Bienal Mineira do Livro: com a palavra, a curadoria
Guiomar de Grammont destaca o respeito à diversidade na definição da língua portuguesa
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Siga noGuiomar de Grammont - Especial para o EM
O historiador Roger Chartier, ao prefaciar meu memorial, descreveu minha trajetória profissional como caracterizada pela vontade de compartilhar ideias e beleza com os outros, sem deixar de combater a injustiça, a ignorância e a tirania.
Nas minhas atividades como curadora de eventos literários, o respeito à diversidade étnica e de gênero e à liberdade de expressão sempre foi uma bandeira. Na Bienal Mineira do Livro, o combate ao racismo através da literatura tem lugar na primeira mesa para adultos e teremos a esplêndida Conceição Evaristo na abertura oficial, bem como Kiusam de Oliveira, a cubana Teresa Cárdenas e a esfuziante Elisa Lucinda na programação. Na tarde da próxima segunda-feira, a deputada federal Duda Salabert (PDT) irá participar da Bienal com uma palestra.
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Para mim, é fundamental a construção de pontes literárias entre as culturas que usam a língua portuguesa, sem desprezar as inúmeras outras línguas que as compõem. Por essa razão, uma das principais mesas da Bienal Mineira do Livro é a que celebra o Dia Mundial da Língua Portuguesa, com o angolano Ondjaki, as portuguesas Isabel Milhanas e Luisa Coelho e o compositor Celso Adolfo. O imortal Guimarães Rosa, autor homenageado pela Bienal, terá sua obra abordada em duas mesas com professores da UFMG, PUC e UFOP.
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Belo Horizonte é a cidade da poesia, e essa potente produção dos poetas mineiros será apresentada em três saraus nos finais de semana, com os melhores poetas de Belo Horizonte e também na conversa entre os poetas e editores Carlos Ávila, Ronald Polito, Anelito Oliveira e Antônio Sergio Bueno. As obras de Osman Lins e de Clarice Lispector serão abordadas por Hugo Almeida e Nadia Batella Gotlib, com mediação de Ana Cecilia Carvalho.
Esforcei-me para oferecer uma amostra representativa dos diversos temas que integram a excelente literatura contemporâneafeita em Minas, abordada sobretudo na mesa com Ana Cecilia Carvalho, Luis Giffoni e Carlos Herculano Lopes, mediada por Rogério Faria Tavares, que fará uma homenagem especial aos mineiros Affonso Romano de Sant’Anna e Benito Barreto, falecidos recentemente. Mas a maioria dos autores mineiros mais conhecidos estarão na Bienal, tais como Humberto Werneck, Maria Esther Maciel, Jaime Prado Gouvea, João Batista Melo, Carlos de Britto Mello, José Eduardo Gonçalves, Malluh Praxedes, sem falar nos que escolheram Minas para viver e escrever, como Fabricio Carpinejar. Os desafios da tradução em tempos de Inteligência Artificial serão tratados na conversa entre Jacyntho Lins Brandão, Luciene Guimarães e Maria Cecília Miranda Coelho, mediada por Teo Rennó.
O Instituto Cultural AbraPalavra nos ofereceu uma mesa sobre a Política Nacional Cultura Viva e suas intersecções com o livro, a leitura e a literatura, com Cida Falabella, Camila Amy e Ana Tereza Brandão, mediada por Aline Cântia. Professor de História e deputado estadual pelo PV, Cleiton de Oliveira irá tangenciar o tema em sua fala sobre cultura, livros e literatura em tempos de obscurantismo.
Abordaremos também a arte, a inclusão, a dramaturgia e os desafios e perspectivas da edição de livros, com alguns dos mais importantes editores mineiros da atualidade, que têm uma atuação muito destacada sobretudo na edição artesanal.
A mesa de encerramento, no dia 10 de maio, terá como tema as biografias, coqueluche dos leitores de hoje, com o genial Lira Neto, a mineira Maria Dolores, autora da biografia de Milton Nascimento, e o francês Bruno Meyerfeld, correspondente do Le Monde no Brasil.
No lançamento da Bienal para a imprensa, conheci, emocionada, Felipe Alencar, atual presidente da Câmara Mineira do Livro, filho de Alencar Mayrink, que ocupava essa função em 2007 e 2009, quando fui também curadora desse evento. É uma alegria enorme voltar a fazer a curadoria da Bienal em 2025, com liberdade para convidar muitos dos escritores mineiros que eu leio e admiro. Muitos ficaram de fora desta edição, mas com certeza estarão nas próximas.
Na atualidade, vivemos cada vez mais uma convivência entre os livros e as formas de comunicação baseadas em imagens de assimilação mais rápida e fácil, por vezes, apropriadas com fins de manipulação e controle dos indivíduos. Essa convivência não se dá sem conflito, pois os livros tendem a estimular o senso crítico e a reflexão, perturbando a eficácia das mensagens rápidas, com frequência absorvidas acriticamente. Dessa forma, trabalhar pela formação de leitores, pelo estímulo à criação literária e intelectual e pela produção e circulação de livros é, hoje, mais do que nunca, uma atividade revolucionária. Sempre percebi a curadoria como uma ação política, movida pelo ideal de transformação do mundo através da cultura.
GUIOMAR DE GRAMMONT é escritora e curadora da Bienal Mineira do Livro
Uma árvore para Guimarães Rosa
Leida Reis - Especial para o EM
A forma que o artista plástico Marcos Ajeje, de Tiradentes, encontrou para homenagear Guimarães Rosa foi a construção de uma árvore de madeira de demolição em que frutos são substituídos por livros, e folhas com frases do escritor se desprendem livremente. A obra comporá o espaço da 13ª Bienal Mineira do Livro, no Centerminas, deste sábado até o dia 10, e a programação será realizada na Arena Rosiana, auditórios Riobaldo e Diadorim, espaços Nonada e Sagarana, salas Corpo de Baile e Tutaméia.
De Cordisburgo vem o coordenador do Museu Casa de Guimarães Rosa, Ronaldo Alves de Oliveira, para falar sobre o acervo e as atividades que constantemente lembram o escritor em pleno coração das Gerais. O ilustrador Rubem Filho fará dois painéis (Sertão Mineiro e Ser tão Mineiro) com elementos das obras rosianas, um deles interativo, para participação dos visitantes. O espetáculo “Riobaldo”, do ator Gilson Barros, que percorre o Brasil, entrará em cena.
Nas mesas, autores que se inspiram em Guimarães Rosa e especialistas nas suas obras vão conversar e debater as nuances da riqueza linguística, conceitual e inventiva do autor. Dentre eles os professores Luiz Carlos de Assis Rocha, Henrique Leroy, Simone Guimarães, Paulo Ventura, o cantor Celso Adolfo. Olegário Alfredo e Eda Costa levam seus cordéis, Arautos da Poesia, Denilson Tourinho e AJEB-MG declamam poemas rosianos. Outros estudiosos da obra universal que consagra os Gerais mineiros estarão na programação, que pode ser conferida em bienalmineiradolivro.com.br.
LEIDA REIS é coordenadora cultural e curadora do Eixo Jovem da Bienal Mineira do Livro
Mirem e ouçam o pluriverso rosiano
HENRIQUE LEROY - Especial para o EM
Mirem e ouçam: certa vez, o escritor moçambicano Mia Couto disse que Guimarães Rosa traduz, por meio de sua vasta obra, um Brasil que fala! Poderíamos acrescentar: um Brasil plural que fala! Isso faz todo o sentido! E se faz sentido, nos faz sentir! Nos faz sentir a pluralidade de um Brasil profundo e diverso que fala! Por isso, “Viver é plural!”; “Ler é plural”! Esse será o tema da 13ª Bienal Mineira do Livro deste ano que homenageia, entre os dias 03 e 10 de maio, no Center Minas Expo, em Belo Horizonte- MG, o grande escritor João Guimarães Rosa e, por conseguinte, toda a sua obra!
Uma obra que nos transforma quando, a partir dela, ouvimos a pluralidade deste nosso Brasil profundo – quando ouvimos encantados as crianças do Grupo Miguilim narrando e performando a obra rosiana; quando ouvimos as narradoras Dôra Guimarães e Elisa Almeida interpretando magistralmente contos rosianos diversos; quando escutamos o Brasinha, lá em Cordisburgo – MG, contar os surpreendentes causos sertanejos rosianos; quando assistimos vidrados aos atores Gilson de Barros e Fábio Barbosa se transformarem em personagens rosianos; quando a voz de Fátima Coelho decifra para todos nós os enigmas da cidade de Morro da Garça: o centro geodésico das nossas Minas Gerais; quando lemos atentamente – e em voz alta - os textos rosianos na “Roda de Leitura Guimarães Rosa”; quando ouvimos, por meio das infinitas urdiduras rosianas, as oralituras dos cantos dos vissungos, das Folias de Reis, das Congadas que entoam e performam línguas africanas que estruturaram este nosso português brasileiro ou esta nossa língua brasileira ; quando nos deixamos levar pelas manifestações populares, pelas modas de viola, pelas danças Lundu das comunidades quilombolas do Vão dos Buracos- MG; quando conversamos com a bordadeira Rose da Serra das Araras – MG e aprendemos sobre o controverso Antônio Dó e quando escutamos as músicas dos compositores e cantores Celso Adolfo e Jean Garfunkel ...
Toda essa pluralidade nos faz sentir e pensar com o coração a obra rosiana antes mesmo de compreendê-la com a mente. E é esse Brasil plural das oralituras, das oralidades e das vocalidades que vivenciamos quando nos deixamos levar pela obra de Guimarães Rosa! A partir de sua literatura, Rosa traz um universo em suas pluralidades; um pluriverso! Esse pluriverso rosiano inventará e, ao mesmo tempo, resgatará falares e estórias de um Brasil profundo! Um Brasil que tem muito a nos ensinar por meio de seus redemoinhos linguageiros fecundos! Uma linguagem que foi minuciosamente captada, revigorada, revitalizada e, sobretudo, potencializada a partir dos falares e das oralidades do povo dos Gerais. E quando digo Gerais, não estou falando apenas dos Gerais mineiros, mas também dos Gerais baianos e goianos que também atravessam toda a obra rosiana. De “Magma” (escrito em 1936 e publicado somente em 1997) a “Ave, Palavra” (1970), passando por “Sagarana” (1946), “Corpo de Baile” (1956), “Grande Sertão: veredas” (1956), “Primeiras estórias” (1961), “Tutameia” (1967) e “Estas estórias” (1969), Rosa desafiou, como ninguém, a rigidez da gramática prescritiva lusófona.
Por meio de sua obra, ele nos apresentou a liberdade e a pluralidade de uma língua(gem) brasileira que não se prende à doutrina obsoleta que não faz sentido para aqueles que habitam estes Sertões. E, mais uma vez, se não faz sentido, não os fazem sentir, pois esse conjunto de regras prescritivas inventadas pelo colonizador não consegue refletir a diversidade telúrica que constitui os Gerais. Rosa cria uma linguagem que desafia a colonialidade linguística das gramáticas normativas. Uma linguagem que combate os estigmas e os preconceitos da fala do sertanejo que Rosa tão bem representa em suas obras. A língua portuguesa não dá conta da diversidade dos Gerais de que Rosa tanto fala ao descrever a pluralidade de vida que habita os sertões. Por isso, chamamos para estas linhas o meu conterrâneo da cidade de Esmeraldas – MG; o grande crítico literário, prof. Fábio Lucas, para nos lembrar que “Grande Sertão: veredas” atiça os historiadores a abandonarem o eurocentrismo para buscarem as emoções e as razões do Sertão brasileiro. A partir de criativos e diversos recursos estilísticos, Rosa desafia a própria sintaxe da língua portuguesa. A obra rosiana nos ajuda a desvendar esses becos e labirintos linguageiros de um projeto de Brasil, não somente pelos neologismos, mas também pela quebra da estrutura sintática das frases que não mais obedecem a uma lógica sujeito, verbo e objeto e pelo rico e diversificado léxico que traz muito da língua indígena Tupi e da língua Galega! Rosa costura outra ordem na frase, construindo uma linguagem sertaneja tão esquecida e apagada; a linguagem de um Brasil coloquial profundo que, ao mesmo tempo, dialoga com a erudição do escritor, que falava sete línguas e lia outras tantas. Guimarães Rosa performa linguagens que vão muito além das estruturas sintáticas e que visibilizam os sujeitos dos sertões e suas estórias. Performa linguagens que nos evoca a sentir o sertão com o coração; o sertão que nos faz raciocinar com o coração, a “corazonar”.
Mais do que trazer a influência de vários idiomas por meio de sua linguagem, ele visibiliza a história de vida daquele sertanejo que fala mais do que escreve. Estou certo de que esta 13ª Bienal Mineira do Livro irá democratizar, ainda mais, toda a obra de João Guimarães Rosa não somente para os leitores que já o conhecem mas, sobretudo, para aqueles que ainda não adentraram a sua obra. Esta Bienal será uma potente agência de letramento literário que divulgará a língua(gem) rosiana, traduzindo culturalmente e linguisticamente para todos nós essas lindas e resistentes vivências dos Gerais, essas línguas brasileiras em estado gasoso e de constantes variações, mudanças e travessias transformadoras. Línguas brasileiras que, antes de serem grafadas no papel, são performadas por vozes que reverberam pluralidades diversas! Mirem e ouçam: ler e ouvir Guimarães Rosa é plural! Viva, João Guimarães Rosa! Viva a obra rosiana! Viva a 13ª Bienal Mineira do Livro em todas as suas pluralidades!
HENRIQUE LEROY é doutor em letras e professor da Faculdade de Letras da UFMG
BIENAL MINEIRA DO LIVRO 2025
De hoje (3/5) até 10 de maio.
Centerminas Expo (Avenida Pastor Anselmo Silvestre, 1.495, 4o andar, Bairro União). Atividades diárias a partir das 10h, divididas em três turnos: das 10h às 14h, das 14h às 18h e das 17h às 22h. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia), à venda no site da Bienal Mineira do Livro (bienalmineiradolivro.com.br), onde a programação completa está disponível.