Mergulho no Mundo Espiritual

Qual a relação dos rodopios dos sufis na Turquia com a gira na Umbanda?

Uma jornada mística que une os dervixes às sessões mediúnicas do Brasil, revelando o poder da dança como ponte para o divino

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Com os braços e os rostos voltados para o céu, eles direcionam o olhar dos espectadores. Os movimentos de rodopios iniciam suavemente e, aos poucos, aceleram e não param. A frequência aumenta enquanto a música dita o ritmo. Em alguns momentos, a sensação é que eles chegam a flutuar. Os corpos, adornados com longos saiotes brancos, são fluidos e leves, como penas. Todo o movimento da gira desses homens com seus turbantes altos é feito com os olhos fechados. Eles estão em transe. Eles estão mergulhados em outro plano – o espiritual além do físico, do visível e do palpável. 

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Os dervixes rodopiantes, conhecidos como "dervixes mevlevis", representam uma das expressões mais icônicas e profundas do misticismo islâmico, especialmente na Turquia. Essa prática, que fascina o mundo ocidental há séculos, vai além de uma mera performance visual: é um portal para o divino, uma jornada espiritual que une o corpo, a mente e a alma ao cosmos. Exploraremos o que são os rodopios dos sufis, sua essência espiritual, e faremos um paralelo com as manifestações mediúnicas da Umbanda no Brasil, destacando como ambas as tradições sofrem preconceitos enraizados em incompreensões culturais e religiosas.

Os rodopios, ou "Sema", são uma forma de meditação ativa física originada entre grupos sufis, praticada principalmente pelos dervixes da Ordem Mevlevi, fundada pelos seguidores do poeta e místico persa Jalaluddin Rumi (conhecido como Mevlana na Turquia) no século 13. Essa ordem, centrada em Konya, na Turquia, transforma o ato de girar em um ritual simbólico de dhikr – a lembrança de Deus, ou "O Amado". Durante a cerimônia, os dervixes vestem saias brancas longas (simbolizando o sudário da morte do ego) e chapéus altos (representando a lápide), girando com os braços abertos: a mão direita voltada para o céu para receber bênçãos divinas, e a esquerda para a terra, distribuindo-as ao mundo.

O Sema não é apenas um espetáculo; é uma representação da ascensão ao céu, uma jornada espiritual onde o dervixe busca a verdade, cresce pelo amor e abandona o ego para se unir ao universo. O giro simboliza o movimento dos planetas e átomos, refletindo a crença de que tudo no cosmos revolve em harmonia com o divino. Através do rodopio contínuo, o praticante atinge estados de êxtase místico, unindo mente, corpo e alma à criação de Deus, buscando a perfeição absoluta e a união mística (fana).




 É uma dança? Uma incorporação? Uma gira?

Embora frequentemente chamada de "dança dos dervixes", o Sema transcende a noção ocidental de dança como entretenimento ou expressão artística. É um ritual religioso, uma forma de oração em movimento, onde o corpo serve como instrumento para a elevação espiritual. Não se trata de coreografia para um público, mas de uma prática interna para alcançar a proximidade com Deus, inspirada nos ensinamentos de Rumi sobre amor, tolerância e busca pela verdade eterna.

Quanto à incorporação – termo que evoca a possessão por entidades espirituais –, o rodopio sufi não envolve a entrada de espíritos externos no corpo do dervixe. Em vez disso, é uma dissolução do eu individual na essência divina, um estado de união mística sem intermediários espirituais personificados. Não há "possessão" como em tradições animistas, mas uma conexão direta com o Todo.

Já o conceito de "gira" – comum em religiões afro-brasileiras como a Umbanda – refere-se a uma sessão ritualística com danças e invocações. O Sema pode ser comparado a uma gira no sentido de ser um círculo ritual (os dervixes giram em grupo), mas sua essência é meditativa e introspectiva, não invocatória de entidades específicas.

Paralelo com as manifestações mediúnicas da Umbanda

 
 
 
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A Umbanda, religião sincretista surgida no Brasil nos anos 1920, mescla elementos do espiritismo kardecista, tradições afro-brasileiras (como o Candomblé), indígenas e católicas. Suas manifestações mediúnicas ocorrem principalmente nas "giras", rituais sagrados onde médiuns incorporam espíritos guias – como caboclos (índios), pretos-velhos (escravos anciãos), exus (guardiões) e orixás (divindades africanas) – para oferecer conselhos, curas e orientação. A gira é uma dança celebratória, um espaço de conexão entre o mundo material e espiritual, onde os participantes dançam em procissão para honrar os orixás e abrir canais para as entidades.



Aqui reside o paralelo fascinante: tanto o Sema sufi quanto a gira umbandista usam o movimento corporal como ponte para o espiritual. No sufismo, o rodopio é uma meditação coletiva que harmoniza o indivíduo com o universo divino; na Umbanda, a dança e a incorporação criam um "canal entre mundos", permitindo que espíritos manifestem sabedoria ancestral. Ambas enfatizam amor, cura e crescimento espiritual – Rumi falava de amor universal, enquanto a Umbanda promove caridade e tolerância.

No entanto, as diferenças são marcantes: o sufismo é monoteísta e abstrato, focado na união com Deus sem personificação de espíritos; a Umbanda é politeísta e concreta, com incorporações diretas de entidades que interagem com os fiéis. Enquanto o dervixe gira para dissolver o ego, o médium umbandista "recebe" o espírito para servir à comunidade.

Alvos de preconceito

Infelizmente, tanto o sufismo quanto a Umbanda enfrentam preconceitos profundos, frequentemente enraizados em racismo, colonialismo e fundamentalismo religioso. Na Turquia, a Ordem Mevlevi foi banida em 1925 pelo governo secular de Atatürk, vista como resquício otomano "atrasado"; hoje, o Sema é mais uma atração turística do que prática religiosa plena, e o sufismo é criticado por muçulmanos ortodoxos como "heresia" por seu misticismo.

No Brasil, a Umbanda e religiões afro-brasileiras sofrem intolerância extrema: templos são invadidos, fiéis discriminados e rituais tachados de "feitiçaria" ou "não-religião". Casos de violência aumentaram 4960% em cinco anos, ligados a preconceitos raciais herdados da escravidão, onde práticas africanas eram demonizadas para justificar a opressão.  Essa "racismo religioso" intersecciona preconceito racial e espiritual, rotulando essas fés como "primitivas" ou "perigosas". 

Esses preconceitos destacam uma ironia: tradições que pregam amor e unidade são marginalizadas por sociedades que as veem como "outras". Combater isso requer educação e empatia, reconhecendo a riqueza espiritual que enriquecem a humanidade.

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Uma dança universal do espírito

Mergulhar no mundo dos dervixes e da Umbanda revela que, apesar de origens distantes, ambas celebram a conexão humana com o transcendente. Os rodopios sufis não são mera dança, mas uma oração giratória; as giras umbandistas, não simples rituais, mas portais de cura. Em um mundo dividido, essas práticas nos lembram que o espírito humano gira em busca de unidade, superando preconceitos para encontrar o divino em todas as formas.

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