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Estado de Minas TERCEIRO SINAL

Marajás, política e erotismo marcaram 'Com jeito vai', que estreou em 1988

O autor da peça, Mauro Alvim, diz que hoje ela não repetiria o sucesso de 34 anos atrás, devido à internet e à viralização de piadas sobre política e sexo


08/04/2022 04:00 - atualizado 07/04/2022 23:30

Atores no palco durante sessão da comédia Com jeito vai, em Belo Horizonte
Comédia mineira ''Com jeito vai'' homenageava o teatro de revista (foto: Acervo pessoal)
 

COM JEITO FOI

Mauro Alvim

Autor e diretor de teatro


Foi exatamente no ano de 1986 que a empresária da saudosa Eva Vilma, Fátima Ribeiro, se encontrou com os produtores Dilson (Mayron) e Amaury (Reis), em Juiz de Fora, e me indicou para que escrevesse para eles uma peça no teatro de revista. Levei-os lá em casa para tomarmos um café e discutir como seria esse texto, mal tínhamos conhecimento do que seria, na verdade, teatro de revista.

Cheguei a escrever uma peça teatral, mostrei-lhes, depois foi a vez de o diretor Márcio Machado lê-la. Foi um balde de água fria quando ele nos disse que nada daquele texto tinha a ver com teatro de revista.

Então, os produtores tiveram a oportunidade de bater um papo com o ator Emiliano Queiroz, que deu uma aula sobre esse gênero teatral, que ficou famoso nas mãos do produtor Carlos Machado.

Começamos a fazer pesquisas para elaborar o texto cheio de esquetes, onde uma não tivesse nada a ver com a outra, e nos debruçamos a ver os temas que mais estavam em moda.

Com ternos vermelho e amarelo e echarpes de plumas em volta do pescoço, os atores José Carlos Santos e Carlos Nunes estão em cena na comédia Com jeito vai
José Carlos Santos e Carlos Nunes: marajás gays e ironia política (foto: Acervo pessoal)
Foi justamente aquela época dos marajás que abria o espetáculo: dois deles perigavam perder o emprego, mas sabiam que isso não aconteceria graças aos seus pistolões. E mais outros temas do cotidiano, como o garoto que quer ganhar uma boneca, o estrangeiro impressionado com o Brasil e até mesmo uma escolinha com alunos levados da breca!

O grande momento foi a cena em que a atriz Heloísa Duarte descia à plateia para mexer com os homens. Era engraçadíssimo vê-los desconcertados quando aquela loira muito sensual pedia para assentar no colo deles. Um veterano crítico de teatro veio a afirmar que igual àquela interpretação só mesmo a Virgínia Lane, que, ali pelos anos 1940, chegou a montar sua própria companhia para levar o teatro de revista a diversas regiões do Brasil.

A maior dificuldade foi exatamente conseguir um teatro para lançarmos aquele show bem propício, com piadas políticas e uma dose de erotismo – raridade para o nosso país, que vivia a ressaca da ditadura.

Batalhando um teatro daqui e dali, apesar de toda dificuldade não pensávamos em desistir, até que o Dilson murmurou: “Deixa, com jeito vai.”

Pronto! Havíamos descoberto o nome da peça! A estreia se deu em meados de 1988, e os produtores foram corajosos em apresentar o espetáculo de terça a domingo. Isso, durante apenas um mês. Mas o boca a boca pegou de tal forma que, durante a campanha de popularização do teatro, nos fins de semana, éramos obrigados a fazer vesperais aos sábados e domingos.

Porém, o fenômeno teve um efeito colateral: a quantidade de cambistas que iam vender ingressos falsificados na porta do teatro. Os ingressos se esgotavam, e, em todas as sessões, eu me via obrigado a levar a lupa de aumento para verificar a autenticidade dos bilhetes.

Vânia Rocha e Giovanna, usando maiôs cavados, abraçadas a Dilson Mayron, produtor da comédia Com jeito vai
O produtor Dilson Mayron e as vedetes Vânia Rocha e Giovanna (foto: Acervo pessoal)
Foram meses de casa lotada, daí nos vimos estimulados a levar a peça para o interior de Minas, onde, como não podia deixar de ser, os ingressos se esgotavam. Eu, autor, mais os produtores e diretor não imaginávamos que estrearíamos com um retumbante sucesso. Ficamos dois anos em cartaz, muitas vezes adequávamos determinado quadro ao contexto atual. Outros atores e atrizes foram se juntando a nós, entre eles o humorista Carlinhos (Nunes), que demonstrou a sua verve de piadista.

No elenco inicial tínhamos o ator José Carlos Santos e o diretor Márcio Machado, já no andar de cima, de quem guardamos uma saudade imensa dos tempos de convívio, tanto no palco quanto após as apresentações, quando sempre íamos para a Cantina do Lucas celebrar mais uma vitória.

Nos tempos atuais, creio que seria difícil repetir aquele tremendo sucesso, pois o humor político já não é mais impactante assim – basta alguém soltar uma piada de tema político na internet que em 24 horas a coisa já viralizou –, bem como os temas relacionados a sexo.

O voyeurismo, que antes se fazia com o binóculo apontado para o apartamento vizinho, hoje é feito na internet, por meio das cams. É impressionante como a mentalidade do povo mudou nesses últimos 30 anos, a começar pela homofobia, cada vez mais acentuada, com impressionantes índices de assassinato e tortura de gays.

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