Pauta apertada e jogo de empurra
Com um prazo tão curto, beira o surrealismo que a prioridade do Congresso Nacional ainda seja a barganha por mais dinheiro para suas bases
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Siga noOito dias úteis. Com o recesso parlamentar marcado para ter início em 22 de dezembro, o Congresso Nacional trabalha, de fato, somente até o dia 20, uma sexta-feira. O tempo curto, no entanto, parece incompatível com o volume de pautas prioritárias na agenda do Legislativo, a maior parte delas ligada à economia.
Até o fim do ano, a Câmara e o Senado precisam avançar sobre o orçamento para 2025, sobre a reforma tributária e diante do pacote de corte de gastos enviado pelo governo federal. Se o andamento da lista de tarefas cabe à vontade dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a pilha de compromissos tem como pano de fundo a má vontade dos congressistas com o governo, após o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Flávio Dino, dificultar a liberação de emendas parlamentares.
O noticiário de ontem trouxe ainda mais incerteza sobre o cenário da reta final do ano, diante da condição de saúde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É evidente que, neste momento, a prioridade do chefe do Planalto é (e deve ser) a recuperação do hematoma cerebral sofrido, que exigiu uma cirurgia de emergência no Hospital Israelita Albert Einstein. Ainda assim, em um momento de pressão do Congresso contra o Executivo, o governo precisa encontrar meios de superar a conturbada relação com deputados e senadores.
Das três pautas prioritárias, a votação do orçamento de 2025 é inadiável. No entanto, essa análise fica pendente diante das discussões acerca do corte de gastos – como ferramenta de controle da dívida pública a partir de uma economia prevista de cerca de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos – e da nova regulamentação tributária. Na prática, as duas últimas funcionam como condicionantes da primeira.
Com um prazo tão curto, beira o surrealismo que a prioridade do Congresso Nacional ainda seja a barganha por mais dinheiro para suas bases. Como se constatou na última eleição, as emendas foram parte fundamental da manutenção no poder daqueles que já o ocupam. O alto índice de reeleição e a ampla vitória de partidos do chamado Centrão traduziram um cenário já esperado por analistas, mas, ainda assim, comprobatórios do poder que essa parcela do orçamento tem para definir futuros políticos.
O avançar lento da pauta é mais um sinal claro sobre de que lado o Congresso Nacional está na balança do interesse público. Enquanto a população sente os efeitos de mais uma alta da inflação em novembro, a terceira consecutiva, parte dos deputados e senadores continua preocupada com seus futuros políticos e com suas perpetuações no poder.
Aqui, cabe também o papel do governo nesta discussão. Em um país politicamente polarizado como o Brasil, é evidente que há dificuldades de articulação entre Executivo e Legislativo. No entanto, isso não exclui a necessidade de uma melhor interlocução entre as partes. A independência dos poderes, por exemplo, precisa ser respeitada. Neste quesito, pouco ajuda que a decisão sobre o bloqueio das emendas tenha sido assinada, justamente, por Flávio Dino, que até outro dia ocupava o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Neste âmbito, acertou, do ponto de vista político, a Advocacia-Geral da União (AGU) ao solicitar a Dino uma revisão da decisão sobre as emendas. Se está pacificado na sociedade e entre analistas que o pagamento desses recursos precisa de endurecimento, o pedido é um sinal do governo ao Congresso. Dino, no entanto, o rejeitou, alegando que as novas regras “são indispensáveis ao controle do gasto público”.
Se o pedido vai representar algo nos corredores do Congresso ou apenas uma cortina de fumaça, pouco se sabe. Diante da maior parte de opositores, o governo ainda vai ter trabalho para tramitar os textos primordiais para a economia brasileira em um tempo curto de oito dias úteis.
Pelo lado do governo, também há trunfos. Em operação realizada ontem, a Polícia Federal (PF) prendeu 15 pessoas na Bahia, em São Paulo e em Goiás, todas acusadas de integrar uma organização criminosa de fraudes licitatórias e desvio de dinheiro público. A quadrilha desviava recursos de emendas parlamentares e deve ser usada pelo Planalto para pressionar o Congresso junto à opinião pública.