O porco piau faz parte da agricultura familiar, subsistência, renda de comunidades indígenas, e assistidos pela reforma agrária -  (crédito: Nepsui/UFMG)

O porco piau faz parte da agricultura familiar, subsistência, renda de comunidades indígenas, e assistidos pela reforma agrária

crédito: Nepsui/UFMG

O porco piau (porcp caipira) é reconhecido como a primeira raça suína nativa do Brasil. Sua cadeia produtiva faz parte da agricultura familiar, subsistência, renda de comunidades indígenas, entre tradicionais e assentados de reforma agrária, também atendendo às demandas e nichos específicos do mercado nacional de carnes. Apesar da relevância, o Piau, geneticamente puro, corre risco de desaparecer em razão dos inúmeros cruzamentos com outras raças.


A coordenadora estadual de pequenos animais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), Márcia Portugal, explica que a raça é rentável para a agricultura familiar. “É um animal de manejo mais fácil e que é criado solto em pequenas e médias propriedades. Tem baixo custo de produção, se adapta melhor, tem boa produtividade e importância gastronômica”, pontuou.


Para o produtor rural Ricardo Lelis, de Canaã, na Zona da Mata, o piau está intrínseco à tradição e à subsistência. “É um porco que produz tanto carne quanto gordura. Eu já criava porco caipira desde novo. Meus avós e meu pai criavam e a gente se acostumou a guardar a banha e a carne de lata. Ao longo do tempo fomos perdendo esse costume porque o óleo de soja veio para para complementar. Entretanto, com isso, a população rural foi deixando o porco de banha e a carne da lata de lado”, contou.


Ricardo tem a criação como forma de complementação de renda e também para alimentação, mas tem planos para expandir o faturamento em parceria com o município. “A gente quer vender a carne para merenda escolar no município, por ser de boa qualidade e os porcos são criados soltos, em pastos. Não possuem essa química igual os porcos confinados têm de ração todo dia e um monte de produto químico e remédio”, explicou o produtor rural.


Os planos de Ricardo não estão distantes da realidade. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) trabalha com a valorização e conservação de porcos piau há 12 anos por meio do Núcleo de Estudos em Produção de Suínos (Nepsui/UFMG), em Montes Claros, Região Norte do estado.


O coordenador do projeto de extensão e do Nepsui, professor Bruno Alexander Silva, explica que a raça é essencial para a agricultura familiar pois tem baixo custo de criação e alto valor agregado. “O mercado está mudando. O piau, por uma demanda de mercado, está sendo mais consumido em um nicho muito específico, de alto poder aquisitivo, por quem gosta de carnes gourmetizadas e na charcutaria. É uma carne com uma gordura diferente, mais marmorizada”, contou.


“A carne suína é saudável e apresenta todos os constituintes necessários para atender à nutrição infantil: baixo teor de colesterol, baixo teor calórico e níveis proteicos mais altos. Muitos dos produtos que consumimos como hortaliças, entre frutas e legumes, vêm da agricultura familiar. Então, quando esses produtores têm acesso a um animal como esse, eles conseguem atender à demanda”, completou.

 

Preservação

Piau vem do tupi, que significa “o que tem manchas”, fazendo referência à pelagem manchada do porco. Essas manchas, apesar de muito características da raça, não são atestado de qualidade genética. A coordenadora da Emater-MG alerta para a procedência das criações. “É importante saber onde buscar o porco piaui, pois eles têm uma pelagem comum, pintada, mas nem todo porco com essa pelagem é da mesma raça”.


No Brasil, além da UFMG, existem outros dois núcleos de preservação que garantem o controle técnico da raça: a Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata, e o Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), em Brasília.


O pesquisador do núcleo de Aves e Suínos da Embrapa, Elsio Figueiredo, explica que preservar os genes do piau é também uma questão de mercado. “A pureza genética é importante para determinar a procedência do animal. Sem o tamanho e o comportamento, não é possível ter garantia para comercializar”, esclareceu.


Filipe Russo é considerado, pela UFMG e por movimentos sociais em prol da soberania alimentar e agroecologia, o guardião do porco piau em Minas Gerais. Criador destes animais desde 2009, o empreendedor é um dos articuladores do projeto de extensão e atua na prospecção de novos criadores. “A preservação acontece em dois momentos: o gene e a distribuição junto aos produtores”, explicou.


A UFMG também atua na capacitação dos criadores. “Não é porque é um animal caipira que ele deve ser tratado de qualquer forma, existem cuidados e uma alimentação específica que os produtores, muitas vezes, não têm esse conhecimento. Na universidade nós capacitamos os especialistas em piau nesse sentido”.


O papel da Emater-MG

A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais oferece aos produtores suporte técnico no manejo dos porcos caipira. “Os criadores muitas vezes não têm informações sobre a alimentação, vacinação e cuidados com esses animais”, pontuou Márcia Portugal. A distribuição do porco é imprescindível para a preservação da raça, isso porque, segundo Filipe, reduz a consanguinidade dos animais, evitando as falhas genéticas. “Mantemos as características originais da raça por meio de uma rede de parceria com outros criadores, assim conseguimos reoxigenar a genética e evitar a consanguinidade”, contou.


A rede de produtores em que Filipe atua está presente no Norte de Minas, Zona da Mata, Triângulo Mineiro e Região Centro-Oeste. Segundo ele, existe uma “interesse e adesão muito forte” por pequenos produtores dessas regiões na criação da raça. Com uma pequena criação em Goianá, na Zona da Mata, Filipe produz carne na lata - uma carne cozida na própria gordura tradicional, dentro da culinária caipira mineira. De acordo com o criador, o valor agregado do piau chega a 30%. Apesar do sabor e da qualidade, ele ainda enfrenta um grande desafio: a desconfiança com as criações caipiras por parte dos consumidores e dos órgãos de habilitação sanitária. “As pessoas têm preconceito com as criações que não são industriais e acham que o animal é sujo. Assim, acabam não consumindo. Não queremos substituir o porco industrial, pois o piau nos permite trabalhar com produtos artesanais”, afirmou.


Filipe foi até a Assembleia Legislativa de Minas Gerais pedir por visibilidade às criações de piau no estado e agora celebra o avanço do texto no legislativo mineiro. “Precisamos de um maior diálogo entre os espaços de ensino, pesquisa e órgãos de habilitação sanitária. Esse diálogo é importante para sermos tratados de uma forma educativa e não punitiva”, finalizou.


Legislação

O deputado estadual Betão (PT) é autor do Projeto de Lei que reconhece a criação do porco piau como de relevante interesse social e econômico para o estado. O texto, que tramita desde 2022 na ALMG, tem como objetivo promover e incentivar a difusão das práticas historicamente relacionadas à criação e ao consumo da carne e subprodutos da raça em âmbito estadual e nacional.


O parlamentar conta que a demanda surgiu dos produtores rurais. “Uma das pautas que a gente tem desenvolvido no legislativo mineiro é a agricultura familiar e a agroecologia. Nós buscamos aprovar uma lei que ajudasse a fomentar as pesquisas sobre a criação do porco piau para garantir a alimentação, a subsistência das comunidades quilombolas, indígenas e fomentar as pequenas propriedades”.


As criações são incipientes restritas aos pequenos e médios produtores. “O porco piau é uma raça rústica de criação fácil, barata e de grande importância para o segmento. Outros tipos são utilizados pelo agronegócio e grandes propriedades”, pontuou. Apesar do baixo custo de produção, a raça possui um alto valor no mercado gastronômico. “O porco piau tem menos gordura. A carne é mais firme e marmorizada, o que é muito valorizado pela excelência na charcutaria (ramo da indústria alimentar dedicado ao preparo e venda de produtos de carne de porco)”, explicou.


Os municípios de Bocaiúva, no Norte de Minas; Visconde do Rio Branco; Canaã; Goianá; na Zona da Mata mineira, e Corumbá de Goiás, no estado de Goiás, já seguem as diretrizes de valorização da raça por meio de legislações municipais.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira