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Estado de Minas O ANO EM QUE A SECA CHEGOU

Seca na represa de Três Marias castiga moradores e prejudica negócios

Estiagem derruba nível de Três Marias para 10,18% em julho, atrasa plantio de grãos, dizima peixes, castiga o turismo e ameaça suspender a operação da usina em setembro


postado em 25/07/2014 06:00 / atualizado em 25/07/2014 11:57


Três Marias e Morada Nova de Minas – Na memória do brasileiro, o cenário remete vivamente ao solo do sertão nordestino. O chão rachado de tão árido se separa, formando um traçado enrugado, típico do solo que não vê um pingo há meses. Talvez não espantasse tanto se não fosse um lugar por onde a água deveria jorrar. A situação da represa de Três Marias, atualmente com apenas 10% do volume total de água, expõe a agonia dos que dependem dela para trabalhar e sobreviver. Dos gigantes da agricultura e da pecuária às cooperativas de piscicultores e fruticultores, além, é claro, do turismo, o drama se repete, causando prejuízo vultoso e se arrastando estado afora. Mas o São Francisco não é a única bacia prejudicada. O Estado de Minas percorreu milhares de quilômetros para mostrar o drama da seca prolongada de norte a sul do estado, com a insuficiência de água para o abastecimento, as atividades agrícolas e a retração das represas que faz ressurgirem construções seculares.

Alex Leite Gonçalves mostra pivô de irrigação parado por falta de água na Fazenda Santa Helena, em Morada Nova, em Minas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Alex Leite Gonçalves mostra pivô de irrigação parado por falta de água na Fazenda Santa Helena, em Morada Nova, em Minas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
É só navegar pelo Rio São Francisco que é possível ver a diferença do nível da água. A vegetação de décadas atrás, que permanecia submersa desde a criação da represa, na década de 1960, hoje é vista aos montes. Galhos e troncos de árvores com até sete metros de altura cruzam o trajeto dos barcos, que só conseguem navegar bem no que seria o meio da represa, dificultando a travessia. Em certos pontos, a água se afastou da margem mais de 700 metros, criando uma espécie de praia formada de pedras, barro e areia.

Em quase uma dezena de cidades que margeiam a represa, a impossibilidade de captar água forçou muitos agricultores a desligar os sistemas de irrigação, impedindo o cultivo de nova safra até o início de um novo período chuvoso. A estiagem dos últimos meses fez com que a margem do rio se distanciasse de onde estão instalados os aparelhos de captação de água. Com isso, a terra que deveria ser preparada para a safra de milho está ociosa. Apenas em Morada Nova de Minas 2,5 mil dos 4 mil hectares plantados ficarão vazios até o mês que vem.

Veja o vídeo que a reportagem do Estado de Minas fez na represa:


Marcelo Alves do Prado indica onde costumavam ficar suas gaiolas de peixes. Com a seca, é preciso mover a criação até três vezes por semana (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Marcelo Alves do Prado indica onde costumavam ficar suas gaiolas de peixes. Com a seca, é preciso mover a criação até três vezes por semana (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Na fazenda Santa Helena, hoje, só cinco dos nove pivôs de irrigação estão operando. Daqui a 30 dias, só meio estará em funcionamento, irrigando apenas 50, dos 850 hectares. “Em um só pivô fizemos o plantio para a nova safra, mas, mesmo assim, só plantamos até metade da área de alcance, por medo de não conseguir irrigar”, afirma o coordenador administrativo propriedade, Alex Leite Gonçalves. O mesmo se repete em outras propriedades de grande e pequeno porte. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) de Morada Nova de Minas já calcula em R$ 30 milhões o prejuízo com a baixa da represa.
Prova da gravidade da situação na região é que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) ia perfurar cinco poços artesianos em Três Marias, mas as sondas não conseguiram captar água no lençol freático a 145 metros de profundidade. A prefeitura decretou estado de emergência para, com isso, ter o direito de buscar recursos para abastecer a região.

Energia

De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o volume mais baixo da represa, desde que se iniciou a série histórica, em 2000, foi registrado em novembro de 2001, em pleno “apagão”, quando o nível marcado foi de 8,65%. Atualmente, a represa está com 10,18% da capacidade. A diferença é que novembro era o fim do período seco, enquanto, neste ano, ainda faltam pelo menos três meses para o início das chuvas que devem realimentar a barragem. Em julho de 2001, a represa estava com 24,15% do volume total, ou seja, quase o dobro do atual.

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Além de afetar os produtores, a baixa da represa interfere na produção de energia. Só uma bomba funciona em plena capacidade; outra opera parcialmente. Quatro estão desligadas. Segundo informações repassadas pela Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) a prefeitos da região em reunião recente, a usina deve ser totalmente desligada em meados de setembro, com a barragem ficando abaixo de 5% de sua capacidade. Cada bomba é capaz de produzir 66 megawatts, eletricidade suficiente para abastecer 1,1 milhão de pessoas, quase a população somada de Uberlândia e Contagem, segunda e terceira maiores cidades de Minas Gerais.

Peixes perdidos

O efeito para a piscicultura da região, atividade que engloba sete cidades, também é considerável. Um dos produtores já perdeu mais de 100 toneladas de pescado por asfixia, num prejuízo de, aproximadamente, R$ 1,2 milhão. A baixa do volume obriga os produtores a “andar” com as gaiolas rio afora, em busca de áreas mais profundas, o que nem sempre é possível. Marcelo Alves do Prado afirma que, na transferência, há o risco de a gaiola esbarrar em madeiras submersas, permitindo a fuga dos peixes. Semanalmente, ele tem sido obrigado a buscar áreas mais profundas de duas a três vezes. Caso não chova até setembro, ele se diz forçado a “suspender a produção”. Mas, apesar do aumento do custo e dos riscos, o caso nem é o mais grave da região, uma vez que ele ainda consegue captar água. Muitos já desistiram e suspenderam a atividade.

A orientação dos especialistas é que as gaiolas sejam colocadas em locais com pelo menos quatro metros de profundidade, sendo dois além da parte baixa da gaiola. Abaixo disso é indicado que não se coloque alevinos (peixes recém saídos do ovo), devido ao alto risco de perda, principalmente em regiões onde não há fluxo contínuo de água. Muitos produtores têm acatado a orientação, o que impede o crescimento do setor. “Há condição de crescer muito mais. Isso tudo parou, estagnou. O pessoal busca licença, mas não coloca a gaiola na água devido ao alto risco de o volume cair ainda mais e os peixes morrerem”, afirma o técnico agropecuário da Emater-MG em Três Marias, Carlos Augusto de Carvalho.

O risco maior para os piscicultores ainda está por vir. Além da redução do volume nos próximos meses, o aumento de temperatura (acima de 29 graus) pode ser fatal para os peixes, segundo Carvalho. Ele explica ainda que, com o calor, a qualidade da água piora, resultando em falta de oxigenação para os animais. E prevê grande mortandade a partir de setembro. “Se, no calor, há risco de morte, no frio a produtividade é bem menor. O peixe não cresce”, afirma Marcelo.



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