Secagem na fazenda Caxambu e Aracaçu, em Três Pontas, que planta 11 variedades -  (crédito: Fazenda Caxambu e Aracaçu/Divulgação)

Secagem na fazenda Caxambu e Aracaçu, em Três Pontas, que planta 11 variedades

crédito: Fazenda Caxambu e Aracaçu/Divulgação

Maior produtor e exportador de café do mundo, o Brasil tem ganhado tração em um novo segmento da cafeicultura: com cultivo e manejo de alta qualidade, os grãos podem ser elevados à classificação de “cafés especiais”. Um segmento que já pode representar 13% da safra no país em 2024 – estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 58,08 milhões de sacas, produção que é cerca de 5,5% maior do que em 2023.


Historicamente, Minas Gerais se destaca como o maior cultivador do país, e deve concentrar quase 50% da produção estimada para este ano. Dentro do próprio estado, o destaque fica por conta das regiões Sul e Centro-Oeste, que juntas podem produzir 14,9 milhões de sacas – um crescimento de 10,5% em relação ao ano passado, de acordo com a Conab.


Com tanta tradição no setor, o estado também tem se consolidado como o principal produtor de cafés especiais. A equipe do EM visitou cafezais no Sul de Minas para conhecer esse cultivo diferenciado, cuja produção nacional é estimada em 8 milhões de sacas pela presidente da Brazilian Special Coffee Association, Carmém Lúcia Chaves de Brito.


Para um café ser considerado especial, deve passar por uma avaliação de provadores certificados e atingir no mínimo 80 pontos, de um total de 100, na metodologia de Avaliação Sensorial da Specialty Coffee Association. Para a nota, o provador leva em consideração características, como “aroma”, “ausência de defeitos”, “doçura”, “acidez” e “harmonia”.


Carmém Lúcia explica que a maioria da produção do segmento ainda se destina ao mercado externo, mas que nos últimos oito anos, o perfil do consumidor nacional começou a mudar. “O perfil de consumo do Brasil mudou não apenas para o café, mas para tudo. Tinha-se a ideia de que o café era ‘coisa de velho’, e eu cresci com isso e ainda assisti, já quando estava à frente dos negócios. De repente, essa chave virou para o Brasil, começou um movimento muito forte de ‘coffee lovers’ e o crescimento de cafeterias montadas para a diferenciação, com todo esse charme”, disse.

 


A oportunidade de se diferenciar

A empresária é proprietária da Fazenda Caxambu e Aracaçu, há 17 anos, quando junto de seus irmãos, Denise e Paulo Fernando, assumiu o negócio da família após a morte do pai – a terceira geração de cafeicultores dos Chaves de Brito na zona rural de Três Pontas, no Sul de Minas. Ela explica que viu uma nova oportunidade no segmento no momento em que o café “commodity” passava por uma crise severa.


“O setor vinha de anos se arrastando. Eu cheguei em uma condição financeira delicada na fazenda e, para ficar no universo das commodities, seria muito difícil dar certo. Falei: ‘Vamos agregar valor ao negócio’, e a proposta era partir para o segmento dos especiais. Vi que ali tinha um futuro incrível nos convidando, impulsionando para algo inovador. Na verdade, na questão do café especial, você não olha exclusivamente para o consumo e produção, mas agrega valor a seu produto”, frisou a empresária.


A fazenda dos Chaves de Brito planta 220 hectares de café, quase 100% arábica, um dos dois tipos de cafés predominantes no Brasil, ao lado do conilon. Ao todo, a fazenda matém 11 variedades plantadas: Bourbon, Arara, Topázio, Rubi, Icatu, Catucai, Catuaí-amarelo, Catuaí-vermelho, Mundo Novo, Acaiá e Catiguá, cada uma gerando uma bebida com características diferentes.


O cultivo rende em média 9 mil sacas ao ano, com uma renda de aproximadamente R$ 7 milhões. Cármen Lúcia estima que pelo menos 64% da produção seja exportada, seguindo uma tendência ainda predominante no mercado. Os principais destinos do produto são o continente Asiático, em especial o Japão e a Coreia do Sul, mas também a Europa, os Estados Unidos e a Austrália.


Longa jornada do plantio à xícara

Na propriedade de Cármen Lúcia, o café passa por uma série de processos que, entre o plantio e o produto final, consome mais de um ano. Na fazenda, a nova safra chega agora no fim de maio. A fruta vai passar por um maquinário chamado de "via úmida" em que é possível separar os grãos mais verdes dos maduros e até descascar e fermentar, dependendo dos objetivos. Em seguida, o produto é levado a um pátio para secagem, de 30 a 35 dias.


Segundo a empresária, o investimento em cafés especiais também se deu pela necessidade de criar um portfólio sensorial único, o que permite agregar valoe ao produto final. Com negociações mais diretas com os clientes, ela explica que o próprio consumidor tem visitado a fazenda para conhecer os processos antes de adquirir seu pacote.


“O universo dos especiais é um pouco mais descolado (do mercado). É claro que tem como base bolsa, o dólar, condições naturais. Mas é descolado, porque na verdade o preço desse café está atrelado a quanto de valor se consegue fazer com que o cliente perceba. É uma negociação mais direta, é a gente que dá preço. Obviamente se tem um investimento que acaba subindo o custo, mas nada que inviabilize a produção. Na verdade, você vai se aproximando dos clientes que, quando te conhecem, querem ver como a fazenda trabalha.”


Qualidade no país e para exportar


Na Fazenda Santa Quitéria, em Cambuquira, também no Sul de Minas, a cerca de uma hora de distância de Três Pontas, a administradora Sylvia Morais de Sousa Tinoco conta que o modelo de negociação direta dá mais margem para o produtor. “Todos os lotes da fazenda são provados e pontuados. Conhecer o seu produto dá poder de negociação frente às cafeterias”, afirma.


O empreendimento da família é um dos 15 primeiros do Brasil certificados para vender ao Starbucks, gigante do mercado de cafeterias. Atualmente a fazenda produz entre 2 mil e 4 mil sacas de café especial, de acordo com o aspecto de bienalidade – alternância anual de altas e baixas produtividades –, provenientes de 50 hectares de plantação. As variedades são Bourbon-amarelo, Catuaí-vermelho, Rubi, Mundo Novo e Acaiá.


Apesar de a produção também ser muito exportada, Sylvia afirma que a família faz questão de vender o mesmo produto para o mercado externo e interno. “Isso é uma coisa de que o meu pai sempre fez muita questão: parar um pouco com essa coisa de mandar o bom para fora e servir o ruim aqui. O mesmo café que vão tomar na Alemanha, por exemplo, tem que ser tomado no Brasil”, ressalta.


Equilibrar custos é o grande desafio

Por outro lado, o segmento ainda conta com custos de produção altos a cada saca, variando entre R$ 500 até R$ 1 mil, de acordo com as condições do cultivo. Para a proprietária Ivanyse Borges de Carvalho, da Fazenda Catiguá, também em Cambuquira, essa é uma das principais dificuldades de empreender com cafés especiais. Segundo ela, o conhecimento do custo é importante para negociar com “mais tranquilidade” e permitir que o produto se pague.


Ivanyse planta em aproximadamente 65 hectares, produzindo uma média anual de 2 mil sacas em uma região que os produtores identificam como o lado mineiro da Serra da Mantiqueira. Segundo a cafeicultora, seu custo na última safra chegou a R$ 750, enquanto o café commodity estava sendo vendido a R$ 1 mil, o que permite uma base maior na negociação. “Estamos em uma época boa, mas tem épocas que fica quase igual. Então, tem épocas que se movimenta muito dinheiro, mas o ganho é bem pouco. O segredo é saber o custo e equilibrar para não ter prejuízo”, explicou.


Em Santa Quitéria e na Fazenda Caxambu e Aracaçu, as produtoras também reconhecem o alto custo de produção. Cármen Lúcia estima que cada saca também gire em torno de R$ 750, enquanto Sylvia Morais estima algo na casa dos R$ 600. “A dificuldade do produtor é balancear o custo com a flutuação do mercado. Por exemplo, semana passada teve uma alta, mas de repente o negócio cai, então é preciso ter esse manejo de custo”, destaca Sylvia.


Tradição familiar servida à mesa

 

Carmem Lúcia, Sylvia e Ivanyse têm em comum mais do que o apreço pelo cultivo de cafés especiais. As três seguem a tradição da família e administram um negócio de décadas, até séculos. Característica marcante do setor, a agricultura familiar é um dos pilares da produção de alta qualidade em um tipo de cafeicultura que, segundo a presidente da BSCA, a cada dia conta com mais mulheres.


A Fazenda Caxambu e Aracaçu passou a ser administrada por Carmem Lúcia, conhecida no setor como Ucha, quando o patriarca faleceu e os irmãos decidiram continuar o legado. Depois de quase duas décadas na produção de cafés especiais, ela conta que viu o movimento feminino crescer dentro do setor desde o início, quando o perfil de consumo no Brasil começou a mudar.


“A mulher chega com essa sensibilidade e com essa vontade de fazer parte do processo. Em vez de assumir o setor produtivo onde os homens estavam muito bem assentados, elas começam a tomar conta da gestão, organização e profissionalização dentro das fazendas. São mulheres que fazem parte de famílias donas de fazendas e com o histórico de sucessões já de anos, e que começaram a entender que era possível caminhar ao lado desses homens”, descreve a agricultora.


Sylvia se prepara para assumir o negócio da mãe, Simone Carneiro de Moraes Sousa, junto do marido, Carlos Fasane Tinoco, avaliador profissional de café. Ela é da quinta geração da família em uma fazenda fundada em 1889, sendo que a quarta geração administra o local há mais de 20 anos. “Minha mãe já vem trabalhando há vários anos, é uma apaixonada por café. E agora a gente vem seguindo o negócio”, disse.


Já Ivanyse é filha única de um casal que iniciou o plantio de café em 1974. Advogada e ex-servidora do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ela decidiu pedir exoneração para continuar o legado do pai e da mãe, com 83 e 75 anos, respectivamente. Certificada como avaliadora pelo Coffee Quality Institute, ela conta que agora os filhos passaram a se interessar pelo segmento. “Eles mesmo torram (o café) e me ajudam. Essa geração é bastante tecnológica, com gráficos e tudo controlado, é importante para eles continuarem no negócio”, projeta.

 

Preço diferenciado

Em termos monetários, o preço de um pacote de 250g de café especial é estabelecido de acordo com a variedade, levando em consideração a complexidade da produção. Alguns tipos demoram meses para ficar prontos para o consumo, mantendo o padrão de qualidade esperado por avaliadores, e podem
custar até R$ 44,90.

 

Diferença na balança


Levando em consideração a produção total de café, em 2023 o país exportou cerca de 71% da safra – 55 milhões de sacas –, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil. Em receita cambial, as exportações ultrapassaram os 8 bilhões de dólares (US$ 8.047.422.057,57). Nos primeiros três meses de 2024, já foram exportadas 11,9 milhões de sacas – US$ 2,4 bilhões em reservas.


*O repórter viajou a convite do Governo de Minas, por meio da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemge), Sebrae Minas e UniBH