fraternidade Sem Fronteiras, incumbi todos os meus colegas de viagem de pegar o maior número de revistas de bordo que conseguissem. As companhias costumam gostar quando um ou outro o faz, pois é uma forma de espalhar suas ideias até aqueles que são clientes em potencial, mas ainda não tiveram a oportunidade de “andar de avião”.
 
O pedido tinha uma justificativa de peso. No Malawi tudo é difícil de comprar, papel não é apenas caro, mas muitas vezes inacessível. Eu precisaria reproduzir os moldes para atender a cada aluno, a maioria refugiados de guerra africanas, que passassem pela oficina. Você deve estar perguntando porque não levei papel pardo em minha bagagem. Papel pesa e minhas malas, além das de meus companheiros, estavam repletas de outros materiais ainda mais difíceis de serem comprados que papéis.
 
Consegui, cerca de 30 revistas o que acreditei ser mais do que suficiente para o que eu precisava. Quando cheguei ao destino final, vi que uma de minhas malas havia sido extraviada e era exatamente a que continha todos os moldes que eu havia passado meses desenvolvendo. Dos moldes, fiz peças piloto não apenas para verificar se a haviam ficado boas, mas também para mostrar aos alunos o que iria surgir a partir daqueles pedaços de papel.
 
Depois de esperar por dois dias e não conseguir saber do paradeiro da mala, caí na real e percebi que tudo estava perdido. Eu não podia esperar mais e comecei a refazer os moldes durante as noites entrando as madrugadas, pois durante o período do dia eu dava aulas. Emendei folha com folha retirada das revistas usando durex, tracei os moldes tentando me lembrar de cada detalhe que mudei no meio do caminho, a partir do que as peças piloto me indicavam.
 
A mala chegou dez dias depois de mim quando eu já não precisava mais. Não foi a primeira vez que tive a mala extraviada. Isso acontece com frequência comigo, principalmente quando o tempo entre as conexões é muito curto. Mas foi a primeira vez que “perdi” o que tinha dentro dela.
 
Aprendizado: moldes agora só na bagagem de mão, assim como tudo aquilo que vale muito mais que uma peça de roupa ou um calçado. Hoje estou a caminho de Boa Vista, Roraima. Serão três voos até conseguir chegar onde vou oferecer oficinas de costura para refugiados venezuelanos. Todos os moldes estão à mão, claro, até porque, desta vez, por causa da pandemia, não terei revistas de bordo para me socorrer caso me veja novamente em apuros.

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