Quase 114 anos depois de o engenheiro Aarão Reis (1853-1936) projetar Belo Horizonte no formato de um tabuleiro de xadrez, o comércio de ruas e avenidas do perímetro interno da Contorno mostra como a economia do hipercentro da capital é uma espécie de moeda com duas faces bem distintas. Enquanto as lojas dos corredores próximos ao Bulevar Arrudas sobrevivem do público de curta renda, as da outra ponta esbanjam fartura. O Estado de Minas percorreu quatro vias – Avenida Olegário Maciel e ruas Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia – e constatou as estratégias dos comerciantes que atendem públicos tão diferentes e situações pitorescas, como a possibilidade de o consumidor conferir a inflação dos tradicionais pastéis da Rua da Bahia, onde o preço da fritura oscila em 420%, de R$ 0,25 a R$ 1,30.
Já na Olegário Maciel, o tipo de moedas na carteira do consumidor revela a divisão socioeconômica. Enquanto clientes de um restaurante vizinho ao terminal rodoviário contam moedas de metal para pagar um PF de R$ 3, os da área nobre fecham boa parte das compras na moeda de plástico (cartões de crédito e débito). Na Rio de Janeiro, os opostos também são evidentes. Numa ponta, produtos são expostos em lojas apertadas. Na outra, as vitrines são refrescadas pelo ar-condicionado. Na São Paulo, o contraste dá as cores. Na parte baixa, há intensa movimentação de pessoas atrás dos produtos de shoppings populares. Na de cima, grifes famosas, restaurantes badalados e salões de beleza requintados, além de uma das áreas mais disputadas para moradia.
Calçadas marcadas por contrastes
O turista que anda pelas partes alta e baixa da Rua São Paulo acredita ter percorrido duas vias distintas. O mesmo ocorre com o visitante que caminhar por toda extensão da Rio de Janeiro. O comércio das alas Sul e Norte de ambos os corredores são marcados por contrastes. Na São Paulo, grifes como Zak, Lenny, Bobstore e Georgia Casa Comigo, ocupam casarões antigos com fachadas bem cuidadas e atendem os gostos de quem tem muito dinheiro para consumir. Na parte baixa, os frequentadores do Shopping Oiapoque e vizinhança também podem ceder aos impulsos das compras.
A loja Deluxe, na Rua São Paulo com Antônio Aleixo, tem decoração minimalista, os vestidos cuidadosamente pendurados e muito espaço livre, um charme ao estilo clean. Aberta há cinco meses, o ponto foi escolhido a dedo pela empresária Raquel Pena: “É privilegiado. Estamos no burburinho de Lourdes”. Umas das peças mais cobiçadas é um vestido, bordado durante 26 dias, que custa R$ 3,25 mil. Dezesseis quarteirões abaixo, entre Guaicurus e Santos Dumont, está a loja Karuza, com infinidade de produtos que povoam o desejo de consumo, mas o que agrada as mulheres, na opinião da funcionária Gisele Aparecida da Rocha, é o chinelo com lacinho, vendido por R$ 13, com um bom volume de negócios – cerca de 25 pares por dia.
Enquanto Raquel oferece para suas clientes café expresso, água gelada e os serviços do manobrista Eduardo Marioto, que conta já ter estacionado todos os modelos imagináveis de Audi, BMW e Mercedes-Benz, Gisele diz que precisa “ficar de olho”, pois não pode confiar nas pessoas que circulam nos arredores, pois, vira e mexe, tentam surrupiar alguma mercadoria. Ao olhar para a contraesquina, a vendedora vê uma faixa anunciando uma caixa com 144 unidades de preservativos por R$ 32 pendurada na parede rosa de um dos muitos prostíbulos da “baixa São Paulo”. As portas estreitas contam com intenso movimento de rapazes em busca de prazer.
O estúdio Mixon Hair se vale da vaidade das mulheres que frequentam o ponto nobre. “Elas são do bairro, de toda a cidade e até de outros estados”, reforça o proprietário Nixon Luiz. Há sete anos e meio na área nobre, ele sente no bolso o peso da valorização da região e recorda que, nos últimos anos, o aluguel subiu de R$ 8 mil para R$ 13 mil. O corte feminino custa R$ 80 e o masculino, R$ 50. O barbeiro Jair Ribeiro, de 80 anos, nunca se imaginou cobrando esses preços. Há 20 anos num corredor que dá acesso a sobrelojas na São Paulo, entre Caetés e Santos Dumont, seu Jair recebe R$ 10 pelo corte e ainda reclama do fraco movimento.
O vice-presidente da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI), José de Felippo Neto, que também é presidente da Rede Net Imóveis, estima que o preço médio do metro quadrado para os imóveis novos em Lourdes e na Savassi é de R$ 8 mil, Próximo à Praça Sete, porém, o valor da mesma metragem cai para cerca de R$ 2,5 mil, nas mesmas ruas. O corretor Antônio de Carvalho da Mota, que trabalha há três décadas com imóveis comerciais no Centro, explica que, nesses casos, o preço varia de acordo com o fluxo de pedestres.
A situação da Rua Rio de Janeiro, onde lojas do mesmo segmento oferecem mercadorias com qualidade e fama bem diferentes e preços completamente distintos, não é diferente. Na parte baixa da Contorno, seu Antônio Augusto Nogueira, de 60, ganha a vida importando e vendendo, no atacado e varejo, sandálias de Nova Serrana, no Centro-Oeste, Hamburgo (RS) e Franca (SP). O produto mais caro, exposto numa tela de frente a um ponto de ônibus do primeiro quarteirão próximo ao leito do Rio Arrudas, sai a R$ 20.
“Estou aqui há dois anos. Emprego uma pessoa”, diz o microempresário, que pintou a fachada da loja recentemente e torce para que a vizinhança siga seu exemplo. “Os imóveis podem ficar mais limpos. O problema é o vandalismo: já pregaram um cartaz na parede externa da loja.” Na ala Sul da via, há outra loja de calçados, mas com preços e público diferentes. Trata-se da Arezzo, que emprega 11 funcionários. Lá, a rasteirinha mais barata sai a R$ 99,90. Já o produto mais caro, uma bolsa de couro, pode ser adquirida por R$ 799. “É um público exigente, com maior informação sobre o produto que deseja”, diz a gerente do estabelecimento, Angélica Almada Arantes.
Perto dali, a clientela da Objeto com Alma, especializada em artigos e presentes, é formada por um público especializado. É a chamada loja destino, na qual a clientela não entra por acaso no ponto de venda: “Não é uma loja de passagem. A pessoa sai de casa para vir aqui”, explica a proprietária, Maria Tereza Fonseca Bittar. Esta característica permite ao comércio dela e a outros, que atende público idêntico, maior segurança. Há portas que permanecem trancadas e somente são abertas depois de o cliente se identificar. (DC e PHL)
Já na Olegário Maciel, o tipo de moedas na carteira do consumidor revela a divisão socioeconômica. Enquanto clientes de um restaurante vizinho ao terminal rodoviário contam moedas de metal para pagar um PF de R$ 3, os da área nobre fecham boa parte das compras na moeda de plástico (cartões de crédito e débito). Na Rio de Janeiro, os opostos também são evidentes. Numa ponta, produtos são expostos em lojas apertadas. Na outra, as vitrines são refrescadas pelo ar-condicionado. Na São Paulo, o contraste dá as cores. Na parte baixa, há intensa movimentação de pessoas atrás dos produtos de shoppings populares. Na de cima, grifes famosas, restaurantes badalados e salões de beleza requintados, além de uma das áreas mais disputadas para moradia.
Calçadas marcadas por contrastes
O turista que anda pelas partes alta e baixa da Rua São Paulo acredita ter percorrido duas vias distintas. O mesmo ocorre com o visitante que caminhar por toda extensão da Rio de Janeiro. O comércio das alas Sul e Norte de ambos os corredores são marcados por contrastes. Na São Paulo, grifes como Zak, Lenny, Bobstore e Georgia Casa Comigo, ocupam casarões antigos com fachadas bem cuidadas e atendem os gostos de quem tem muito dinheiro para consumir. Na parte baixa, os frequentadores do Shopping Oiapoque e vizinhança também podem ceder aos impulsos das compras.
A loja Deluxe, na Rua São Paulo com Antônio Aleixo, tem decoração minimalista, os vestidos cuidadosamente pendurados e muito espaço livre, um charme ao estilo clean. Aberta há cinco meses, o ponto foi escolhido a dedo pela empresária Raquel Pena: “É privilegiado. Estamos no burburinho de Lourdes”. Umas das peças mais cobiçadas é um vestido, bordado durante 26 dias, que custa R$ 3,25 mil. Dezesseis quarteirões abaixo, entre Guaicurus e Santos Dumont, está a loja Karuza, com infinidade de produtos que povoam o desejo de consumo, mas o que agrada as mulheres, na opinião da funcionária Gisele Aparecida da Rocha, é o chinelo com lacinho, vendido por R$ 13, com um bom volume de negócios – cerca de 25 pares por dia.
Enquanto Raquel oferece para suas clientes café expresso, água gelada e os serviços do manobrista Eduardo Marioto, que conta já ter estacionado todos os modelos imagináveis de Audi, BMW e Mercedes-Benz, Gisele diz que precisa “ficar de olho”, pois não pode confiar nas pessoas que circulam nos arredores, pois, vira e mexe, tentam surrupiar alguma mercadoria. Ao olhar para a contraesquina, a vendedora vê uma faixa anunciando uma caixa com 144 unidades de preservativos por R$ 32 pendurada na parede rosa de um dos muitos prostíbulos da “baixa São Paulo”. As portas estreitas contam com intenso movimento de rapazes em busca de prazer.
O estúdio Mixon Hair se vale da vaidade das mulheres que frequentam o ponto nobre. “Elas são do bairro, de toda a cidade e até de outros estados”, reforça o proprietário Nixon Luiz. Há sete anos e meio na área nobre, ele sente no bolso o peso da valorização da região e recorda que, nos últimos anos, o aluguel subiu de R$ 8 mil para R$ 13 mil. O corte feminino custa R$ 80 e o masculino, R$ 50. O barbeiro Jair Ribeiro, de 80 anos, nunca se imaginou cobrando esses preços. Há 20 anos num corredor que dá acesso a sobrelojas na São Paulo, entre Caetés e Santos Dumont, seu Jair recebe R$ 10 pelo corte e ainda reclama do fraco movimento.
O vice-presidente da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI), José de Felippo Neto, que também é presidente da Rede Net Imóveis, estima que o preço médio do metro quadrado para os imóveis novos em Lourdes e na Savassi é de R$ 8 mil, Próximo à Praça Sete, porém, o valor da mesma metragem cai para cerca de R$ 2,5 mil, nas mesmas ruas. O corretor Antônio de Carvalho da Mota, que trabalha há três décadas com imóveis comerciais no Centro, explica que, nesses casos, o preço varia de acordo com o fluxo de pedestres.
A situação da Rua Rio de Janeiro, onde lojas do mesmo segmento oferecem mercadorias com qualidade e fama bem diferentes e preços completamente distintos, não é diferente. Na parte baixa da Contorno, seu Antônio Augusto Nogueira, de 60, ganha a vida importando e vendendo, no atacado e varejo, sandálias de Nova Serrana, no Centro-Oeste, Hamburgo (RS) e Franca (SP). O produto mais caro, exposto numa tela de frente a um ponto de ônibus do primeiro quarteirão próximo ao leito do Rio Arrudas, sai a R$ 20.
“Estou aqui há dois anos. Emprego uma pessoa”, diz o microempresário, que pintou a fachada da loja recentemente e torce para que a vizinhança siga seu exemplo. “Os imóveis podem ficar mais limpos. O problema é o vandalismo: já pregaram um cartaz na parede externa da loja.” Na ala Sul da via, há outra loja de calçados, mas com preços e público diferentes. Trata-se da Arezzo, que emprega 11 funcionários. Lá, a rasteirinha mais barata sai a R$ 99,90. Já o produto mais caro, uma bolsa de couro, pode ser adquirida por R$ 799. “É um público exigente, com maior informação sobre o produto que deseja”, diz a gerente do estabelecimento, Angélica Almada Arantes.
Perto dali, a clientela da Objeto com Alma, especializada em artigos e presentes, é formada por um público especializado. É a chamada loja destino, na qual a clientela não entra por acaso no ponto de venda: “Não é uma loja de passagem. A pessoa sai de casa para vir aqui”, explica a proprietária, Maria Tereza Fonseca Bittar. Esta característica permite ao comércio dela e a outros, que atende público idêntico, maior segurança. Há portas que permanecem trancadas e somente são abertas depois de o cliente se identificar. (DC e PHL)