‘Quem pode fortalece’: barbeiro atende embaixo de viaduto em BH
O empreendedor, conhecido como "Coroa Boladão", acredita que cortar o cabelo e fazer a barba é uma forma de dar uma nova chance às pessoas
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Embaixo do viaduto Francisco Sales, na Região Centro-Sul de BH, um cenário inusitado: barbeadores, tesouras, pincéis, uma poltrona confortável, chão quadriculado, espelhos e até o característico enfeite giratório de listras azul, vermelha e branca. Esses são elementos que compõem a Barbearia Coroa Boladão, apelido de Julio César Vieira da Silva, de 53 anos, dono do negócio. Desde 2020 no local, o barbeiro trabalha sob o lema: “Quem pode fortalece, quem não pode agradece. Chega feio, sai bonito”.
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Julio César não cobra um valor fixo, os clientes pagam o que têm condições, o inegociável é a qualidade do serviço, que vai além do corte. O barbeiro conta que o atendimento, que realiza com um sorriso no rosto, é praticamente uma terapia. Ele gosta de “trocar ideia”, escutar e aconselhar os clientes. O “Coroa Boladão” acredita que cortar o cabelo e fazer a barba é uma forma de dar uma nova chance às pessoas. Ele atende homens que trabalham no entorno do viaduto, pessoas em situação de rua e acolhidos do Albergue Tia Branca, que fica próximo ao elevado.
O barbeiro conta que trabalha dessa forma pelo passado que teve. Julio César é egresso do sistema prisional e ex-adicto. “Eu sei como é, eu estive lá. Como já ‘tive’ no mundo das drogas, já fui chamado infelizmente de ‘noiado desgraçado’, ficava dias e dias fumando crack, fazendo coisas erradas. E para a honra e glória do Senhor Jesus, todo dia, há mais de 10 anos estou vencendo. Estou vivendo. Indo atrás de sonhos”, relata emocionado.
Embaixo do viaduto
Julio César escolheu o viaduto como ponto para seu negócio pela proximidade com o Albergue Tia Branca, onde foi acolhido anos atrás. “Quando resolvi mudar de vida, não tinha lugar para ficar. Comecei a ficar no albergue, também coloquei uma barraca ali na rua para mim. Eu estava de tornozeleira eletrônica, não podia sair daqui, mas também não podia ficar na rua”, relata.
Foi no albergue que ele começou como barbeiro, utilizando prestobarba e um espelho quebrado para realizar os cortes. Em seguida, ganhou o maquinário adequado e foi aperfeiçoando o trabalho. O apelido dele, que dá nome ao empreendimento, é em homenagem a Keko Boladão, mestre de barbearia que teve.
Algumas das vitórias do barbeiro estão expostas na parede do local de trabalho, como os cinco diplomas de formação em cursos de barbearia pendurados. Em uma das colunas do viaduto, um graffiti assinado pelo artista Drones eterniza o ofício exercido pelo “Coroa Boladão”.
Além disso, no mês passado, Julio César comemorou mais uma conquista ao completar 53 anos, idade que ele conta ter em tom de descrença. “Quantos amigos meus não chegaram nem aos 20 (...) Já teve vezes que eu falava ‘Deus, não aguento mais, pode me levar’”, relembra o barbeiro com os olhos marejados.
Hoje em dia, Julio César reconhece e agradece por estar ocupando um espaço na sociedade e na própria vida. “Estou aqui na luta. Estou vivendo, buscando Deus, pedindo força, sabedoria, inteligência para eu aprender a lidar com as pessoas (...) Estou amando isso. Amando trabalhar, interagir com as pessoas”, afirma.
Clientela
Os clientes, que ficam na fila de espera para serem atendidos e voltam para agradecer o “Boladão” pelo impacto que o corte teve, também são exemplos do êxito de Julio César. O barbeiro afirma que as pessoas retornam para contar que o visual repaginado as ajudaram a conseguir emprego e restaurar a autoestima, que muitas vezes é perdida quando a pessoa está em situação de vulnerabilidade social. Às vezes, os clientes também voltam para contribuir com algum valor, caso não tenham conseguido pagar quando foram atendidos.
Jean Carlos, de 32 anos, é cliente da Barbearia Coroa Boladão há dois anos, quando foi acolhido no Albergue Tia Branca. Para ele, Julio César é mais que um barbeiro. “Dá motivação saber que para tudo tem um jeito. Eu sei da onde ele veio, sei das coisas que ele passou, de tudo que aconteceu, ele é um incentivo. Procuro estar sempre conversando com ele, ele sempre dá ideias boas, conselhos bons”, conta Jean.
O cliente, que foi fazer o cabelo e a barba na quarta-feira (4/12), conta que recebeu orientações do barbeiro em um período que estava vivendo uma situação crítica, e, desde então, tem melhorado. “Somou para mim, consegui arrumar um trabalho”, afirma. O mercado de trabalho é uma das razões, além da autoestima, pelas quais Jean gosta de estar com o cabelo cortado e a barba feita. Ele conta que por estar vivendo no albergue enfrenta dificuldades para ser contratado.