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Estado de Minas ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

Mortes por desespero podem ser o futuro das crianças expostas ao trabalho

Busca por drogas, álcool e suicídio acontece quando a sociedade falha em prover, para parte de seus integrantes, estrutura para que possam viver dignamente


15/06/2021 06:00 - atualizado 17/06/2021 16:09

(foto: Pixabay )
(foto: Pixabay )
O ambiente e seus estímulos são determinantes para o desempenho das habilidades inatas das crianças e jovens. Nesse sentido, a resposta ao tipo de estímulo que o ambiente provoca sobre as condições cognitivas e emocionais das crianças e jovens está diretamente relacionada aos adultos que os cercam. A pandemia da COVID-19 acentuou a preocupação com crianças e jovens em geral, mas sobretudo com aqueles expostos a maior vulnerabilidade socioeconômica. Dados recém divulgados sobre o trabalho infantil reforçam essa afirmativa.
2021 é o Ano Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil e no último sábado, 12/6, comemorou-se o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. Dois dias antes dessa data, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgaram o relatório Trabalho Infantil: Estimativas Globais 2020, tendências e o caminho a seguir (original em inglês, Child Labour: Global estimates 2020, trends and road forward). 

Leia também: As exportações que mascaram a produção e o (des)emprego

Dentre o extenso trabalho estatístico, alguns resultados chamam atenção e despertam, para além do sentimento de pesar em relação ao retrocesso no combate ao trabalho infantil, preocupação e temor para a atual geração de crianças e jovens, sobretudo residentes em países com baixa e média renda per capita. Apresento, a seguir, três aspectos do relatório que considero mais relevantes do ponto de vista de bem-estar social.

O primeiro diz respeito às evidências sobre os atingidos por esse retrocesso. Em 2000, 245,6 milhões de crianças e jovens, entre 5 e 17 anos de idade, exerciam algum tipo de trabalho; em 2012, esse número havia caído para 168 milhões e, em 2016, alcançado 151,6 milhões. Em suma, em um período de 16 anos, 94 milhões de crianças e jovens haviam deixado de trabalhar.

Lamentavelmente, em 2020 esse número voltou a subir, chegando a 160 milhões, incrementado exclusivamente pelo ingresso de crianças entre 5 e 11 anos de idade nas atividades laborais, enquanto a faixa etária de 12 a 17 anos manteve-se em queda. 

O segundo aspecto são as estimativas para o final de 2022: em cenário de continuidade da situação vivenciada até o presente, sem medidas que mitiguem esse retrocesso, o relatório estima incremento de mais 8,9 milhões de crianças e jovens em atividades laborais; no entanto, caso haja medidas de proteção social, esse cenário voltaria à tendência vivida até 2016 e retiraria 15,1 milhões do trabalho; por último, no cenário mais pessimista, cujas medidas de austeridade fiscal afetariam negativamente as proteções sociais, chegar-se-ia a 206,2 milhões de crianças e jovens trabalhando.

O último aspecto que destaco é a estimativa de que mais de um terço das crianças que trabalhavam não estavam na escola, embora as meninas viessem apresentando queda mais acentuada na participação no trabalho comparativamente aos meninos. Adicionalmente, o Unicef estimou que mais de 130 milhões de meninas estavam fora da escola antes da pandemia do COVID-19 e que cerca de 11 milhões delas não deveriam voltar às aulas após a pandemia. 

Estudo conjunto realizado pelo Citi Global Insights e Plan International - respectivamente, o internacional banco Citi  e a organização humanitária independente com foco nos direitos das crianças e na luta pela igualdade para as meninas -, produziu o relatório The case for holistic investment in girls – improving lives, realizing potential, beneffiting everyone (O caso do investimento holístico nas meninas – aprimorando vidas, realizando potencial, beneficiando todos).

O estudo estimou que investimento equivalente a 1,53 dólar por dia para cada menina residente em economias emergentes seria suficiente para que todas terminassem o ensino secundário e gerassem um impacto de 10% no aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de seu país. A cada 1,50 gasto, gerar-se-iam 2,8 dólares de retorno. Em suma, o estudo traz boas pistas sobre o retorno do investimento na educação das crianças, mais especificamente das meninas, no bem-estar social e econômico.

A situação de desamparo não pode e não deve prevalecer em nenhuma sociedade, por mais que os sinais apontem nessa direção. Deaths of despair (Mortes por desespero) foi considerado Business Book of the Year 2020 nos Estados Unidos e sua leitura é um desalento sobre a trajetória recente do capitalismo naquele país.

Embora os autores, Anne Case e Angus Deaton - este último laureado a Nobel de Economia em 2015, defendam que o futuro do capitalismo deva ser de esperança e não de desespero, o livro traz sinais pouco convincentes de como esse quadro poderia ser revertido. Fiquei tão fascinada pelo livro que li suas cerca de 250 páginas em uma sentada!

Deaths of despair relata histórias não só de mortes, mas de dor, adicção, alcoolismo e suicídio, bem como de vidas que têm sido deixadas à margem, perdendo suas estruturas e significâncias.
 
A situação se agrava para aqueles com mais baixos níveis de escolaridade – o estudo distingue pessoas com e sem nível superior, brancos e negros, americanos, africanos e hispânicos -, mas destaca como entre adultos americanos brancos sem bacharelado, entre 45 e 54 anos de idade, a mortalidade por drogas, álcool e suicídio vem crescendo vertiginosamente de 1990 até 2017, sobretudo após a Grande Depressão de 2008. Queda dos salários médios reais e do emprego, desde 1990, para os grupos etários de 24 a 54 anos de idade sem nível superior de escolaridade, vem acompanhada de desespero e subterfúgio através das “vias anestésicas”. 

Busca por drogas, álcool, opioides e suicídio acontece, em certa medida, quando a sociedade falha em prover para parte de seus integrantes a estrutura na qual eles possam viver dignamente, privando suas vidas de sentido e propósito.

Se os adultos brancos americanos com escolaridade mais baixa vivem situação de desalento e têm buscado o consumo de opioides, álcool e o ato de suicídio como saída para anestesiar o desalento, o que podemos dizer das quase 200 milhões de crianças e jovens que certamente engrossarão o coro da reprodução intergeracional da pobreza pelo mundo afora? Até o momento, as indústrias farmacêuticas e seus stakeholders têm sido grandes beneficiários das drogas que produzem. À sociedade tem cabido somente a fatia do profundo adoecimento.

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