BH: ativistas protestam por advogada negra com turbante barrada em juizado
A advogada foi inicialmente impedida de entrar no Juizado Especial Criminal de BH, mas depois de se recusar a tirar o turbante teve acesso à audiência
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Siga no"Tira a mão do meu turbante", entoaram mulheres pretas, em sua maioria advogadas, em protesto realizado no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, na Região Noroeste da capital mineira, nesta quarta-feira (7/5).
A ação foi organizada em apoio à advogada Rita Galvão, presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais. A profissional teve entrada barrada no juizado nessa terça (6/5) por estar usando um turbante, mas depois de se recusar a tirar, conseguiu ter acesso à audiência.
Rita Galvão conta que estava atendendo a uma cliente e tinha uma audiência no juizado. Quando foi passar pelo detector de metais na portaria da unidade, uma segurança a abordou dizendo que não poderia entrar e permanecer no local de turbante.
“Eu prontamente disse que não iria tirar o turbante, que eu estava ali no exercício da minha profissão, e aquilo não poderia estar acontecendo", disse a advogada em vídeo publicado nas redes sociais. Rita Galvão afirmou que conseguiu participar da audiência, mas notou uma movimentação do lado de fora para que ela fosse retirada do local.
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A advogada contou que havia cortado e pintado o cabelo de azul recentemente, e o turbante foi uma forma de tentar se preservar. "Eu coloco o turbante para me blindar do racismo, e ainda assim não foi o suficiente. Posso estar de cabelo azul, de dreads, de amarelo, vermelho... Vou continuar chegando nos espaços sendo uma mulher negra com uma carteira da OAB", disse.
A advogada explicou que alegaram que o turbante se equipararia a um boné ou capacete, acessórios que poderiam atrapalhar na identificação de uma pessoa, sustentando-se em uma portaria do Tribunal de Justiça. "Mas meu turbante, da forma que ele estava, e da forma que está aqui hoje, não interfere em nada na minha identificação, no meu reconhecimento facial. Isso envolve muito mais uma questão que dá margem a interpretação desse racismo estrutural que a gente vive, do que para a própria proteção", afirmou.
A advogada criticou a norma estabelecida em portaria de 2018. Para ela, o documento deveria ser modificado para ser inclusivo e determinar exceções, especialmente no uso de turbantes, que os ativistas deixaram claro fazer parte da ancestralidade e não ser um simples acessório.
Atualmente, o terceiro item do artigo 5º da portaria conjunta 788/PR/2018 determina que é vedada a entrada em edifícios do Poder Judiciário o usuário que “esteja usando boné, chapéu ou qualquer outro artifício, cobertura ou indumentária que possa dificultar a identificação visual, bem como vestimenta inadequada”.
Apoio
Rita Galvão ressaltou que, na hora, se sentiu enfraquecida e que até cogitou não denunciar pela impotência que sentiu, mas que com o apoio que recebeu, reconheceu a importância de não ter se calado. A presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB-MG agradeceu pelo suporte.
“Sou uma, mas não sou só”, cantaram em uníssono as advogadas que estavam presentes. Em discursos, elas repudiaram o que aconteceu com Rita Galvão e que acontece e poderia acontecer com outras meninas e mulheres negras por todo Brasil. Elas reivindicaram mudanças para que a ocorrência não se repita em espaços do Poder Judiciário.
Entre as advogadas da OAB-MG estavam a presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa, Isabela Dario; a presidente estadual da Comissão de Igualdade Racial da, Cibele Queiroz; a presidente da Comissão das Mulheres Advogadas, Dandára Paluza; e a advogada Emilia Viriato.
Também estava presente Zaira Pereira, presidente da Comissão da Igualdade Racial e Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da subseção do Barro Preto da OAB-MG, que destacou: “Nós estamos mostrando a todos que isso aqui não é um adereço, isso aqui faz parte da nossa ancestralidade, do que nós de fato acreditamos, porque é a nossa cultura, é o nosso povo. Então acima de tudo, deve ser respeitado”. A advogada destacou que espera que o protesto e as demandas tenham repercussão a nível nacional.
Posicionamento
Nessa terça-feira, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais emitiu uma nota com um pedido de desculpas, informou que já instaurou procedimento para apuração dos fatos e ressaltou que orienta as suas equipes acerca do respeito às diversidades. O órgão também afirmou que se compromete a reforçar a importância de ações educacionais para o público interno, “levando-o à compreensão da importância do respeito à cultura e à identidade afro-brasileira, de forma a combater o racismo e desconstruir preconceitos, valorizando a diversidade”.
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Gustavo Chalfun, presidente da OAB de Minas Gerais, também se manifestou nas redes sociais e repudiou o ocorrido. "Isso não é um erro isolado. É sintoma de um sistema que continua violentando trajetórias, histórias e símbolos de pertencimento com desculpas técnicas e aparatos burocráticos. (...) Exigimos respeito. Porque o que aconteceu com a dra. Rita é um ataque a todos que lutam por um país mais justo. E nós não vamos permitir que se repita".