Eventos como acúmulo anormal de água em inundações são um terreno fértil para a transmissão da leptospirose -  (crédito: Florian Plaucheur/AFP)

Eventos como acúmulo anormal de água em inundações são um terreno fértil para a transmissão da leptospirose

crédito: Florian Plaucheur/AFP

A tragédia com as enchentes no Rio Grande do Sul tem impactos em diferentes situações. Uma das preocupações é com a disseminação de doenças por contato com água contaminada, por exemplo. A Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Gaúcha de Infectologia e a Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, acabam de alertar em nota técnica sobre o perigo da leptospirose, doença infecciosa causada pela bactéria do gênero Leptospira, ocasionada pelo contato com água, solo ou alimentos contaminados pela urina de animais infectados, principalmente ratos.

As entidades recomendam a quimioprofilaxia, com parecer médico, contra a patologia, para indivíduos que foram expostos à água das inundações por muito tempo e para grupos de socorristas e voluntários que também tiveram contato com a água suja. A nota técnica contêm ainda recomendações sobre a maneira mais indicada para proceder com a profilaxia e evitar a doença.

A quimioprofilaxia é uma ferramenta de prevenção em relação a doenças infecciosas que abrange a utilização de remédios a fim de minimizar a probabilidade de infecções em pessoas expostas a agentes infecciosos. A administração de antimicrobianos geralmente não é definida como conduta de rotina, mas o documento pondera que, em situações de alto risco, essa intervenção pode ser levada em consideração.

O Ministério da Saúde, inclusive, é norteado por revisões e publicações científicas, como um guia de tratamento divulgado pela Organização Mundial da Saúde em 2003, que indica a profilaxia com antimicrobianos em ocasiões de grande risco, como está acontecendo no Rio Grande do Sul. A recomendação, dessa forma, é alicerçada em pesquisas que indicam um potencial benefício no uso desses medicamentos em casos assim.

Eventos como acúmulo anormal de água em inundações são um terreno fértil para a transmissão da leptospirose. A doença pode se manifestar inclusive depois que as pessoas puderem voltar às suas casas. Outra medida importante é usar botas e luvas quando o contato com lama ou água suja for inevitável.

As pessoas em situação de alto risco e elegíveis para o uso de medicamentos de emergência estão assim identificadas:

- Equipes de socorristas de resgate e voluntários com exposição prolongada à água de enchente, quando equipamentos de proteção individual não são capazes de prevenir a exposição

- Pessoas expostas à água de enchente por período prolongado com avaliação médica criteriosa dessa exposição

A orientação central sobre o fármaco para a quimioprofilaxia é o antibiótico Doxiciclina. A quantidade recomendada é 200 mg, por via oral, em dose única para quem passou pela exposição de alto risco (duração prolongada), e a mesma dosagem, nesse caso uma vez por semana, para equipes de resgate e socorristas. Para crianças, a dose obedece o peso (4 mg por quilo) por via oral, em dose única, com dose máxima estabelecida de 200 mg. Outra alternativa, que pode ser utilizada nas mesmas condições, é a Azitromicina: 500 mg para adultos (dose única para pessoas em pós exposição de alto risco, ou uma vez por semana enquanto ocorrer a exposição - resgate/socorristas) e 10 mg por quilo para crianças, com dose máxima de 500 mg.

A profilaxia deve ser feita com orientação médica. Mesmo assim, a proteção contra a leptospirose não é absoluta - mesmo quem tomou os remédios pode ficar doente. Gestantes e lactantes não devem utilizar doxiciclina como medida preventiva.

O que é

Doença infecciosa ocasionada por uma bactéria chamada Leptospira, presente na urina de ratos e outros animais, a leptospirose é transmitida aos seres humanos principalmente nas inundações. Bovinos, suínos e cães também podem adoecer e propagar a patologia ao homem.

Sintomas

Entre os sintomas, muitos similares aos que acontecem com a gripe e a dengue, por exemplo, estão febre, calafrios, olhos vermelhos, fadiga, dor de cabeça, dores pelo corpo, essencialmente nas panturrilhas, vômitos, diarreia e tosse. As manifestações mais graves também causam icterícia (coloração amarelada da pele e dos olhos) e requerem cuidados específicos, geralmente com internação hospitalar. O paciente pode ainda ter hemorragias, meningite, insuficiência renal, hepática e respiratória, o que pode até levar à morte.

Como se transmite

Quando a água se acumula sem escoamento, a urina dos ratos, presente em esgotos e bueiros, se mistura à enxurrada e à lama. O indivíduo que entrar em contato com a água ou a lama contaminadas pode ser infectado. As bactérias contidas na água entram no corpo humano pela pele, ainda mais se houver algum arranhão ou ferimento. O contato com água ou lama de esgoto, lagoas ou rios contaminados e terrenos baldios, onde podem estar os roedores, também facilita o contágio. Veterinários e tratadores de animais podem contrair a leptospirose pelo contato com a urina de animais doentes ou convalescentes.

Tratamento

O tratamento decorre com remédios (principalmente antibióticos) e outras medidas de suporte. Os casos mais simples podem ser enfrentados em ambulatório, mas com gravidade a doença demanda internação hospitalar. A automedicação é contraindicada, já que pode agravar o quadro de saúde.

Como prevenir

O controle da leptospirose passa pela adoção de medidas relacionadas ao meio ambiente, como obras de saneamento básico (abastecimento de água, lixo e esgoto), melhorias nas moradias e o combate aos ratos.
Além de evitar o contato com água ou lama de inundações, crianças também não devem nadar ou brincar nessas águas ou em locais onde possam haver roedores. Profissionais que atuam na limpeza de lamas, entulhos e desentupimento de esgoto devem sempre utilizar botas e luvas de borracha (se isto não for possível, usar sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés).

O hipoclorito de sódio a 2,5% (água sanitária) mata as leptospiras e deve ser usado para desinfetar reservatórios de água (um litro de água sanitária para cada 1 mil litros de água do reservatório), lugares e objetos que entraram em contato com água ou lama contaminada (um copo de água sanitária em um balde de 20 litros de água). Na hora de limpar e desinfeccionar locais onde houve enchente recente, é recomendado proteger pés e mãos.

Para evitar o aparecimento de ratos, é importante acondicionar e destinar adequadamente o lixo, além de armazenar alimentos de maneira apropriada. A desinfecção de caixas d’água e sua completa vedação são atitudes de prevenção que devem acontecer periodicamente. Já a desratização é a eliminação direta dos animais a partir do uso de raticidas e precisa ser feita por profissionais capacitados.

A pessoa que tiver febre, dor de cabeça e dores no corpo, pouco tempo após ter tido contato com as águas de enchente ou esgoto, deve procurar imediatamente o centro de saúde mais próximo. Essa é uma doença curável, e o diagnóstico e o tratamento precoces são a melhor forma de enfrentamento. No Brasil, são cerca de 15 mil casos de leptospirose registrados a cada ano.