Dogão  vive no mato região do Rola Moça e é alimentado diariamente pelo administrador aposentado Marcos Lafetá -  (crédito: Jair Amaral/EM/D.A/Press)

Dogão vive no mato região do Rola Moça e é alimentado diariamente pelo administrador aposentado Marcos Lafetá

crédito: Jair Amaral/EM/D.A/Press

Com um olhar triste, o pelo preto e brilhante, um dog alemão vive há dois anos no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, a terceira maior unidade de preservação ambiental em área urbana do Brasil, com 3,9 mil hectares, localizado nos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima, Ibirité e Brumadinho.

Conhecido dos frequentadores e trabalhadores do parque, que até o batizaram de Dogão, ele foi abandonado no local, em fevereiro de 2022, bastante magro e com sinais de maus-tratos e, desde então, vaga pelo parque sozinho ou com outros animais que tiveram a mesma sina: foram deixados por seus donos na unidade de conservação ou em seu arredor.

Este é um dos graves problemas que o parque enfrenta e que motivou inclusive a abertura, no final do ano passado, de um inquérito civil pela Coordenadoria Estadual de Defesa dos Animais (Ceda) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

O parque virou local de abandono de cães, colocando em risco, não só a saúde dos bichinhos deixados lá, mas também à fauna silvestre, já que para poder sobreviver em um ambiente inóspito para animais domésticos, eles se juntam a outros cachorros e formam matilhas para caçar e matar a fome.

Apesar de abandonado, Dogão conseguiu apoio e desde que foi deixado na portaria do parque é alimentado diariamente pelo administrador aposentado Marcos Lafetá, 64 anos, que mora no Jardim Canadá, em Nova Lima, nos arredores do parque.

Marcos e o grupo de moradores da região que se associou para buscar um lar para animais abandonados, tentam agora um para Dogão, cuja raça é considerada dócil, mas que acabou se tornando selvagem e arisco em função da vida no mato.

Somente há seis meses, Marcos conseguiu se aproximar dele e hoje os dois são amigos, mas Dogão só aceita a presença de outras pessoas se ele estiver junto. Uma casa improvisada foi ajeitada pelo aposentado em uma área de mineração contígua ao parque, onde Dogão sempre espera pela chegada de Marcos para receber petiscos e carinho na barriga.

Já houve várias tentativas de capturá-lo e até mesmo uma armadilha gigante foi comprada por meio de uma vaquinha, mas ele não caiu nela.

“Capturamos uns trinta cães, mas não o Dogão”, conta Marcos, que também já perdeu várias guias tentando prendê-lo pelo pescoço. Os protetores, por enquanto, desistiram de capturar Dogão e só pretendem voltar a tentar quando for encontrado um abrigo para ele.

Cães ariscos

De acordo com Lígia Vial Vasconcelos, assessora jurídica da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda), os cães abandonados não são agressivos, mas são ariscos e raramente se aproximam das pessoas, o que dificulta a captura. “Estamos tentando capturar lá uma cachorra com
leishmaniose, mas ainda não conseguimos. Ela está bem magra e arisca”, conta a protetora ambiental.

Além do sofrimento imposto aos animais deixados lá, conta a ambientalista, eles também são vistos frequentemente no parque com pequenos animais silvestres na boca e feridos com marcas de mordida e espinhos de ouriço-cacheiro, muito comum no local. No parque também são encontrados lobo-guará, gato-do-mato, veado-campeiro, onça-parda e jaguatirica, muitas vezes atacados pelos cães, principalmente os filhotes dessas espécies, presa mais fácil das matilhas.

Para ela, além de um plano de manejo para retirar os animais domésticos que vivem lá, a Amda defende que sejam feitas ações educacionais, castração de animais da população ao redor do parque e também que haja uma intensificação da vigilância para coibir o abandono, com ampliação de câmeras e ronda frequente.
“Semanalmente são abandonados cães lá. E na época das férias, isso acontece quase que diariamente”, afirma.

Busca de solução

Preocupados com o abandono e com os risco à fauna, diversas entidades de defesa do meio-ambiente e dos animais pediram a intervenção do MPMG que, por meio da promotora Luciana Imaculada de Paula, coordenadora do Ceda, convocou as prefeituras e o Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão do governo do estado que responde pela unidade de conservação, para tratar do assunto e buscar uma solução.

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente(Semad), de acordo com a promotora, se comprometeu a apresentar um plano de ação coordenado agora no começo deste ano, já que na reunião o IEF informou não ter recursos para investir na solução desse problema. Ele ainda não foi entregue ao MPMG, mas conforme a promotora, vai contar com o apoio dos municípios, que se comprometeram, nessa reunião, a recolher os animais abandonados e castrá-los. A Secretaria de Estado do Meio Ambiente foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

“O próprio plano de manejo do parque proíbe animais domésticos, pois eles depredam a fauna silvestre e pode haver também a transmissão de patógenos, por isso não é recomendável haver animais domésticos onde há vida selvagem, mas a solução é bastante desafiadora, pois a área do parque é extensa e faz limite com regiões muito urbanizadas de quatro municípios, usadas muitas vezes pelas pessoas para abandonar cães e gatos”, afirma a promotora.

Além dessa ação coordenada, a promotora defende que haja uma campanha de educação que alerte a população sobre os perigos e riscos de abandono e maus tratos a animais. A promotora orienta as pessoas a só adotar animais se tiver mesmo certeza de que vão conseguir dar suporte financeiro, emocional e tempo para se dedicar a eles. “Abandonar animais é crime, sujeito a multa e pena de detenção, e também causa riscos à fauna silvestre, pode trazer doenças, além, é claro, do sofrimento imposto aos animais”, alerta. A Ceda tem uma página na internet (https://defesadafauna.blog.br) onde podem ser encontradas cartilhas com orientação para os tutores.