RESISTÊNCIA

"Vai ter Parada LGBTQIAPN+, sim", afirma organizador do evento em BH

Depois de decisão judicial que impede repasse de verba da prefeitura, organizadores da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ de BH prometem festa ainda maior

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Os organizadores da 26ª Edição da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ de Belo Horizonte afirmaram que o evento vai acontecer neste final de semana, mesmo com a liminar que impede o repasse de R$450 mil da Prefeitura de BH (PBH), expedida pela 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal, nessa quinta-feira (17/7).

Em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (18/7), o presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero (Cellos), Maicon Chaves, acompanhado de outros representantes do movimento, disse que as medidas cabíveis estão sendo tomadas.

"Quando atacaram o Cellos, atacaram pessoas, que fizeram a instituição acontecer e não por elas próprias. Manter o pé na resistência, fazer parada, manter essa sede é honrar pessoas que vieram antes de nós e que não puderam estar aqui, mas é preciso afirmar: vai ter parada, sim!", disse Chaves.

Segundo o presidente da instituição, o evento continuará acontecendo com ou sem recurso. Para ele, o movimento continuará fazendo a parte deles, fazendo a economia da cidade girar e, ainda, sorrindo. No entanto, ele reforça que a liminar é uma tentativa de criminalizar o movimento LGBTQIAPN+, pois a sexualidade mexe com os conservadores.

Conforme Chaves, se antes as pessoas LGBT eram agredidas, atualmente a maneira de fragilizar essa população é cortando recursos, pois “se não tem recurso, não tem política pública”. Ele comenta que a medida trata-se de um processo orquestrado para desestabilizar o movimento, mas que a instituição está amparada por uma equipe de advogados e apoiada por parlamentares.

“Isso é de uma covardia tão grande, mas também de uma fragilidade imensa de querer invisibilizar nossa existência. Só demonstra que nossos corpos abalam esses sistemas, mas esses corpos nunca precisaram de dinheiro para existir”, reforça o presidente do Cellos.

Limitação de repasse

A decisão judicial foi movida pelos vereadores Uner Augusto (PL) e Pablo Almeida (PL). Os parlamentares questionam a ausência de chamamento público para a escolha do organizador da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+. Na liminar, o juiz Danilo Couto Lobato Bicalho, da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal, aceitou, em parte, esse argumento e suspendeu o repasse.

De acordo com a medida, "a falta de um orçamento detalhado do evento ou de um estudo técnico comparativo de preços de mercado por parte dos autores na exordial impossibilita, neste momento processual, a formação de um juízo de convicção integral sobre a adequação do valor total de R$ 450.000".

Por outro lado, o magistrado permitiu o repasse, em caráter emergencial, de uma quantia máxima de R$ 100 mil, devido à "necessidade de assegurar que o evento não seja completamente paralisado por uma decisão judicial que não dispõe de todos os elementos necessários para um juízo exauriente."

Conforme a decisão, a destinação de verbas superiores a esse valor pode fazer com que o prefeito Álvaro Damião (União Brasil), que confirmou presença no evento, seja judicialmente responsabilizado por dano ao patrimônio público. No entanto, os advogados dos organizadores acreditam que a ação foi planejada como uma tentativa de invisibilizar a comunidade LGBTQIAPN+.

Apesar de ter suspendido os repasses, a mesma liminar pontua que a LGBTQIAPN+ "é uma manifestação de grande porte e relevância sociocultural e econômica, já inserida no calendário oficial do município, com impacto significativo na promoção de direitos humanos e na economia local".

Organizadores recorrem

O presidente do Cellos informou que os advogados da instituição estão finalizando o recurso, que deve ser enviado ainda nesta sexta. De acordo com ele, como a decisão não é restritiva, eles não precisam devolver o dinheiro que já havia sido repassado. A verba recebida pelo Executivo municipal representa cerca de 40% do valor recebido para a realização do evento, enquanto o restante do quantitativo é oriundo de parceiros.

"Nenhum recurso nos tirará das ruas; a falta dele não nos tirará das ruas. Temos que dizer que vamos resistir", prossegue Chaves. Ele classificou a ação dos vereadores do PL como uma "covardia" que visa invisibilizar a comunidade LGBTQIAPN+. "A gente entende e sabe que é uma perseguição à nossa cidadania", ressaltou Chaves.

Para o organizador, os parlamentares não se posicionam contra o uso de dinheiro público em eventos para públicos diversos ao da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+. "Não foi esse o questionamento feito para a Marcha para Jesus, por exemplo", conclui.

A situação também é observada pelo presidente da Comissão de Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG), Alexandre Bahia. De acordo com ele, a liminar tem vários problemas, começando pelo fato de o juiz não ter dado a oportunidade para o Ministério Público (MP) se manifestar. Em relação aos valores descritos na liminar, também há problemas.

O presidente da comissão cita como exemplo o decreto da PBH, de R$ 1 milhão, direcionado ao Arraial de Belô. O evento, no entanto, tinha previsão de público de 80 mil pessoas, enquanto a Parada tem expectativa de 350 mil pessoas com um orçamento inicial menor. Dessa forma, o fundamento utilizado na medida “não encontra paralelo com outros grandes eventos que também são financiados pela prefeitura”, o que fragiliza a decisão.

“O juiz estabelece da cabeça dele um valor de R$ 100 mil. Ele tirou esse número sem parâmetro, porque existe um orçamento, uma tabela para fixação desse valor de R$ 100 mil. E diz na liminar que está dando esses R$ 100 mil, porque, senão, isso impediria a realização do evento. Ele não quer impedir a realização do evento, então ele dá uma um deferimento parcial, só que todos os gastos da Parada foram pensados de acordo com o orçamento que eles tinham”, explica Bahia.

Assim como o presidente do Cellos pontuou, o advogado explicou que a perda desse recurso, há dois dias do evento, pode impactar na segurança dos participantes, isso porque, além da segurança disponibilizada pelo Executivo municipal, a Parada tem um custo com segurança privada, o que pode gerar incidentes.

De acordo com pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realizada no ano passado, 75% do público da Parada já sofreram homofobia em via pública. Segundo o levantamento, quase 50% do público foram vítimas de algum tipo de violência LGBTfóbica. Outros 19,94% contaram já ter presenciado o problema. 

Além disso, conforme Bahia, a defesa da liminar demonstrou que não se trata de um problema de licitação, portanto, não haveria uma questão ali se deveria ou não haver chamada pública e, porque o Cellos é uma organização social, com uma legislação própria que fala sobre convênios estabelecidos com o poder público para a realização de eventos.

“A comissão entende que a liminar tem problemas técnicos e que existem questões de fundo. Estamos vivendo um momento de vários retrocessos, com a aprovação de diversas medidas contra a população LGBTQIAPN+ em BH. Essa liminar só reforça essas violações, pois passa a ideia de que o poder público brasileiro é contra a população LGBTQIAPN+”, conclui o presidente da comissão.

Proibição de crianças na Parada

No início deste mês, a Câmara Municipal de BH foi palco de um intenso debate durante a discussão do Projeto de Lei 11/2025, que propõe restringir a presença de crianças e adolescentes em eventos culturais com “nudez” ou “conteúdo considerado inapropriado”, incluindo a Parada do orgulho LGBTQIAPN+.

A proposta, apresentada pela bancada do Partido Liberal (PL), tem gerado forte reação entre parlamentares, movimentos culturais, especialistas em direitos da infância e representantes da sociedade civil.

Assinado pelos vereadores Pablo Almeida, Uner Augusto – autores da liminar –, Sargento Jalyson e Vile (todos do PL), o projeto defende a criação de uma classificação indicativa para manifestações culturais como blocos de Carnaval e paradas LGBTQIAPN+. Nenhum dos quatro vereadores autores da proposta esteve presente para ouvir os posicionamentos da sociedade civil, especialistas, conselhos e movimentos culturais.

O texto define como “inapropriado” para menores eventos que contenham nudez explícita, gestos, músicas ou danças com conotação sexual, mesmo em contextos artísticos. A medida valeria para espaços públicos e privados, e os organizadores seriam obrigados a divulgar a classificação com símbolos visuais. O descumprimento poderá gerar multa e suspensão de alvarás.

O vereador Uner Augusto afirmou ainda que o PL complementa a Lei 11.730/2024, que proíbe o uso de recursos públicos em eventos que promovam a sexualização de crianças e adolescentes. A audiência, realizada no último dia 7, escancarou que o debate vai além da proteção infantil. O PL 11/2025 coloca em confronto diferentes visões sobre infância, cultura, política e direitos civis.

Instituições se solidarizam

As instituições Aliança Nacional LGBTI+ e o Sindicato de Professores da Rede Municipal de BH (Sind-Rede/BH) manifestaram solidariedade ao Cellos. Em nota, a Aliança reafirmou o apoio à luta histórica pelos direitos da população LGBTQIAPN+ e reconheceu o trabalho do Cellos, que “há anos atuam na linha de frente pela visibilidade e pela defesa da população LGBTI+ em Minas Gerais”.

“Reafirmamos nossa convicção de que toda parceria entre o poder público e as organizações da sociedade civil deve ser construída com diálogo, responsabilidade e transparência, sempre observando os princípios fundamentais da administração pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (LIMPE). É somente assim que garantimos que políticas públicas e ações coletivas sejam conduzidas de forma ética, democrática e voltadas ao bem comum”, diz a nota.

Já o Sind-Rede/BH, acredita se tratar “de uma tentativa clara de censura e de apagamento. Não é a primeira vez que a Parada é atacada por parlamentares conservadores. O que está em jogo é o direito à cidade, à cultura e à expressão de uma parcela historicamente marginalizada da população. Esses ataques evidenciam a intolerância de um setor que tenta se sustentar politicamente às custas da violência moral e simbólica contra as pessoas LGBTQIA+”.

26ª Parada LGBTQIAPN+ em BH

Com o tema "Envelhecer Bem: Direito às Políticas Públicas do Bem Viver, ao Prazer e à Cidade", a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ estreia um novo formato em 2025. A proposta é dar visibilidade à população LGBTQIA+ com 60 anos ou mais, garantindo debate sobre políticas que assegurem direito à longevidade com dignidade, liberdade e prazer. Segundo os organizadores, a expectativa é reunir cerca de 350 mil pessoas.

A concentração da Parada será no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Avenida Brasil, a partir das 14h deste domingo (20/7) e encerramento previsto para às 20h. O cortejo seguirá pelo Centro até a Praça Sete, com discursos, homenagens e apresentações culturais.

Uma pesquisa da Belotur e UFMG mostra que o público do evento é majoritariamente preto, periférico e não tão jovem como antes, perfil refletido na programação e estrutura, que terá intérpretes de Libras, banheiros e rotas acessíveis, além de equipes para acolhimento físico e emocional, com atenção especial à população trans e não binária.

As atividades, porém, começam no sábado (19/7), durante o Festival Fuzuê, principal novidade da edição 2025 do evento. A programação vai de 13h às 20h, também no Parque Municipal Américo Renné Giannetti. O evento contará com dois palcos: um principal, com atrações locais e nacional, e um palco eletrônico voltado à música e à dança. Todas as apresentações foram selecionadas por meio de um edital aberto, o que garantiu a participação de 48 artistas que contemplam todas as letras da sigla LGBTQIA+.

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Com custo estimado em R$ 1,3 milhão, a Parada conta com a cervejaria Vibes, ligada à Heineken, como principal patrocinadora. A expectativa é de um impacto econômico de cerca de R$ 20 milhões para a cidade, especialmente por atrair turistas de estados como Rio de Janeiro e São Paulo.

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