(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas TERCEIRO SINAL

BH montou sua versão de "Pequenos burgueses" nos anos 1970

Montagem de sucesso do Grupo Oficina (SP) teve direção de Jota Dangelo na capital mineira e ficou em cartaz no segundo semestre de 1978 no Teatro Marília


11/03/2022 04:00 - atualizado 11/03/2022 03:12

três casais de atores com roupas formais contracenam no palco do teatro marília em cena de 'pequenos burgueses'
Os atores José Maria Amorim, Eliane Maris, Mamélia Dornelles, Arildo de Barros, Peninha e Sonia Valadares em cena de "Pequenos burgueses", que teve cenografia assinada por Raul Belém Machado (foto: Acervo pessoal)
 

Gorki e a ditadura

Jota Dangelo, 
dramaturgo

Os primeiros anos da década de 1970 ficaram caracterizados pelo autoritarismo ditatorial, perda dos direitos humanos e censura rigorosa, instaurados pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), promulgado em 13 de dezembro de 1968. Por essa razão, os grupos teatrais passaram a optar, para suas encenações, por antigos textos, mas cujos temas, em menor ou maior grau, ainda que metaforicamente, podiam ser percebidos pelo público como críticas ao regime militar que dominava a política no país.

Esse foi o motivo pelo qual O Grupo (ex-Teatro Experimental) escolheu “Pequenos burgueses”, do russo Máximo Gorki, escrito nos primeiros anos do século 20, como o espetáculo a ser encenado no Teatro Marília, no segundo semestre de 1978.

A primeira versão da peça foi feita e aplaudida com entusiasmo e absoluto sucesso pelo Grupo Oficina, de São Paulo, sob a direção qualificada de José Celso Martinez Corrêa. Entretanto, a versão de O Grupo, de 78, não ficava restrita ao texto de “Pequenos burgueses”, como ressalta o crítico teatral Luiz Carlos Bernardes, na sua coluna no jornal Estado de Minas: “Numa das melhores produções da safra 78/79, a reapresentação de ‘Pequenos burgueses’ deve ser revista. Dangelo, na direção, monta um espetáculo de alto nível. Realista, denso e bem-enxuto, equilibrando com talento o espetáculo e a mensagem, sem cair no falso didatismo. Preocupado em trazer à cena um Gorki multifacetado, Dangelo junta a ‘Pequenos burgueses’ trechos de ‘Os veranistas’, ‘Ralé’ e ‘Os inimigos’, num espetáculo uniforme, cuja  homogeneidade é também garantida pelo bom elenco”.

Dos 13 atores do elenco, oito eram de O Grupo: Helvécio Ferreira, Eliane Maris, Sonia Valadares, Ligia Lira, Mamélia Dornelles, Jota Dangelo, José Maria Amorim e Raul Belém Machado. Completavam o elenco as atrizes e os atores convidados Ada Mabillot, Romilda Leão, Arildo de Barros, Javert Monteiro e Geraldo Roberto Peninha. Na temporada de Brasília, em maio de 79, e na reapresentação da peça logo em seguida, no Marília, a atriz Romilda Leão foi substituída por Wilma Henriques.
Ligia Lira, Helvécio Ferreira e Ada Mabillot encenam Pequenos burgueses
Ligia Lira, Helvécio Ferreira e Ada Mabillot também integram o elenco da encenação mineira do texto de Gorki (foto: Acervo pessoal)

O espetáculo foi um sucesso de público nas duas temporadas em Belo Horizonte e na curta temporada de Brasília, com seis apresentações no Teatro Martins Pena, mas teve que apresentar uma sétima, especial, atendendo a uma solicitação da embaixada russa, que queria uma sessão para seus próprios convidados. 

O Grupo contou, no espetáculo, com uma das obras cenográficas mais bem projetadas e construídas pelo talento incomparável do arquiteto Raul Belém Machado: uma sala de entrada de uma residência russa dos anos iniciais do século 20. Na crítica de Bernardes não falta a referência: “A cenografia de Raul Belém Machado é outro destaque. O belo samovar de prata reina, boa parte do espetáculo, no centro do palco, como símbolo dos valores que se tenta, inutilmente, preservar. Belo o final do espetáculo: Vassilevitch, quase só, angustiado, vê a vida invadir sua casa pelas vozes dos operários que cantam nas ruas”.

“Pequenos burgueses” foi escrito nos primeiros anos do século 20 (1904), quando, na Rússia, sob o czarismo, a monarquia estava sendo colocada em dúvida, sob suspeita, pela propaganda das teses de Karl Max – divulgadas a distância por Lênin – e pelos movimentos operários que se estavam iniciando, ainda que timidamente, contra a nobreza e a burguesia, incluindo a ‘pequena burguesia’, justamente a da família de que trata a peça. Mas na família ‘burguesa’ de Bessemenov, um burguês conservador, moralista em excesso e monarquista, os jovens, filhos e filhas, estavam ao lado dos operários que, nas ruas, entoavam seus hinos de protesto e suas palavras de ordem.

Assim, em 1978, com a ditadura militar aos trancos e barrancos, em declínio, a encenação da peça de Gorki estava mais que justificada. E foi essa a razão pela qual acrescentei ao texto outras considerações de Gorki em outras de suas peças, para reafirmar o tom político-social de “Pequenos burgueses”.

Não creio, entretanto, que a realidade de hoje tenha semelhança com a daquela época. Hoje, o que espanta a esquerda é ver a direita, ou melhor, a centro-direita no poder, depois que ela dominou politicamente o país por quase 14 anos, e a centro-direita perceber que não é fácil governar com alternativas direitistas, num regime plenamente democrático, com instituições funcionando, embora nem sempre de maneira razoável. Creio que a situação atual necessita de textos atuais, escritos agora, que discutam cenicamente a batalha eleitoral que será travada em breve. 

ÀS SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SEÇÃO “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PEÇAS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960 E 1990 E COMO SERIA A REAÇÃO DO PÚBLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS.

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)