Coxinha de bar mineiro vira patrimônio cultural de Minas
Delícia feita com pernil e tradição familiar agora é oficialmente reconhecida como bem de interesse cultural e gastronômico do estado
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A coxinha de pernil do Bar Apolo, famosa entre os moradores e visitantes do município de Araguari, no Triângulo Mineiro, foi oficialmente reconhecida como bem de relevante interesse cultural e gastronômico do estado. A Lei nº 25.403, sancionada na última segunda-feira (28/7) e publicada no Diário Oficial do Estado, valoriza não apenas o sabor singular do salgado, mas sua importância na identidade cultural da cidade e da culinária mineira.
Aprovada pela Assembleia Legislativa com base no Projeto de Lei nº 2.718/2024, de autoria do deputado Raul Belém (Cidadania), a norma destaca a relevância histórica, afetiva e econômica da coxinha criada há mais de cinco décadas por Vilma de Fátima Clemente Salomão, fundadora do Bar Apolo.
Desde 1971, a receita de massa crocante e recheio de pernil bem temperado conquistou gerações e ultrapassou fronteiras: hoje, é vendida inclusive em outras cidades por comerciantes que fazem questão de destacar sua origem - Coxinha do Bar Apolo de Araguari.
Em entrevista ao Estado de Minas, Dimas Alvim Salomão, filho da fundadora e atual responsável pelo bar, conta os detalhes da criação da casa: "O bar foi fundado pela minha mãe, Dona Vilma, no dia 5 de janeiro de 1971, e meu pai, José, sempre a apoiou muito nesse processo. O nome Apolo, com um 'L' só, é uma homenagem à nave Apolo 11, que chegou à Lua em 1969. Minha mãe ficou impressionada com aquilo tudo, mas tirou um 'L' do nome para não parecer tão estrangeiro. Dizia: 'Vamos colocar Apolo com um L só, mais nosso'".
"O que levou ao reconhecimento foi a inovação da receita. Naquela época, coxinha era sinônimo de frango, mas minha mãe nunca gostou desse recheio. Tentou várias receitas e acabou chegando no pernil. Ela acrescentou batata, temperou do jeitinho dela, e assim nasceu a nossa coxinha. Até hoje usamos os mesmos ingredientes e o mesmo processo artesanal".
O reconhecimento se baseia na Lei estadual nº 24.219/2022, que institui diretrizes para a valorização de expressões culturais da sociedade mineira. Segundo o texto da nova lei, a coxinha é um símbolo de cuidado artesanal e ligação entre memória e território.
"A nossa massa é fininha, crocante, feita com farinha de trigo. Já tentamos máquina, mas não presta, mas o fechamento não fica bom, a massa fica grossa. Fica parecendo aquelas de loja de conveniência de posto. A gente não aceitou isso. Aqui é tudo enrolado à mão, como sempre foi".
Procurado pelo jornal, o Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) afirmou em nota, que a medida "é uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que contribui para a valorização da cultura mineira". Confira a nota na íntegra ao final da reportagem
Uma receita com história
O Bar Apolo nasceu da dedicação de Vilma e sua família, que transformaram um pequeno comércio de bairro em um ponto de encontro afetivo da cidade. A receita da coxinha, preparada com carne de pernil cuidadosamente selecionada e temperada com um segredo de família, passou a ser o carro-chefe do local. Segundo relatos dos frequentadores, o sabor marcante da iguaria é inseparável das lembranças da infância, das conversas de balcão e das histórias vividas em torno do bar.
"O bar funciona no mesmo endereço desde 1971: Rua Doutor Afrânio, 52, no centro de Araguari. O prédio onde estamos vai fazer 100 anos. E no ano passado, compramos outro prédio antigo em frente, também centenário, para fazer um anexo com mais mesas e estrutura para os clientes", destaca Dimas.
Cultura que se come
O conceito de patrimônio cultural vai muito além de igrejas barrocas ou festas populares. A gastronomia, com seus modos de fazer, ingredientes e saberes transmitidos de geração em geração, também é parte essencial da cultura de um povo. Ao reconhecer a coxinha do Bar Apolo como bem de interesse cultural, a relação entre comida e identidade é legitimada.
"Esse tombamento levou em conta várias coisas: a inovação da receita com pernil, o fato de mantermos a mesma fórmula por mais de 50 anos, sempre no mesmo lugar e de forma artesanal. Além disso, temos uma ligação forte com a comunidade local. Nosso bar é um espaço de encontro".
A fama ultrapassa o Triângulo Mineiro e chegou até autoridades públicas. "O governador Romeu Zema já esteve aqui. Se não me engano, foi no dia 14 de maio de 2022, quando veio inaugurar a nova sede da OAB. Ficou aqui por uma hora, comeu umas quatro coxinhas e adorou. O ex-presidente Jair Bolsonaro também já provou a nossa coxinha em visita à cidade".
Apesar da popularidade entre figuras públicas, Dimas faz questão de preservar a essência do bar. "Temos uma parede com fotos e história da casa, mas evitamos colocar fotos de políticos. Aqui a gente prioriza os clientes antigos, os frequentadores. Política divide muito. A nossa coxinha, não. A nossa coxinha une".
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Confira a nota do Iepha
O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) informa, por meio de nota, que a Lei Estadual nº 25.402, de 28 de julho de 2025, que reconhece como de relevante interesse cultural do Estado a tradicional coxinha de pernil do Município de Araguari, é uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que contribui para a valorização da cultura mineira.
O IEPHA-MG reconhece que ações dessa natureza fortalecem a identidade cultural do Estado, promovendo o reconhecimento social de expressões que fazem parte do cotidiano e da memória afetiva da população.
Cabe destacar, no entanto, que os instrumentos de reconhecimento do patrimônio cultural de competência do Poder Executivo utilizados pelo Instituto seguem diretrizes próprias, com base em processos técnicos e participativos de identificação, inventário, registro e salvaguarda. No âmbito estadual, o Conselho Estadual do Patrimônio Cultural, por exemplo, reconheceu como patrimônio imaterial a Cozinha Mineira, estruturada sobre dois pilares fundamentais: o milho e a mandioca.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice