FERIADO NACIONAL

Dia da Consciência Negra: lugares para celebrar a cultura em BH

EM apresenta lugares na capital mineira que honram a arte, o sabor e os saberes de uma comunidade que festeja o sentimento de representatividade e pertencimento

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Em Belo Horizonte, a cultura negra pulsa em cada esquina - seja no batuque do samba, nos temperos ancestrais que atravessam gerações ou nas vozes que fortalecem a luta da comunidade. Para marcar o Dia da Consciência Negra, feriado nacional desde 2023, o Estado de Minas reuniu uma seleção especial de espaços onde essa presença se celebra o ano inteiro. São casas que exaltam a arte afro-brasileira e restaurantes que transformam memória em sabor, além de indicações que apontam para a direção da representatividade e do pertencimento. Um convite para viver, conhecer e honrar a potência negra que faz a cidade vibrar.

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Lugar de fala

No Afrogalpão, localizado no bairro Alto Caiçaras, na Região Noroeste, tudo parece começar com um chamado: o de reunir, aquilombar, criar presença. Há um ano e meio, Daniel Raiz abre as portas de um lugar feito para que a comunidade negra se veja, se reconheça e se celebre. “Nossa proposta é valorizar artistas, marcas e produtores negros. O Afrogalpão se inicia pelo déficit de espaços que não tem uma representatividade preta em BH. Ele nasce visando valorizar apenas a comunidade negra e todas as vertentes”, garantiu ele. 

A programação acompanha essa força. A Resenha dos Pretos, carro-chefe da casa, chega uma vez por mês com um tema de resistência e um dresscode que faz o público vestir a paleta da celebração. De quinze em quinze dias, o Samba da Luz resgata, segundo Daniel, os primórdios do ritmo musical. “É cantado no gogó e na palma da mão. Não é microfonado e tem apenas uma luz no meio do galpão. O repertório é exclusivo de samba raiz”, afirmou. 

Pausa cultural

Ainda no Afrogalpão, entre música e afeto, a Biblioteca Negra cresce silenciosamente nas estantes, oferecendo livros de autores e autoras negras de forma gratuita, como quem planta futuro. Às sextas-feiras e sábados, a casa abre os braços para a comunidade, a partir das 20h. Para hoje, especialmente, a celebração se estende numa feira de afroempreendedores, com início às 14h.

Há cerca de 20 minutos dali, escondido entre árvores altas e o silêncio da natureza, o Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado, no parque de mesmo nome, na Pampulha, surge como território de diálogo e pausa. Ali acontecem oficinas, espetáculos, exposições e rodas de conversa. A programação mensal do espaço pode ser consultada no Portal Belo Horizonte. Há ainda uma biblioteca  focada em obras da cultura popular e afrodiaspórica, com títulos variados. Vale a visita de terça a sexta, das 9h às 18h; e aos sábados, das 9h às 17h. 

Território de sabores

No restaurante Território Kitutu de Aquilombamento, no Centro, cada prato é uma viagem - às vezes de Salvador, Montes Claros, e mais ainda do coração da chef Kelma Zenaide, que transforma ingredientes em lembranças saborosas. “Tudo começou com um food truck. Depois de um tempo me tornei especialista em artes conceituais e decidi que precisava de um espaço. As pessoas também gostavam da minha comida, então precisava de um lugar para levar as pessoas, amigos e clientes. Em 2024, abri oficialmente para o público”, relatou ela. 

Casa Mojubá, restaurante que celebra e respeita a cultura e as religiões de matriz africana. Janine Goncalves de Jesus e Thalita Mariana da Silva, socio-proprietárias
Casa Mojubá, restaurante que celebra e respeita a cultura e as religiões de matriz africana. Janine Goncalves de Jesus e Thalita Mariana da Silva, socio-proprietárias Marcos Vieira/EM;D.A Press

Segundo a chef, o funcionamento não é linear e o cardápio é sazonal. “Viajo, trago camarão, polvo, carne de sol. Esses elementos vão entrando na construção. A ideia é abrir sexta, sábado e domingo, mas não é certo, nem sempre consigo, tiro um tempo para descanso, sou eu mesma que faço a comida”, explicou Kelma.  

“Kitutu” significa comida apetitosa - e o território que o nome anuncia é também lugar de segurança e acolhimento. Nas paredes, obras de artistas negros; nas prateleiras, livros de autoria preta; no som ambiente, apenas vozes negras. Na mesa, o prato mais pedido atende por “Denguinho”, é uma moqueca de banana-da-terra acompanhada de arroz com açafrão, feijão-fradinho com pimentão vermelho, farofa de dendê, acaçá e um filé de peixe finalizado com gergelim. 

Também é uma boa pedida o “Benedito”, uma entrada criada em homenagem a Preto Velho, entidade de matriz africana. É feito de carne de lata com alho e alecrim, servida com um “taco” de queijo quente e cachaça com mel. “Uma curiosidade é que, primeiro se come o queijo e quando começar a engolir, dê uma bicada na cachaça com mel e só depois, coma a carne. É uma experiência fantástica”, descreveu ela.

Fé, sabor e liberdade

A Casa Mojubá, no Santa Tereza, Região Leste, nasceu do improvável: de um desemprego, uma pandemia, um medo, mas, sobretudo, de um desejo antigo das sócias Janine Gonçalves e Thalita Mariana. “Em 2020 veio a pandemia e ficamos desempregadas. Veio o desespero do que fazer”, lembrou Janine. Depois de tentarem abrir lojas de celular, elas decidiram caminhar na direção do que realmente as movia: a energia dos bares, a cozinha e a fé que as acompanha desde sempre. 

“Não queríamos um bar padrão, e sim um lugar que falasse sobre nós, nossa fé e raízes. Somos mulheres pretas, de terreiro, lésbicas, periféricas”, afirmou o casal. O nome Mojubá, saudação em Yorubá usada para reverenciar Exu, já anuncia o espírito da casa: respeito, encontro e abertura de caminhos. A decoração reúne símbolos de ancestralidade estampados nas paredes na forma de orixás. “Quando falamos do caminho ancestral, o terreiro automaticamente está no meio. A ideia era se sentir pertencentes e completas”, afirmou Thalita.

Samba do Arco acontece debaixo do Viaduto Santa Tereza
Samba do Arco acontece debaixo do Viaduto Santa Tereza Alice Magalhães

Na cozinha, ela transforma ingredientes sagrados - muitos usados em oferendas - em pratos de celebração. Daí nasceram criações que são assinaturas como, os pasteizinhos de creme de milho com quiabo, o bolinho de feijoada com geleia de pimenta biquinho e a coxinha Odara, feita com feijão-fradinho, camarão e dendê, inspirada na comida de Omolokum, servida para Oxum. A casa funciona às quintas e sextas, de 17h às 00h; e finais de semana a partir de 12h.

Quando a rua vira altar

Debaixo do Viaduto Santa Tereza, o som que ecoa às segundas-feiras não é só música, e sim convocação, cuidado e reverência. O Samba do Arco nasce do desejo de dar ao espaço público o que ele sempre mereceu - cultura gratuita, viva e compartilhada - e de transformar o viaduto em território de encontro para quem muitas vezes é deixado à margem. 

“Queríamos oferecer cultura de qualidade para o belo-horizontino, sobretudo para pessoas da periferia, e trazer conforto para as pessoas em situação de rua, que são ocupantes prioritários daquele espaço”, explicou o cofundador, Bruno Cupertino. A ideia, segundo ele, é convergir todas as tribos em um só lugar, através da música. A roda acontece de quinze em quinze dias, sempre às segundas, mas ganha edições especiais quando as entidades de matriz africana pedem celebração.

No Afrogalpão, uma biblioteca com obras de autores e autoras negros, e gratuita
No Afrogalpão, uma biblioteca com obras de autores e autoras negros, e gratuita Túlio Santos/EM/D.A Press

Para Bruno, que também é cantor e compositor, há algo novo acontecendo em BH. “Vejo um movimento crescente de identidade em relação à cultura negra na cidade. Estamos tendo a coragem de levar esse movimento para a rua”, observou. Sob o mesmo arco também acontece o Duelo de MCs, manifestação artística da cultura hip hop. Ambos são gratuitos e abertos ao público.

História recontada

A jornalista cultural Camila de Ávila endossa a percepção de Bruno. “Tenho percebido que a narrativa decolonial está crescendo muito”, comentou. Ela cita a presença de exposições e peças teatrais em locais como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que historicamente foi considerado eurocêntrico. A mostra "Flávio Cerqueira, um escultor de significados", e o espetáculo “Ruth e Léa” são exemplos.

Nessa toada, valem ser lembrados o Museu dos Brinquedos, que tem programação inteiramente dedicada às crianças nos dias 20, 21 e 22; o Espaço do Conhecimento da UFMG, que promove uma oficina sobre grandes invenções de pessoas pretas e a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, que convida para rodas de conversa, palestras e exposições.

Da mesma forma, Camila não deixa de citar o samba. “A roda de samba para nós pretos é algo muito importante. É uma oração, é um ritual. A gente dança, a gente brinca”, expressou. Nas indicações ela recorda o Samba do Cacá, no Bairro São Paulo, onde nomes como Valdir Gomes, Adriana Araújo e grupo Simplicidade, se apresentam; e o Samba D’Casa, no bairro Jardim Montanhês. “Nesse último, arma-se uma tenda, coloca-se a mesa, tem uma Nossa Senhora Aparecida no centro da mesa junto com São Jorge. Os músicos ficam em torno, e o samba acontece. Uma coisa meio Cacique de Ramos”, destacou.

Do tamanho do sonho

Antes da fama, eram três primos caminhando pela cidade com caixas de bebida nas costas - jogos, carnaval, qualquer evento que garantisse o dia seguinte. “Era vida de luta, correria e muito esforço”, relatou um deles, Herman Willian. Até que um dia, dona Penha, mãe do Herman, plantou a semente e sugeriu a abertura de um bar. Nascia assim o Samba do Angu - tímido e improvisado - e primeiro passo do que hoje é o atual 3 Preto Bar, na Região Noroeste. 

A roda cresceu, o público chegou, e o sonho precisou de mais chão. Houve a mudança para a Avenida Pedro II, onde o 3 Preto encontrou o tamanho do seu próprio passo. Após a saída dos dois primos, o negócio passou para o comando da mãe, Herman e seu filho, Rafael. Há nove anos nos braços da batucada, a famosa “casinha” já recebeu nomes como Vinny Santa-Fé, Leandro Sapucahy, Carlos Caetano, Grupo 100%, Pagode dos Meninos, e o apadrinhamento do Fundo de Quintal. Às sextas e finais de semana, o samba é fixo, e uma quinta-feira por mês a casa pulsa em um refrão interminável.

Delicadeza à sombra da gameleira

À sombra larga de uma gameleira - dessas que protegem quem passa - um grupo de mulheres negras se reúne há décadas. O encontro acontece bem na divisa entre o bairro Santo Antônio e a Vila Estrela, onde também está situado o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu). Mas, antes mesmo do acervo existir, um ritual silencioso, quase secreto, já acontecia ali. Era o Chá da Dona Jovem, simples, suave e delicado. No endereço da Rua Santo Antônio do Monte, número 708, as mulheres rezavam juntas, costuravam fuxico e sonhavam, sobretudo, com a ideia de construir “uma igreja de verdade”.

O barracão de favela, abaixo da grande árvore, onde se reuniam, era frágil e pequeno, mas carregava um pertencimento que vinha de gerações. Em dado momento, nos anos 1980, uma faixa escrita “vende-se” foi pendurada na parede, dando início a um processo de luta para permanecer. O grupo foi atrás da paróquia que comandava o espaço, buscaram o bispo e insistiram em ficar no lugar onde já tinham tecido décadas de fé. E venceram. O terreno foi transferido à paróquia vizinha, e o sonho enfim tomou forma.

Na foto o prato Benedito, carne de lato com um taco de queijo e cachaça com mel.
Na foto o prato Benedito, carne de lato com um taco de queijo e cachaça com mel. Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

O momento do chá segue sendo o que sempre foi, mas além das mulheres, também recebe o público geral, inclusive após a missa. Conforme contou ao Estado de Minas, o padre Mauro Luiz da Silva, a receita da bebida “é o que tiver em casa, e ele cura tudo, até paixão”. “A história dessas mulheres se relaciona com a história da população negra em Belo Horizonte. A população negra está sempre lutando para permanecer em algum lugar”, completou o padre. O chá acontece às terças-feiras, a partir das 20h. Já o museu pode ser visitado às terças e quintas, das 13h às 17h.

DIA NACIONAL DE ZUMBI E DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Consciência Negra é um dia de reflexão sobre o racismo e a valorização da cultura e história afro-brasileira, que se manifesta na celebração do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra em 20 de novembro. A data homenageia a luta de Zumbi dos Palmares contra a escravidão e serve para discutir as desigualdades e a exclusão social que afetam a população negra. A data foi escolhida para marcar a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, em 1695. Concebido em 1971, foi formalizado nacionalmente em 2003, como uma efeméride no calendário escolar, até ser instituído como data comemorativa em 2011. Foi oficializado feriado nacional em 21 de dezembro de 2023, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

SERVIÇO

Afrogalpão

Av. Dom Pedro II, 2725 - Alto Caiçaras

(31) 97509-6161

Muquifu

R. Santo Antônio do Monte, 708 - Estrela

(31) 98270-9668

3 Preto Bar

Av. Dom Pedro II, 3608 - Jardim Montanhês

Samba do Arco

Viaduto Santa Tereza

Biblioteca do Centro de Referência da Cultura Popular

R. Min. Hermenegildo de Barros, 904 - Itapoã

(31) 3277-7336

Território Kitutu de Aquilombamento

R. Aarão Réis, 496A - Centro

(31) 99839-2297

Casa Mojubá

R. Mármore, 817 - Santa Tereza

(31) 99241-2771

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