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Estado de Minas padecendo

Feminicídio: Parem de nos matar

Entendeu que a culpa que ela vinha carregando pelo fim do relacionamento não lhe cabia. Se sentiu mais forte para seguir. Mas ainda estava sozinha


(foto: depositphotos)
(foto: depositphotos)


Ainda deitada naquele chão frio, abandonada, não se movia. Podia sentir o movimento da sua respiração. Sentia o coração bater. Olhos abertos, observava tudo ao seu redor. Ele não estava mais lá. Mas ela não queria se mover. Estava paralisada. Ainda podia sentir aquele pé pisando no seu pescoço. Impedindo que o ar entrasse.

Permaneceu deitada por uma eternidade. A garganta ainda doía. Recuperara as forças, mas faltava vontade para se mexer. O coração não parava. Podia respirar. Estava viva. Recuperou o fôlego, fechou os olhos. Ficou só sentindo o ar entrando e saindo dos pulmões. Ele não conseguiu cumprir o prometido. Ela estava viva.

As ameaças haviam começado no fim do relacionamento. Ele não aceitava o que havia acontecido. Telefonava gritando: “Eu vou te matar”.

Aquela não era a primeira vez que sentia medo de homem. Quando foi que começou a sentir? Deitada no chão, voltou no tempo. Sempre teve medo de homem.

Medo de encontrar um homem enquanto caminhava numa rua deserta, de dia ou de noite. Medo de encontrar um homem numa caminhada numa praia, no ponto de ônibus à noite. No metrô lotado. Medo de pegar carona com um amigo. Medo voltar de Uber para casa, à noite, depois de ter bebido com as amigas.

Medo do que podiam colocar na sua bebida quando não estivesse olhando. Medo de assédio no trabalho. Medo de beber demais no réveillon, e ser estuprada pelo próprio parceiro. Medo de sentar-se no colo daquele tio quando era criança.

Era assim com todas as mulheres que conhecia. Todas aprenderam, desde muito cedo, a temer os homens.

O medo sempre esteve ali. Ela fez tudo apesar dele. Sentiu que sempre teve coragem e se levantou. Ainda atordoada tentou entender o motivo de tanta violência.

Ele apareceu na festa dos amigos dela sem ser convidado. Quando a encontrou sozinha na cozinha, a empurrou com força, ela caiu no chão, ele empurrou novamente e depois pisou em seu pescoço. Não teve tempo de reagir, foi pega de surpresa.

Ele era covarde, ela não era. Ele era tão desprezível que precisava usar a violência para se sentir superior. A masculinidade frágil. O ego ferido. A resposta violenta. Aquilo o tornava ainda menor, era minúsculo agora. Homem frágil. Abalado. Intimidado por uma mulher que o fazia enxergar toda a insignificância da sua existência.

Naquele momento ela entendeu que não estava errada, que não merecia ser tratada daquela maneira. Entendeu que a culpa que ela vinha carregando pelo fim do relacionamento não lhe cabia. Se sentiu mais forte para seguir. Mas ainda estava sozinha. Sozinha como todas as outras.

A que foi morta depois de denunciar o ex-companheiro.

A que foi morta depois de ter o processo arquivado pelo juiz.

A que foi morta porque não deu a senha do próprio celular para o marido.

A que foi morta porque temia a alienação parental e não tratou o pai dos seus filhos como bandido.

A que teve coragem de denunciar, mas foi responsabilizada pelo próprio estupro.

A que renunciou à escolta porque achou que o perigo havia passado e foi esfaqueada pelo ex.

Homens são nosso maior temor, ao mesmo tempo, quase toda mulher também aprende que precisa de um homem ao seu lado para protegê-la. Incoerências de uma sociedade patriarcal. O homem que protege de um homem que agride. O protetor que se torna o agressor.

A sociedade falha conosco. As leis falham conosco.

Chega de feminicídio! Parem de nos matar!


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