Itamaraty vira alvo da oposição do governo Lula
Dois episódios distintos provocaram comoção pública, mobilização diplomática emergencial e uma onda de críticas capitaneadas por parlamentares
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O Ministério das Relações Exteriores se tornou, nas últimas semanas, o novo foco de desgaste do governo Lula (PT). Dois episódios distintos, a morte da brasileira Juliana Marins na Indonésia e a crise envolvendo prefeitos brasileiros em Israel, provocaram comoção pública, mobilização diplomática emergencial e uma onda de críticas capitaneadas por parlamentares da oposição.
Para aliados do Planalto, trata-se de um uso político da dor. Para críticos do governo, os dois casos revelam omissão, despreparo e seletividade ideológica na atuação do Itamaraty.
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Juliana Marins, de 26 anos, publicitária carioca em mochilão pelo Sudeste Asiático, caiu de uma trilha no Monte Rinjani, o segundo maior vulcão da Indonésia. O corpo foi encontrado após quatro dias de buscas em uma região de difícil acesso. A família denunciou negligência no resgate e passou a cobrar apoio do governo brasileiro para o translado dos restos mortais ao Brasil.
O Itamaraty, em nota oficial, informou que não poderia custear o translado, citando o artigo 257 do Decreto nº 9.199/2017, que veda o uso de recursos públicos para esse fim. A reação foi imediata: críticas da oposição, revolta nas redes sociais e comoção nacional.
A comoção foi acompanhada de um coro oposicionista crescente. "Inacreditável. O governo Lula mandou avião da FAB para resgatar uma corrupta no Peru, mas abandonou uma brasileira morta na Indonésia à própria sorte", escreveu o ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR), em uma publicação nas redes. Nikolas Ferreira (PL-MG), por sua vez, ironizou: "O desgoverno do Lula tem prioridades, e o povo brasileiro não está entre elas".
Carlos Jordy (PL-RJ) e Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) engrossaram o tom, afirmando que o caso revela a hipocrisia de um governo que, segundo eles, atua por conveniência ideológica. Magno Malta (PL-ES), do plenário do Senado, foi ainda mais direto: "Dois pesos, duas medidas. O Brasil abandona os seus e abraça criminosos". O caso Juliana, que já era dor, virou munição política.
Menos de dez dias antes, outro episódio havia colocado o Itamaraty no centro de uma crise. Uma comitiva de 41 autoridades brasileiras, entre prefeitos, secretários municipais e o governador de Rondônia, viajou a Israel para participar da MuniExpo 2025.
A missão incluía compromissos sobre segurança pública, tecnologia e gestão urbana. Com a escalada do conflito entre Irã e Israel, a agenda foi suspensa e os gestores passaram a buscar apoio para deixar o território em segurança. O Ministério das Relações Exteriores divulgou nota informando que a viagem havia ocorrido “a despeito” das recomendações consulares vigentes desde outubro de 2023, que desaconselhavam qualquer deslocamento não essencial ao país.
A nota gerou desconforto entre os participantes. O prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União Brasil), afirmou que não recebeu qualquer ligação do Itamaraty e que o tom do comunicado soava como reprimenda. "Se soubéssemos da guerra, não teríamos ido", disse.
Em nota oficial, a delegação afirmou que diplomatas em Tel Aviv haviam sido previamente informados e questionaram a ausência de advertência formal. "Mais grave ainda é que, em meio a um cenário de guerra, quando autoridades brasileiras, eleitas e em pleno exercício de suas funções, se encontram sob risco e buscam o apoio de seu país, recebam como resposta um comunicado que mais se assemelha a uma reprimenda do que a uma manifestação de solidariedade e proteção".
O episódio foi rapidamente absorvido pela lógica binária das redes: de um lado, a diplomacia fria e técnica; do outro, políticos com celulares sem sinal e a ansiedade de quem quer voltar para casa. Parlamentares de centro e direita criticaram o que chamaram de "falta de tato institucional".
A ausência de uma escuta mais humana, dizem, fortalece a ideia de um Itamaraty burocrático, insensível, movido a notas protocolares que não aquecem ninguém no meio de um conflito armado. Vale relembrar, que a maioria dos prefeitos na viagem, eram do campo bolsonarista, oposição ao governo Lula.
Alvo político
Para o internacionalista César Moraes, os dois episódios se tornaram peças em um tabuleiro político mais amplo. “A crítica da oposição ao Itamaraty não é apenas uma reação isolada, ela faz parte de uma estratégia maior de desgaste do governo federal. Ao transformar um episódio consular em disputa ideológica, tenta-se enfraquecer a autoridade do ministério e colocá-lo como agente político-partidário, quando, na prática, o Itamaraty está apenas cumprindo protocolos internacionais”.
Segundo Moraes, a atuação do Itamaraty nos dois casos seguiu a legalidade. “O ministério tem a função de prestar assistência consular a brasileiros no exterior, o que inclui acompanhar buscas, emitir documentos e oferecer suporte à família mas, por lei, não pode arcar com os custos de repatriação do corpo. É uma diplomacia de apoio, não de indenização”.
No caso de Israel, ele afirma que o desafio era duplo. “Quando autoridades brasileiras são detidas ou em risco no exterior, o papel do Itamaraty é garantir seus direitos legais e prestar assistência consular, mas sem endossar oficialmente a viagem. No caso dos prefeitos, o Itamaraty precisou agir com equilíbrio: proteger os cidadãos, mas reafirmar que não se tratava de missão oficial do Estado brasileiro”.
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Entre o silêncio dos protocolos e o barulho da opinião pública, o Ministério das Relações Exteriores virou também alvo de memes, charges e piadas nas redes sociais, onde o tom de indignação ganhou forma visual.
Em artes que viralizaram, o silêncio do Itamaraty era representado como omissão, burocracia e insensibilidade. Tudo soava absurdo diante da tragédia. Como sintetizou o cientista político César Moraes: “A diplomacia é feita no silêncio, mas hoje ela é cobrada aos gritos. O Itamaraty não pode agir com base em trending topics, mas também não pode ignorar que a política externa virou palco de disputa doméstica. A crise não é só consular, ela é simbólica”.