Um dos réus pela morte de Alice Martins Alvesagredida na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, afirmou que está sendo perseguido desde que foi apontado como um dos responsáveis pelo ataque. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, William Gustavo de Jesus, de 20 anos, afirmou que não agrediu a vítima, mas confirmou que foi atrás da mulher trans para cobrar a conta não paga, a pedido do gerente do Bar Rei do Pastel, onde trabalhava na época. Segundo a polícia, Alice, de 32 anos, morreu em 9 de novembro, 17 dias depois de ser atacada ao sair do estabelecimento.

William conta que na noite de 23 de outubro estava trabalhando de garçom quando atendeu a mesa que Alice estava. Em determinado momento, ele relata que foi chamado pelo subgerente da unidade e informado que a cliente tinha o costume de sair sem pagar e, por isso, ele deveria “ficar de olho”. Depois de um tempo, o garçom percebeu que a vítima já tinha ido embora e, ao questionar se ela teria quitado o consumo, recebeu uma negativa.

“Então, o gerente disse que nós teríamos que ir lá fazer a cobrança da conta. O Arthur foi na frente e eu fiquei na loja, porque a gente tem horário para encerrar as mesas que ficam do lado de fora, por conta da fiscalização. Quando o Arthur começou a demorar um pouco, eles me pediram para ir ajudar. Nesse momento, eu peguei a máquina de cartão, fui até lá e, quando cheguei, vi que tinham algumas pessoas e o Arthur e a Alice estavam conversando”, relata.

Ainda segundo o homem, quando ele se aproximou, o colega o perguntou o valor da conta e ele repetiu. William afirma que, apesar de estarem cobrando o pagamento da conta, em nenhum momento os dois bateram na vítima. “Em alguns momentos, a Alice dizia que ia pagar, mas depois dizia o contrário. Enquanto isso, ela afirmava que ia se jogar no chão e quando as pessoas passassem iria falar que estava sendo agredida.”

O ex-garçom explica que chegou a digitar o valor na máquina de cartão em um momento que Alice mexia no celular, mas sempre que a vítima percebia que estava passando alguma testemunha começava a gritar. William afirma que só saiu do local porque foi chamado por um superior para ajudar a fechar algumas comandas. Ele explica que nos dias seguintes trabalhou normalmente e só soube da morte da cliente depois que mandaram uma notícia em um grupo de trabalho.

“Estavam falando que os garçons que agrediram e ela morreu. Nós não a agredimos, não fizemos nada. Nos colocaram em uma situação de uma coisa que a gente não fez (...) Nós ficamos um pouco frustrados por tudo. Até mesmo por divulgarem a nossa imagem. A gente sai na rua com medo de algum linchamento”, desabafou.

Feminicídio

Nesta semana, o 1º Tribunal do Júri Sumariante de Belo Horizonte aceitou a denúncia contra Arthur Caique Benjamin de Souza e William Gustavo de Jesus do Carmo denunciados pela morte de Alice Martins França. Os dois são acusados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por feminicídio qualificado por motivo fútil.

Ao aceitar a denúncia, os homens são considerados réus no processo criminal e poderão, após audiência de instrução, ser julgados pelo Tribunal do Júri da capital. Apesar da decisão, a dupla responderá em liberdade. A defesa dos garçons já apresentou suas alegações e aguarda o andamento do processo.

O que apontou a investigação?

De acordo com a Polícia Civil, Alice foi perseguida e atacada por dois homens na madrugada de 23 de outubro. Durante o registro de ocorrência, em 5 de novembro, ela relatou que não conhecia os suspeitos e identificou um deles apenas como homem, branco, cabelos escuros, usando calça jeans e camisa preta. No entanto, em áudios divulgados à imprensa, uma pessoa afirmava que os envolvidos trabalham no estabelecimento que a vítima estava horas antes.

De acordo com a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a motivação do crime foi mascarada por uma dívida da vítima de R$ 22. No entanto, áudios de uma câmera de segurança e a intensidade das agressões comprovaram que Alice foi espancada por transfobia. A delegada explica que, apesar disso, os homens foram indiciados por feminicídio, pela condição de gênero da vítima.

Os réus, de 20 e 27 anos, trabalhavam no Bar Rei do Pastel no dia dos fatos. As investigações constataram que o mais velho, foi quem atendeu a vítima e comandou a perseguição e o ataque. O homem possui passagem por tentativa de roubo e consumo de drogas. Ele foi demitido pelo estabelecimento, mas ainda fazia trabalhos de freelancer.

“Especialmente o autor mais velho teve uma atuação mais ativa. Ele comandou a ação perpetrada contra a Alice e comandava as agressões de forma mais ativa (...) Em vários momentos, ele se referiu a Alice pelo pronome masculino, e proferindo injúrias masculinas como safado e ladrão. Isso já dava a entender essa motivação transfóbica”, afirmou Iara França.

Na época dos fatos, Alice demorou a procurar a polícia para registrar a ocorrência. Em um primeiro momento, durante o boletim confeccionado em 5 de novembro, a mulher trans afirmou que foi atacada por um homem e o identificou de maneira genérica como: branco, de cabelos pretos, usando camisa e calça escura.

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O que se sabe sobre o crime

  • Alice esteve na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, na noite de 22 de outubro

  • A mulher trans esteve em uma unidade do Bar Rei do Pastel e, por volta de 23h, foi para outra unidade, a poucos metros de distância

  • No segundo bar, ela consumiu bebidas alcoólicas e foi embora, depois de meia-noite, sem pagar a conta de R$ 22

  • Para a Polícia Civil, assim que saiu, em direção à Avenida Getúlio Vargas, Alice foi perseguida por dois funcionários do bar

  • Eles a encurralaram na mesma avenida, próximo à esquina com a Rua Sergipe, e cobraram a conta

  • Uma câmera de segurança gravou o momento em que a mulher afirma que quitou o débito, mas é desacreditada pelos garçons

  • O equipamento de segurança flagrou o momento em que a vítima começou a gritar por socorro, enquanto é ameaçada e agredida pelos homens

  • Alice pediu socorro 12 vezes

  • As agressões continuam por mais de 10 minutos e só param depois que um motoboy interveio ao crime

  • A Polícia Militar e o Samu chegam ao local e levam Alice até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul

  • Na unidade de saúde ela, é medicada e liberada

  • Em 2 de novembro, Alice é novamente levada a um pronto atendimento, onde foram constatadas fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo

  • Em 8 de novembro, em nova internação, Alice é diagnosticada com perfuração no intestino

  • Em 9 de novembro, Alice é submetida a uma cirurgia de emergência e morre por infecção generalizada

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