pESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA DORMEM EM CALÇADA NA CAPITAL MINEIRA: GRANDES CENTROS URBANOS CONCENTRAM ESSA PARCELA DA POPULAÇÃO E SÃO TAMBÉM LÍDERES NA VIOLÊNCIA CONTRA ELA -  (crédito:  JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)

pESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA DORMEM EM CALÇADA NA CAPITAL MINEIRA: GRANDES CENTROS URBANOS CONCENTRAM ESSA PARCELA DA POPULAÇÃO E SÃO TAMBÉM LÍDERES NA VIOLÊNCIA CONTRA ELA

crédito: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS

Minas Gerais ocupa a terceira posição no ranking da violência contra pessoas em situação de rua registradas pelo Disque 100. Entre 2020 e o primeiro semestre de 2024, foram 3.023 denúncias em Minas.

 

O número inferior apenas aos de duas outras unidades da Federação que também ficam na Região Sudeste: São Paulo, com 11.939 casos, e Rio de Janeiro, com 6.500, aponta levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua) feito com base em informações do Ministério de Direitos Humanos, e foram analisados e divulgados pelo projeto Polos Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No outro estado da região, o Espírito Santo, o número ficou em 773.

 

 

Em parceria com o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), o OBPopRua mostra que as denúncias em Minas representam 8,3% do total de todo o Brasil, onde os casos de violência contra a população em situação de rua alcançaram a cifra de 36.265 no período analisado.

 

 

De acordo com o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB/MG), Wagner Dias Ferreira, é necessário enfrentar mais fortemente essa crescente violência. Ele avalia que o período em que os dados foram coletados também é um fator decisivo para os resultados, uma vez que perpassa a pandemia de COVID-19, quando alguns grupos sociais ficaram ainda mais expostos. “O período é importante, pois é o da pandemia, em que também houve um revés muito importante para as populações vulneráveis no geral”, diz. “A população de rua ficou ainda mais vulnerável a ataques de um 'movimento higienizador', que permite às pessoas pensarem que há um tipo de cidadão melhor do que outros”, afirma.

 


A análise dos dados mostra o crescimento contínuo e gradual dos casos de violência ao longo dos anos. No primeiro semestre de 2024, foram registradas 786 agressões a pessoas em situação de rua em Minas Gerais, contra 29 no primeiro semestre de 2020. Ou seja, em quatro anos, o número foi multiplicado por 27. Para o pesquisador-extensionista do OBPopRua e mestrando em educação Cristiano Silva, o crescimento decorre das mudanças em políticas públicas nos últimos anos.

 

 

“Dentro do nosso estado, temos uma pauta de invisibilização da população em situação de rua, de negá-la por muito tempo, e políticas públicas não eficientes. O aumento do discurso de ódio acaba explodindo na ponta, pois, nos últimos anos, tivemos casos de violência extrema, como uma pessoa se sentir no direito de atear fogo em outra”, aponta o pesquisador.

 

Segundo Cristiano Silva, é necessário atuar e sensibilizar a sociedade através de campanhas de cunho publicitário e educativo. No entanto, o pesquisador destaca que ainda existem diversas barreiras a serem ultrapassadas. “São muitos obstáculos, por isso, o programa busca propor ações conjuntas. No caso da campanha Sem Violência, é uma ação educativa. Buscamos saber como os estados têm apurado e quais encaminhamentos são feitos, se as pessoas estão respondendo criminalmente pelas violências que cometem e qual é o andamento que o poder público tem dado para isso”, explica Cristiano.

 

 

Do ponto de vista de Wagner Dias Ferreira, da OAB, é necessário reconhecer essa população e analisar os motivos profundos de ela estar na rua e de sua vulnerabilidade. De acordo com ele, como em Minas Gerais essa parcela é muito grande, o governo do estado precisa propagar mais políticas públicas, que vão além do âmbito municipal, para melhor a situação.

 

“Ainda não chegou à OAB/MG a provocação direta para trabalhar em casos assim, mas, hoje, com câmeras de segurança, considerando que essas pessoas estão mais próximas da região central, onde o comércio é mais intenso e, portanto, mais fiscalizado, a possibilidade de produção de prova e identificação dos agentes é muito extensa. Então, não há nenhuma desculpa para uma agressão ficar impune. O que precisa é vivo e intenso interesse de apurar e com ele punir”, defende o advogado.

 

AÇÕES NA CAPITAL

Com 993 registros no Disque 100 entre 2020 e 2024, aponta o estudo, Belo Horizonte é a quarta capital brasileira com maior número de casos de violência contra pessoas em situação de rua. À sua frente estão São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF). Na Região Sudeste, a capital mineira tem a terceira posição no ranking, com mais casos apenas do que Vitória (ES).

 

Dentro de Minas, entretanto, a cidade lidera o ranking, seguida por Contagem, Juiz de Fora, Betim, Uberlândia, Santa Luzia, Conselheiro Lafaiete, Timóteo, Montes Claros e Sabará. Além de BH, quatro desses municípios – Contagem, Betim, Santa Luzia e Sabará – ficam na Região Metropolitana, indicando maior concentração da violência em grandes centros urbanos. As outras cidades estão na regiões da Zona da Mata (Juiz de Fora), Triângulo (Uberlândia), Central (Conselheiro Lafaiete), Vale do Rio Doce (Timóteo) e Norte (Montes Claros).

 

Embora a capital mineira apresente crescimento em relação às denúncias de violência contra pessoas em situação de rua nos últimos quatro anos, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) analisa que o aumento nos registros não significa, necessariamente, o crescimento da violência. Segundo a administração municipal, havia uma subnotificação dos casos de violência contra pessoas em situação de rua e o incentivo às denúncias justificaria a a elevação.

 

Em nota, a PBH informou que os dados compilados pelo projeto da UFMG são encaminhados automaticamente para a área responsável do órgão municipal e que as informações. Isso, informa, tem possibilitado a formulação do Plano de Ação Ruas Visíveis, firmado em parceria com o governo federal em junho. Segundo a PBH, o plano reforça propostas de atuação por meio de campanhas, além do estabelecimento de protocolos com o sistema de justiça e os centros de defesa de direitos humanos.

 

 

“Uma das atribuições dos serviços que atuam na garantia de direitos é incentivar o registro para que se tenham dados cada vez mais próximos da realidade. A partir do conhecimento e análise dos dados, é possível propor respostas e estratégias para reduzir essas violências. Há uma frente importante também na capacitação de servidores públicos para promover um atendimento digno, humanizado, sem violações institucionais, evitando negligências para a população que vive em situação de rua na capital”, diz a nota.

 

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Conforme os dados divulgados, das quase mil agressões denunciadas em BH, 443 ocorreram em via pública, 65 em serviços de abrigamento, 32 em estabelecimentos de saúde e 6 em hospitais psiquiátricos. As demais denúncias não descreveram os cenários em que ocorreram as violências. Diante dos números, a Prefeitura informou que todas as queixas geram apuração interna e resposta ao denunciante via sistema do Disque 100.

 

Segundo a PBH, todas as denúncias recebidas pela Subsecretaria de Assistência Social relativas à violência institucional nas unidades de acolhimento são analisadas pela área técnica responsável e encaminhadas para tratamento e providências necessárias. Além disso, como medida de redução da violência contra essa parcela da sociedade, foi criada uma Diretoria de Políticas para a População em Situação de Rua, inserida na estrutura de Direitos Humanos.

 

A formulação do Plano Nacional Ruas Visíveis em BH está a cargo do Comitê Pop Rua, reativado e ampliado neste ano, segundo o Executivo municipal. A meta é reduzir violações e promover os direitos da população em situação de rua. Segundo a nota da PBH, o espaço institucional reúne representantes da sociedade civil, município e sistema de justiça e garantia de direitos. Após a elaboração das propostas, detalha o texto, serão feitas reuniões de pactuação com os responsáveis pelos órgãos a que se referem as políticas traçadas. Há uma frente importante também na capacitação continuada de servidores públicos para promover atendimento digno, humanizado, sem violações institucionais, evitando negligências para a população que vive em situação de rua na capital”, conclui a nota.

 

De 2020 a 2024, período em que as violências computadas no levantamento foram denunciadas, a PBH realizou uma série de ações voltadas para essa parcela da sociedade, cita a nota: abertura de novos abrigos, como a Hospedagem BH, Unidade de Acolhimento Transitório Estamos Juntos, Unidade de Mulheres e a Unidade de Gestantes e Puérperas; implantação de um novo Centro de Referência para a População em Situação de Rua, somando atualmente quatro espaços como esses; ampliação da oferta de refeições gratuitas nos restaurantes populares para a população em situação de rua aos sábados, domingos e feriados, contribuindo com o direito humano à alimentação dessa população; qualificação do programa Estamos Juntos, iniciativa de encaminhamento da população em situação de rua para o mercado de trabalho; e ampliação e modernização do Serviço Especializado de Abordagem Social para atendimento humanizado in loco. 

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

 

Recorte racial

As pessoas negras formam a maior parcela das vítimas de violência contra a população de rua em Belo Horizonte. O número de ataques a esse grupo chegou a 592 entre 2020 e 2024. No mesmo período, foram registrados 130 atos de violência contra brancos, 27 contra pessoas amarelas e um contra indígenas. A cor/raça não foi identificada em outros 130 casos e 53 foram registradas como nulo/erro. Segundo Cristiano Silva, os números refletem a própria composição da população mais vulnerável. “Mais da metade da população de rua é negra. Minas Gerais é o estado do Sudeste com a maior população negra, então há um quadro acentuado. Pensando em como esses grupos já são marginalizados e olhados como peças descartáveis, vemos que essa violência é grande e para a população negra em situação de rua é maior”, diz. Segundo o levantamento, a cada 10 pessoas em situação de rua, 7 são negras.