Editorial

Fim da revista vexatória é desafio

Todas as unidades prisionais do país têm 24 meses para abolir a prática – tempo que pode ser insuficiente considerando fatores como agenda polarizada que tende

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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, proibir a revista íntima vexatória em quem visita os que cumprem pena nos presídios brasileiros. Uma ação desumana, invasiva e ofensiva à dignidade humana, na avaliação da Corte e de especialistas, e que se tornou praxe a partir da edição da Resolução nº 1/1999, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Todas as unidades prisionais do país têm 24 meses para abolir a prática – tempo que pode ser insuficiente considerando fatores como a articulação entre poderes para coibir abusos e a agenda polarizada que tende a dominar as próximas eleições, em 2026.


A justificativa para a prática é impedir o repasse de armas e drogas aos presos. O argumento falho, quando a equipe de funcionários dos presídios poderia inspecionar as celas e revisar os detentos. A ação se torna ainda mais descabida diante do que determina a Constituição de 1988 nos artigos 1º e 5º, entre outros, que reforçam os princípios fundamentais da dignidade humana, como o direito à intimidade e à privacidade. Mandamentos da Lei Maior afrontados pela revista íntima vexatória.


Na avaliação da advogada Caroline Neves, especialista em direitos humanos, as revistas íntimas têm como intenção humilhar os parentes dos custodiados. “São realizadas de forma invasiva, com requisito para que pessoas, sobretudo mulheres, adolescentes e crianças, possam visitar seus familiares." Segundo ela, a justificativa de que se tratam de procedimentos de segurança não procede. “Na verdade, têm o objetivo de humilhar e subjugar os parentes, como se fossem uma extensão do 'inimigo’ que o sistema prisional quer combater".


A decisão do STF não impede a revista de visitantes. O procedimento deve ser feito por escâneres corporais, equipamentos de raio X e detectores de metais. A revista corporal não está abolida, mas só poderá ocorrer quando for impossível utilizar os equipamentos de rastreio. Também passarão a ser ilícitas as provas eventualmente encontradas por meio de procedimentos que envolvam a retirada de roupas e a realização de exames invasivos que humilhem os visitantes.


Hoje, o Brasil conta com 1.424 unidades prisionais, que abrigam 662.906 presos, apesar de a capacidade das celas ser de 488.91 pessoas. Há, portanto, um déficit de 174 mil vagas. A população carcerária nacional chega a 888.791 pessoas, entre os que estão em regime fechado e os sentenciados monitorados fora dos presídios. Falta dados, porém, de quantas unidades adotam a revista íntima vexatória – mais um possível obstáculo na mudança de protocolos determinada pelo Supremo. Investimentos em modernização das unidades e em cooperação entre gestores precisam, no mínimo, de um plano de ação estruturado.


Também pode dificultar o processo o atual momento de violência exacerbada que vive o país. O legítimo clamor social por segurança tem fortalecido um movimento a favor do endurecimento de penas aos criminosos – com desdobramentos, obviamente, na rotina das cadeias. Esse descontentamento coletivo exerce ainda forte influência na pauta eleitoral, como vêm mostrando as pesquisas, com toda a polarização que tem dominado o debate e o enfrentamento a temas essenciais para o desenvolvimento do país.


Detentores de cargos políticos e os que almejam tais postos vão concentrar todas suas energias e recursos em busca da disputa eleitoral que se aproxima. Se até agora não providenciaram equipamentos e protocolos menos agressivos no acesso a presídios, não será às vésperas das eleições que cumprirão uma decisão da Alta Corte ou vão garantir um atendimento digno e humano aos que têm parentes ou amigos atrás das grades.

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