O futuro político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) começa a ser decidido nesta terça-feira (2/9) pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Os cinco ministros do colegiado iniciam o julgamento da Ação Penal 2.668, que apura a participação de Bolsonaro e de sete aliados da cúpula de seu governo em uma trama para anular o resultado das eleições de 2022 e mantê-lo no poder.
Bolsonaro é o primeiro ex-presidente da história do Brasil a ser julgado por tentativa de golpe. A acusação tem como base investigações conduzidas pela Polícia Federal ao longo de dois anos, centradas sobretudo na delação premiada de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta os crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência ou grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
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O julgamento representa o momento mais crítico para o ex-presidente desde que deixou o Palácio do Planalto. A eventual condenação pode levar não apenas a uma longa pena de reclusão de até 43 anos, mas selar sua inelegibilidade, já imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em outra ação.
Quais sã os outros réus?
Além de Bolsonaro, são réus os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o tenente-coronel Mauro Cid. A exceção é o caso de Ramagem, que, por ser deputado, foi beneficiado com a suspensão de parte das acusações e responde a três dos cinco crimes, conforme prerrogativa prevista na Constituição.
A fase de instrução do processo já foi concluída, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Foram reunidas provas, ouvidas testemunhas de acusação e defesa, realizados interrogatórios dos réus e cumpridas as diligências. No julgamento, os ministros podem decidir pela absolvição, caso entendam que não há provas suficientes, ou pela condenação.
Segundo a denúncia assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet, Bolsonaro teria liderado articulação para deslegitimar o processo eleitoral desde 2021. O plano ganhou contornos mais graves após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022, culminando nos atos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
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Assassinatos
A PGR sustenta que a estratégia do ex-presidente foi além da disseminação de dúvidas sobre a lisura das urnas eletrônicas. Houve previsão de ações radicais, como planos não executados de assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes. Gonet afirma que as ações compõem “uma cadeia de acontecimentos articulados para que, por meio da força ou da sua ameaça, o presidente da República, Jair Bolsonaro, não deixasse o poder, ou a ele retornasse, contrariando o resultado das eleições”.
Os ataques à democracia se intensificaram a partir de 2021, quando Lula recuperou seus direitos políticos. “Foram então postos em prática planos articulados para a manutenção a todo custo do poder do então presidente da República”, argumenta Gonet. “A organização criminosa documentou o seu projeto e, durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens reveladores da marcha da ruptura da ordem democrática”.
A PGR sustenta também que Bolsonaro tinha plena ciência de que não houve fraude nas eleições de 2022. Relatórios das Forças Armadas, concluídos após o primeiro turno, teriam confirmado a lisura do pleito, mas ele teria atuado para que essas conclusões não fossem divulgadas.
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As acusações de fraude eleitoral sustentadas por Bolsonaro durante todo o mandato não encontraram respaldo em nenhuma instância oficial. Ao contrário: a integridade das urnas foi reiteradamente reconhecida por órgãos de fiscalização no Brasil e por observadores internacionais.
A PGR afirma ainda que Bolsonaro recebeu e ajustou, em 6 de dezembro de 2022, uma minuta de decreto que previa novas eleições e a prisão de autoridades, documento este que foi posteriormente apresentado a representantes das Forças Armadas no Palácio da Alvorada.
“Estado de sítio”
Consta também na denúncia um discurso apreendido na sala de Bolsonaro na sede do PL, que detalhava o conteúdo que ele planejava apresentar para justificar sua permanência no poder em um contexto de “estado de sítio”. A PGR também acusa Bolsonaro de estimular acampamentos montados por seus apoiadores em frente aos quartéis-generais como forma de justificar um possível golpe.
O ex-presidente diz que não há provas de que tenha planejado ou conduzido golpe de Estado. Seus advogados pedem a anulação da delação de Mauro Cid, alegando coerção, omissões e contradições no depoimento. Segundo a defesa, não existem documentos que comprovem a intenção de prender ministros ou intervir no TSE, e atos preparatórios, como debates sobre decretos, não configuram crime. A defesa também afirma que Bolsonaro garantiu a transição pacífica do governo e que os artigos do Código Penal citados exigem violência ou grave ameaça, elementos que estariam ausentes em seus discursos e reuniões.
Demais réus
Conforme a acusação da PGR, Braga Netto é apontado como financiador do plano, enquanto Augusto Heleno é citado por ter participado de transmissão online para disseminar notícias falsas sobre o processo eleitoral. O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira é acusado de endossar críticas às urnas e apresentar uma versão do decreto golpista.
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Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, é citado por conivência com os atos de 8 de janeiro e por ter em sua residência uma minuta do decreto. Já Alexandre Ramagem teria instrumentalizado a Abin para descredibilizar o sistema de votação. O almirante Almir Garnier é acusado de ter colocado tropas à disposição do plano golpista, enquanto Mauro Cid é acusado de atuar como porta-voz de Bolsonaro.
O julgamento na Primeira Turma do STF, composta por Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin, terá sessões nos dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro, das 9h às 12h. No dia 12, haverá ainda uma sessão extraordinária à tarde, das 14h às 19h. Além disso, estão previstas sessões ordinárias nos dias 2 e 9, das 14h às 19h.
Na abertura, o presidente da Turma, Cristiano Zanin, passará a palavra a Moraes para a leitura do relatório. Em seguida, o procurador-geral, Paulo Gonet, terá uma hora para se manifestar. As defesas virão logo após, com uma hora cada para sustentação oral. Encerradas as exposições, Moraes apresentará seu voto, seguido pelos demais ministros, na ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Zanin. A decisão será por maioria simples – três dos cinco ministros. Qualquer ministro pode, contudo, solicitar um pedido de vista, que suspende o julgamento por até 90 dias.
Uma eventual condenação não implica prisão automática. O cumprimento da pena só ocorrerá após o esgotamento dos recursos. O primeiro deles são os embargos de declaração, com prazo de cinco dias. Caso a condenação não seja unânime, a defesa pode apresentar ainda os embargos infringentes, recurso que pode levar o caso ao plenário do STF, alongando a tramitação.
Vistoria de veículos
Para o julgamento, o STF definiu um esquema de segurança que inclui inspeções nas casas dos ministros, bloqueio do acesso à Praça dos Três Poderes e a permanência de agentes dentro da sede do tribunal. Cerca de 30 policiais de outras cortes foram destacados para reforçar o efetivo da Polícia Judicial do STF, que ficará alojada em uma estrutura provisória montada no próprio prédio do Supremo. A medida poderá se estender por até dois meses.
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Ontem, o ministro Alexandre de Moraes determinou a ampliação das medidas de monitoramento de Jair Bolsonaro no cumprimento da prisão domiciliar. A determinação se deu nos autos do Inquérito (INQ) 4995. A decisão foi motivada por preocupações da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) e da Procuradoria-Geral da República e autoriza a vistoria de veículos que saem da residência do réu e estabelece a vigilância presencial na área externa do imóvel.
Moraes determinou o monitoramento policial presencial nas áreas externas da casa de Bolsonaro. A decisão foi publicada ontem e a justificativa é dificultar uma eventual fuga. A necessidade de reforçar a fiscalização foi comunicada ao STF pela própria Seape, que em ofício informou que a residência de Bolsonaro, cercada por imóveis contíguos nos fundos e laterais, apresenta “pontos cegos” que dificultam o monitoramento completo.
A PGR confirmou a preocupação, destacando o risco de controle da área externa e a necessidade de que agentes de segurança tenham acesso livre ao local em caso de urgência. Para assegurar a efetividade da medida de prisão domiciliar, o ministro Alexandre determinou que a Polícia Penal do Distrito Federal realizem vistorias em veículos.
Todos os veículos que saírem da residência do ex-presidente poderão ter seus habitáculos e porta-malas vistoriados. As vistorias deverão ser documentadas com informações sobre os veículos, motoristas e passageiros, e os registros enviados à Justiça diariamente.
Será feito também monitoramento presencial. Agentes de segurança deverão realizar monitoramento presencial na área externa da residência, especialmente nas áreas de divisa com os imóveis vizinhos, para cobrir os “pontos cegos” mencionados pela Seape.
Sete de setembro
O STF também terá reforço na segurança desde o início da semana. Além do julgamento, outro evento considerado fonte de tensão é o dia de 7 de setembro, feriado da Independência do Brasil, que cai no domingo. Por motivos de estratégia, nem o STF, nem a polícia detalham quantos agentes foram destacados. Mas o tribunal afirma que será um policiamento ostensivo.
Amanhã, a Polícia Militar do Distrito Federal vai fechar a Praça dos Três Poderes, onde ficam, além do STF, o Congresso e o Palácio do Planalto. Na terça-feira, primeiro dia do julgamento, haverá presença da tropa de choque da PM, do Bope e do Comando de Operações Táticas. Será feita nas imediações uma varredura com os cachorros treinados da polícia.
Além de policiais militares, a segurança será feita também com policiais judiciais, de tribunais de Brasília e também de outros estados. O STF informou que manterá contato direto com a Secretaria de Segurança do DF e que os acessos ao prédio só serão permitidos após inspeção com detector de metais.
“Humilhação”
A decisão de Alexandre de Moraes em colocar policiais penais no quintal da casa de Jair Bolsonaro foi classificada como invasão de privacidade pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ele disse que a medida representa falta de respeito com as mulheres da casa. “Uma humilhação com Michelle, com Laurinha, menor de idade, e com um ex-presidente da República”, criticou. O senador reclamou que o ministro do STF está antecipando o cumprimento da pena. “Alexandre de Moraes inventou uma nova modalidade de regime: o fechado com acompanhantes”, disse.
Aliados apontam “provocação barata”. A afirmação é de Fabio Wajngarten, que foi secretário de Comunicação na gestão Bolsonaro. Ele disse que Moraes tenta desestabilizar e expor o ex-presidente. Wajngarten vê um contrassenso por parte de quem fala em pacificação. O aliado de Bolsonaro declarou que o ex-presidente deverá entrar com recursos e acionar cortes internacionais.
Sanções
Aliados de Jair Bolsonaro nos Estados Unidos avaliam que o julgamento do ex-presidente deve provocar novas sanções de Donald Trump a autoridades brasileiras. Em paralelo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o empresário Paulo Figueiredo, que atuam na ofensiva junto ao governo americano, vão intensificar a pressão para que seja aprovada a proposta que muda o foro especial e também de anistia a alvos do ministro Alexandre de Moraes.
Eduardo e Paulo vão acompanhar o julgamento de Washington, para onde devem viajar na próxima quarta-feira. Ao governo americano, os dois fizeram a avaliação de que Bolsonaro deve ser condenado e que, portanto, não haveria surpresa em relação ao veredito. O próximo relatório a ser levado às autoridades que trabalham com Trump será sobre como cada ministro vai se portar na análise da ação penal.
O governo americano suspendeu a entrada nos EUA de Moraes e outros sete membros do STF. A análise serviria para embasar a aplicação de sanções também financeiras a outros ministros além de Moraes. Para eles, o julgamento com a provável condenação de Bolsonaro pode provocar uma resposta dura dos EUA e acelerará o movimento por uma anistia, uma vez que o veredito seja concretizado.
Esposa de Moraes
Estão no radar dos americanos medidas de restrição do visto de mais autoridades brasileiras e punições financeiras a mais pessoas. Há ainda conversas sobre suspender algumas das 700 exceções dadas pelo governo americano na aplicação de 50% das tarifas a produtos importados do Brasil. Nos EUA, o Departamento do Tesouro já tem reunido documentos ligados à esposa de Moraes, Viviane Barci, para incluí-la no rol de sancionados pela Lei Magnistky, como já feito com o ministro do STF.
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Eduardo disse ao secretário do Tesouro, Scott Bessent, em reunião neste mês, que ela seria o braço financeiro de Moraes e por isso deveria ser sancionada também. Viviane é advogada e tanto o deputado como Figueiredo afirmaram ao governo Trump que a maior parte dos ganhos do casal resultaria da atuação dela num escritório privado.
Na mesma reunião, a dupla passou a percepção de que bancos brasileiros não estariam executando as sanções a Moraes pela Lei Magnistky na totalidade. Outra sanção sobre a mesa do governo americano é uma nova leva de retirada de vistos para os EUA de pessoas que trabalham com Moraes, como juízes, assessores e delegados.
A Lei Magnistky prevê que pode ser incluído no rol de sancionados quem colaborar com as condutas condenadas pelos EUA. A pessoa punida recebe uma sanção da Ofac, Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, que pertence ao Departamento do Tesouro dos EUA. Por meio da decisão, o governo americano determina o congelamento de qualquer bem ou ativo que a pessoa sancionada tenha nos EUA e também pode proibir entidades financeiras americanas de fazerem operações em dólares com ela. A medida incluiria o uso das bandeiras de cartões de crédito Mastercard e Visa, por exemplo. (Com agências)
501 jornalistas
O Supremo Tribunal Federal informou que receberá 501 jornalistas de diversos veículos de imprensa para acompanhar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais réus na Primeira Turma. Além dos profissionais de imprensa, o STF recebeu pedidos de 3.357 pessoas do público para acompanhar alguma das sessões do julgamento nos dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro. O público será acomodado no plenário da Segunda Turma do Supremo, onde foram disponibilizados 150 lugares para esses inscritos. Para o julgamento na sala da Primeira Turma, haverá 80 cadeiras para os jornalistas por ordem de chegada.
