Estamos diante de um corredor de passagem com movimento intenso. Que atravessa o Bairro Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, ligando duas avenidas, Contorno e Bandeirantes. Um caminho cheio de curvas e esquinas. Entre tantos endereços residenciais, alguns pontos comerciais merecem toda a atenção de quem gosta de comer e beber. Traçamos uma rota gastronômica na Rua do Ouro com sugestões de paradas estratégicas.

Iniciando a subida, no encontro da Contorno com a Getúlio Vargas, a primeira parada é na Cum Panio, que fica no terceiro quarteirão, à direita. Há 20 anos, a padaria, que se apresenta como um ateliê de pães, ocupa uma casa de dois andares com muro de hera – por um tempo nem placa tinha. No boca a boca, ficou conhecida pelos apaixonados por pães. O atrativo era trabalhar exclusivamente com fermentação natural, numa época em que quase não se falava sobre isso – não só em BH, mas no Brasil todo.

Camilo Gazzinelli e Luciana Martins, ele arquiteto e ela professora de idiomas, viajaram o mundo com o intuito de pesquisar pães. “Trouxemos para casa as técnicas que aprendemos ao longo do tempo e fomos adaptando com os ingredientes que conseguíamos achar no Brasil, sempre com a liberdade de mesclar coisas para criar uma identidade própria”, explica Camilo, reforçando que a fermentação natural era a base de tudo. O processo exige mais do padeiro, não dá para ligar o piloto automático, mas oferece ganhos em qualidade, sabor, aroma e durabilidade.

Há 20 anos, Camilo Gazzinelli, um dos fundadores da Cum Panio, transformou uma casa na Rua do Ouro em fábrica de pães de fermentação artesanal

Edésio Ferreira/EM/D.A Press


A localização não foi exatamente uma escolha. A casa era da família de Camilo, então ficava mais fácil de transformá-la em fábrica e loja de pães. No começo, eles imaginavam que seria um ponto temporário e que acabariam buscando outro lugar. Mas logo viraram referência na cidade e passaram a atrair público de todos os cantos, tanto da vizinhança quanto de bairros mais distantes.

“Fomos descobrindo que alguns negócios específicos acabam fazendo com que o cliente tenha o desejo de ir até lá. Reconhece que ali tem uma oferta de produtos únicos, admira, valoriza e entende que vale a pena se deslocar.”




A Cum Panio abre de terça a sábado, a partir das 11h. Além dos clássicos croissant e baguete, sempre muito procurados, alguns produtos viraram ícones da padaria. Por exemplo, o pain d'antan, que em português significa “pão de outros tempos”. De fato, essa é uma receita francesa com mais de 200 anos que Camilo e Luciana resgataram. O que ele tem de diferente? Pesa 3,5 quilos e tem o tamanho de um travesseiro, é quase uma refeição. Para você ter uma ideia, não cabe num prato de jantar.

Mix de farinhas

A massa do pain d'antan, com mix de farinhas branca, integral e centeio, pode ter o acréscimo de azeitonas verdes, pretas e roxas azapa ou avelãs, amêndoas e nozes. Os pães são vendidos em pedaços, medidos em dedos. Segundo o padeiro, dá para montar com eles uma “bruschetta maravilhosa”.
Camilo destaca também os três pães com chocolate. “Dá para imaginar como amamos chocolate”, brinca. Com a mesma massa, eles fazem recheios diferentes.

O Chocki mistura chocolate branco, ao leite, meio amargo e nozes, “o nosso primeiro pão de chocolate e o primeiro de que temos notícia no mundo.” Depois eles desenvolveram o Citrus, com chocolate meio amargo, avelã e casquinha de laranja. Por último, o Madiba, com cacau em pó, chocolate branco e meio amargo, que surgiu no dia da morte de Nelson Mandela e virou uma homenagem a ele (Madiba é o nome da tribo de origem do político sul-africano).



Como os padeiros pesquisaram bastante, acabaram desenvolvendo muitas receitas. Podemos citar mais alguns pães recheados, entre eles os de abobrinha italiana desidratada, queijo tipo parmesão mineiro e banana-passa, castanha do pará e aveia, mais indicados para um lanche ou acompanhar um vinho. A maioria sai todos os dias, mas na fornada sempre tem algo a mais para surpreender os clientes.

Do curry ao churrasco

Poucos metros adiante, do outro lado da rua, avista-se o restaurante indiano Curry Up!. Para se sentir verdadeiramente na Índia, seja no almoço ou no jantar, a sugestão é começar por uma porção de samosa, pastel frito que, pelo formato, até lembra a nossa coxinha. O recheio pode ser de batata com ervilha ou frango temperado com especiarias. Para acompanhar, experimente o tradicional lassi, preparado com iogurte caseiro, frutas e açúcar e servido com amêndoas e cardamomo.

Dividido entre frango, cordeiro, peixe, camarão e vegetariano, o cardápio lista mais de 30 pratos principais. Você tem a opção de comer o Murg Curry, com sobrecoxas desossadas de frango, assadas no forno indiano tandoor e servidas ao molho curry (tomate, cebola, cominho, alho, semente de coentro, cardamomo, canela e cravo) e o Paneer Makhani, com cubos de ricota fresca ao molho amanteigado com alho, molho de tomate e especiarias.

Finalize a refeição com a Gulab Jamun, sobremesa comum em toda a Índia. Servidas quentes, as bolinhas de leite em pó fritas ganham sabor com calda de açúcar com essência de rosas, amêndoas e sorvete de creme.

A Cozinha de Sofia abre como restaurante uma vez por mês com menu inspirado na Itália

Toujours Fotografia/Divulgação
 


Continue a subir a Rua do Ouro e pare quando começar a sentir cheiro de carne. Vem do gastrobar Azougue Parrilla. Já entre no clima de churrasco com a linguiça caseira assada no pit smoker (assa e defuma, ao mesmo tempo) com farofa de cebola e vinagrete da casa. O mesmo equipamento é usado para preparar a costelinha de porco, outra sugestão de entrada, que chega à mesa acompanhada de molho barbecue e batata rústica.

Da parrilla, sai uma infinidade de cortes de carnes de boi, incluindo picanha, ancho e chorizo, além de tilápia e peito de frango. Todas são servidas com farofa de cebola e vinagrete da casa, mas você pode complementar o almoço ou o jantar com salada de mix de folhas, tomates grelhados, cebola roxa, picles de pepino e creme azedo; mandioca cozida na manteiga de garrafa; arroz com brócolis e alho; batata assada com gorgonzola, entre outros. Não vá embora sem pedir a broa de fubá com queijo canastra e coco, sorvete de doce de leite e calda de café. 

Reduto dos atleticanos

Nessa mesma calçada, à esquerda, está um dos pontos mais conhecidos pela boemia belo-horizontina: o Bar do Salomão. A esquina pontuda, onde a Rua do Ouro se encontra com a Palmira e a Amapá, é ocupada pela família há mais de 70 anos. Os avós de Salomão Jorge Filho, o atual dono, vieram da Síria e se instalaram no endereço, onde abriram um armazém. Mais tarde, Salomão, o pai, assumiu o negócio e o transformou em bar, que ganhou fama como reduto dos atleticanos.

Como era torcedor “fanático” do Atlético, Salomão foi decorando o espaço com tudo quanto era objeto do seu time e logo definiu o “mando de campo”. Salomão, o filho, que está no comando do balcão há 30 anos, entrou na “jogada”, instalou televisão para transmitir os jogos e viu o movimento “explodir”. Que fique claro: o bar não atrai a freguesia apenas pelo coração. Apesar de ter ficado famoso como ponto de encontro de atleticanos, conquista também pelo estômago, com uma comida simples e bem temperada.

“Boteco tem que ter cerveja gelada, comida gostosa e pimenta boa (não é molho). E também tem que ter um atrativo. O nosso é o futebol e no sábado fazemos um samba”, aponta.

Na época do pai, o forte do cardápio eram os tira-gostos – a mãe que fazia tudo. Bife à rolê e pimentão recheado com carne moída eram bem conhecidos. O filho apostou todas as suas fichas nos pratos feitos (PF), contratou cozinheira, aumentou o cardápio e o almoço virou campeão de vendas. Da cozinha, chegam a sair 200 pratos por dia.

Além do PF clássico, com arroz, feijão, salada, espaguete e carne, o Bar do Salomão trabalha com uma sugestão do dia. De segunda a sexta, a sequência vai de lombo assado com espaguete à bolonhesa; filé de frango com purê de batata; frango com quiabo e angu; tropeiro a feijoada, que se repete aos sábados. Os dias de mais vendas são os de tropeiro e feijoada. “O especial do tropeiro é a linguiça caseira, que não é uma qualquer. Tenho um fornecedor certo que vai no interior buscar. Já a nossa feijoada tem de tudo, pé, rabo, orelha, costelinha e paio. Sei de gente que tira, mas tem que ter. Fica mais saborosa.”

"Boteco tem que ter cerveja gelada, comida gostosa e pimenta boa", resume Salomão Jorge Filho, do Bar do Salmão, que serve de tira-gosto carne de panela com mandioca

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


Desde a hora em que abre, por volta das 10h30, o bar já começa a servir os petiscos, mas os pedidos se concentram mesmo mais no fim do dia. Língua, carne cozida, rabada, canjiquinha com suã e bolinho de mandioca são algumas das opções.

No ano passado, surgiu um boato de que o bar fecharia as portas. Na verdade, não era bem assim. A família estava negociando a venda do imóvel para uma drogaria e Salomão teria que se mudar. Mas ele aproveita para avisar: “Encerramos a conversa, sem chance de sair daqui.” Seu lema agora é “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. 

Donas do pedaço

A dois quarteirões da Avenida Bandeirantes, duas chefs tomam conta do pedaço. Bruna Rezende é uma das sócias do bar e armazém A Porca Voadora, a mais nova parada gastronômica na Rua do Ouro, inaugurada há três meses. De professora de educação física a cozinheira, ela passou por restaurantes como Cozinha Tupis e Birosca antes de empreender com Ivan Velasco e João Gabriel Valadares.

“Bar tem muito a ver comigo. Sou uma belo-horizontina nata, que gosta bem de boteco, de comida boa que te abraça junto com a cerveja. Por outro lado, sempre tive vontade de ter uma operação mais simples e menos burocrática.”

Polenta frita com tomate fermentado, bacon e queijo curado ralado (A Porca Voadora)

Luisa Macedo/Divulgação


O trio estava aberto a qualquer localização, desde que não fosse preciso fazer uma mega reforma. Uma amiga que mora perto foi quem viu o espaço para alugar. “Foi um encontro dos céus. Aí que me dei conta da oportunidade de estar na Serra, um bairro muito querido. Eu mesma já morei bem do lado.”

O nome era para ser divertido, assim como a logo, que mostra uma porca toda charmosa, de óculos, tentando voar amarrada a um balão vermelho. Já o cardápio traz uma seleção de sabores que os sócios buscam nos bares, por isso reúne clássicos como língua, moela, jiló e torresmo. Sempre com um toque diferente.

O jiló é cozido, recheado (com joelho de porco defumado e desfiado e pasta de pimenta coreana fermentada), empanado e frito. Acompanha um caldo de galinha bem “preguento”. Já a língua fatiada é para comer desmanchando com purê de batata finalizado com manteiga e alho assado.

O bar começou focado em petiscos para compartilhar. Depois do carnaval, entra em cena um novo cardápio, que terá algumas opções de refeição, como arroz de couve com creme de milho e sobrecoxa desossada, além do já aclamado costelão braseado com purê de banana-da-terra, vinagrete (com água de tomate fermentado e pimenta cambuci) e farofa de cebola.

Enquanto a feijoada reina no almoço de sexta, aos sábados os pratos vão variando. Você pode comer, por exemplo, arroz de tomate com fraldinha e salada de erva-doce e lombo defumado com cuscuz e creme de milho. Para beber, cerveja de garrafa e a famosa caipirinha do João, com dois limões (taiti e capeta).
Atrás do balcão fica o armazém, que apresenta uma seleção de produtos do cerrado, como castanha de pequi, óleo de buriti e sabão de coco de macaúba, além de conservas da casa, cachaças e molhos. 

Espaço múltiplo

Duas casas acima, na esquina com a Rua Bambuí, está A Cozinha de Sofia. A chef Sofia Marinho conta que a escolha do ponto envolveu uma “casualidade muito feliz”. O amigo com quem conversava sobre os planos de montar um espaço de cursos e eventos estava para sair daquela casa, que funcionava como loja de móveis. “Foi amor à primeira vista, tinha que ser aqui. O piso original é lindo e aproveitei a estante de farmácia de 1929”, relembra, dizendo que achou a localização “perfeita” para o seu público, que está mais na Região Centro-Sul.

O espaço entra em uma nova fase com o projeto “Cozinha Aberta”. Na terceira semana de cada mês, de quinta a sábado, ele funciona como restaurante, com reserva de mesas. De tanto o público pedir para conhecer a cozinha, Sofia decidiu abrir as portas com menu à la carte.

A cada edição do "Cozinha Aberta", Sofia Marinho lança um menu diferente: fraldinha fatiada com abóbora glaceada, vagem, farofa de avelã e demi glace já passou por lá

Toujours Fotografia/Divulgação
 

Os pratos são sempre inspirados na cozinha italiana. De entrada, a que mais fez sucesso até agora, a que causou o maior frenesi, por ser muito inusitada, foram os tomates verdes fritos com stracciatella e sua versão de bagna cauda (molho com tomate fermentado e colatura de aliche). “Quando fazem aliche, deixam um potinho para o líquido escorrer e recolhem. Essa é a colatura, um líquido âmbar, bem salgadinho, que tem sabor de fermentado”, explica.

A cada edição, tem um menu diferente. Entre os pratos principais, destaque para o cavatelli ao ragu de polvo e nduja (embutido italiano) e bacalhau com risoto de alho-poró e tapenade de azeitonas. A refeição pode ser finalizada com sobremesas como meringata com creme de chocolate branco, frutas vermelhas e suspiro e pera em especiarias com creme de mascarpone, farofa de castanhas e melaço. A carta de vinhos é pensada para harmonizar com os pratos.

Sofia avisa que vai lançar este ano um workshop de massas artesanais. Para quem não sabe, ela se envolveu com gastronomia na Praia da Pipa (RN) fazendo massas e lá ficou conhecida como a “menina das massas”. “Tenho estudado a fundo massas artesanais, já cataloguei mais de 75. Em abril, embarco para Bologna e Puglia com o intuito de aprender ainda mais e trazer ainda mais conhecimento. Amo ensinar”, ela revela, já deixando claro que não sua cozinha não vai virar restaurante.

A chef quer que o espaço continue a ser múltiplo, com aulas, eventos e venda de produtos de produção própria, como massas frescas resfriadas, o famoso patê de foie gras e antepastos tipo caponata. Seu plano é montar um armazém e desenvolver uma linha exclusiva de azeites, cafés e outros itens.

Polenta frita com tomate fermentado, bacon e queijo curado ralado (A Porca Voadora)


Ingredientes
2 litros de água; 120g de manteiga; 700g de fubá; 270g de polvilho azedo; 10g de fermento; 30g de vinagre; 2 ovos; 20g de alho picado; sal e pimenta a gosto; cebolinha e salsinha a gosto


Modo de fazer
Em uma panela, adicione água, manteiga, sal, pimenta e alho. Coloque para ferver. Assim que levantar fervura, adicione o fubá aos poucos, até que vire uma massa homogênea. Transfira a massa para uma bancada e espere esfriar um pouco. Incorpore os ovos e misture. Adicione o polvilho e vá sovando a massa por uns 5 minutos. Acrescente o fermento e o vinagre. Depois que a massa estiver uniforme, adicione cebolinha e salsinha. Acerte o sal. Com a massa pronta, transfira para um tabuleiro, ajeitando e fazendo com que ela ocupe todo o espaço por igual. Desinforme e escolha o formato para porcionar. Frite em imersão no óleo a 180°. Sirva com tomate fermentado, bacon e queijo curado ralado na hora.

 

Serviço


Cum Panio (@cumpanio)
Número 292
(31) 3225-5246

Curry Up! (@curryup_bistroindiano)
Número 327
(31) 98341-8561

Azougue Parrilla (@azougueparrilla)
Número 835
(31) 3582-3109

Bar do Salomão (@bardosalomaobh)
Número 895
(31) 3221-5677

A Porca Voadora (@aporcavoadorabar)
Número 1701
(31) 99172-2593

A Cozinha de Sofia (@acozinhadesofia)
Número 1725
(31) 99880-8009

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