Fama do jiló recheado do Bar do Zezé ultrapassa fronteiras -  (crédito: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

Fama do jiló recheado do Bar do Zezé ultrapassa fronteiras

crédito: Marcos Vieira/EM/D.A Press

Eles não estão no burburinho gastronômico da cidade. Ocupam áreas quase inteiramente residenciais. Mesmo assim, atraem pessoas de todas as partes de Belo Horizonte para tomar uma cerveja gelada e comer petiscos únicos. Aqui vamos chamar esses bares de faróis da boemia. São endereços fora da rota tradicional que iluminam pontos de pouco movimento comercial.


Quando decidiu abrir um bar com o pai, o chef Pedro Carnavali pensou em regiões mais boêmias da cidade. Circulou pelo Santa Tereza, Savassi e Centro, mas tudo o que encontrava era inviável financeiramente. Até que olhou para o imóvel na frente de casa e enxergou ali a oportunidade de realizar o sonho em família. Há três anos, instalou o Vila Maloca na Rua Manicoré, Bairro Cachoeirinha, Região Nordeste de Belo Horizonte.


No início, bateu aquela dúvida: será que o bar vai ficar restrito ao público do bairro? Mas um amigo foi chamando o outro, a notícia de que lá tinha comida boa se espalhou e o negócio ultrapassou as fronteiras da vizinhança.

Pedro Carnavali, do Vila Maloca, que fica no Cachoeirinha, quer estimular o público a circular mais pela cidade e conhecer lugares diferentes

Pedro Carnavali, do Vila Maloca, que fica no Cachoeirinha, quer estimular o público a circular mais pela cidade e conhecer lugares diferentes

Túlio Santos/EM/D.A Press


“A ideia do Vila Maloca é ser um bar e restaurante com boa comida e bom atendimento totalmente fora do circuito gastronômico da Região Centro-Sul. Tem gente que estranha o lugar, mas, quando começa a ser atendido, prova a comida e me conhece, entende e aceita muito bem a proposta. Percebi que, se a comida for boa, a pessoa não quer saber se vai andar muito ou pouco, quer experimentar. Aí depois vem a confiança. Hoje tenho clientes que são fiéis.”


De fato, o chef apostou todas as suas fichas nos pratos, com o pensamento de que “bebida tem em todo lugar, comida não”. Mas não só por isso, é o que ama fazer. Pedro cozinha desde pequeno, seguindo os ensinamentos das duas avós. Vem de uma família que sempre teve restaurantes e, depois de um tempo infeliz no ramo comercial, resolveu estudar gastronomia. Passou por casas como Trindade, Alma Chef e Patuscada, foi sushiman por um tempo, montou um negócio de delivery de massas e aprendeu a ser padeiro antes de montar o Vila Maloca.


“Tento juntar o trivial arroz com feijão, que todo mudo gosta, com receitas novas e sabores diferentes, levando em conta experiências que tive, o que aprendi e o que acho bom. Tenho petiscos que você não encontra em outro lugar em BH. Mas é uma comida raiz, sem firulas. Não fico enfeitando demais. Penso na potência de sabor. Quanto mais sabor colocar, melhor vai ficar”, explica.


Para o momento cerveja gelada e petisco, não faltam sugestões interessantes. “Não gosto de ser igual, quero fazer diferente.” Por exemplo, a coxinha tem recheio de moela. O espetinho de baconzitos é uma receita da avó, que fazia para receber a família em noites de buraco. Por cima da massa de pastel, bem crocante, tem uma tira de bacon e geleia de pimenta da casa. Pitoco é o curioso nome do lombo recheado com queijo canastra, parmesão e muçarela, empanado e frito. Acompanha maionese feita ali na cozinha.

Pratos autorais


O chef mostra seu trabalho mais autoral no biju (massa doce fininha e quebradiça) recheado com creme de costela e coberto com aioli de alho assado e crispy de couve. Chama a atenção o “Cupinzeiro”, petisco que une cupim desfiado, vários picles da casa (como beterraba, nabo e cenoura) e uma gema de ovo mole por cima. Não tem como não salivar vendo o molho roti vertendo em cima da gema, que escorre e entranha no amontoado de carne.


Entre os pratos da casa, lá está o cupim de novo, só que em outra versão. Braseado por 12 horas, é servido com pirão de milho e farofa crocante de torresmo. Também dá para almoçar ou jantar risoto de costelinha com crispy de alho-poró e arroz caldoso de costelão braseado com ervas, migas de pão e ovo estalado.


Durante a semana, além do cardápio a la carte, tem um PF (com arroz “soltinho”, feijão “bem temperado”, salada “fresca”, bife e batata frita) e uma opção do dia, como estrogonofe e tropeiro. Uma forma de comer bem a um preço bastante acessível. Não deixe de fechar a refeição com a combinação de sorvete de queijo, doce de leite, paçoca e telha de parmesão.

Bolinho de jiló com linguiça calabresa é um dos petiscos do Bença Bençoi que levam à mesa clássicos repaginados da cozinha mineira

Bolinho de jiló com linguiça calabresa é um dos petiscos do Bença Bençoi que levam à mesa clássicos repaginados da cozinha mineira

Victor Schwaner/Divulgação


Pedro já ouviu muito de cliente que deveria abrir o bar no Belvedere, na Savassi ou em outro bairro da Região Centro-Sul, mas o que ele quer é exatamente o contrário: estimular o público a circular mais pela cidade e conhecer lugares diferentes. “O Vila Maloca é único por estar onde está”, destaca o chef, que pesquisou a história do Cachoeirinha. O bairro se formou a partir de inúmeras vilas e uma delas é a Vila Maloca, daí o nome, que também se relaciona com a música “Saudosa Maloca”, de Adoniran Barbosa.


Em vez de ir para um ponto mais badalado, o plano é ampliar o Vila Maloca nos próximos meses, anexando o imóvel da esquina. O negócio que começou só com pai e filho atrás do balcão hoje contabiliza seis funcionários. Logo, logo o número de cadeiras vai saltar de 60 para 150, o que deve diminuir a fila de espera aos fins de semana – grande parte das pessoas são de bairros distantes – e também acomodar melhor o público do samba, realizado em um domingo a cada 15 dias. A música atrai cerca de 700 pessoas numa tarde e chega a fechar a rua.

Apaixonados pela Lagoinha


Mais ou menos na mesma época, o Bença Bençoi chegava ao Bairro Lagoinha, na Região Noroeste de BH. O bar fica “isolado” em um ponto da Rua Diamantina que praticamente não tem comércio. Marcelo Doche e o sócio buscavam, obrigatoriamente, uma casa com quintal e que não fosse na Região Centro-Sul. “Achamos essa casa, começamos a conhecer a história do bairro, onde nasceu a boemia belo-horizontina, e nos apaixonamos. Decidimos trazer a boemia de volta para a Lagoinha e estamos nessa luta desde então.”


No primeiro mês, praticamente não entrou ninguém no bar. Foi batendo o desespero, os sócios começaram a colocar em xeque tudo o que tinham pensando e chegaram a acreditar que tinham errado feio. Como um último suspiro, convidaram influenciadores para conhecer a casa. No sábado seguinte, não conseguiram atender todo mundo que apareceu. De um dia para o outro, tiveram que comprar um freezer para gelar mais cerveja e puderam, enfim, respirar aliviados.


A localização na antiga zona boêmia da cidade, ambiente aberto e descontraído, bom atendimento, cerveja gelada e tira-gostos fora óbvio formam um combo que agrada em cheio. Marcelo conta que o clima de casa de vó sobressai na percepção do público, tanto que já ouviu relatos de gente que se emocionou lembrando da infância. E isso dá o tom do cardápio, assim como a história do bairro.

"Cerveja gelada todo lugar tem, mas a comida e o atendimento é que fazem a diferença", comenta José Batista Martins, o famoso Zezé

"Cerveja gelada todo lugar tem, mas a comida e o atendimento é que fazem a diferença", comenta José Batista Martins, o famoso Zezé

Marcos Vieira/EM/D.A Press


Na carta de drinques, assinada por Conrado Salazar, a proposta fica bem clara. Pequi, café, jenipapo e jabuticaba são alguns dos ingredientes escolhidos que remetem aos quintais e às raízes de Minas. Já os nomes das bebidas homenageiam figuras icônicas do bairro e da região. Cintura Fina, fiel escudeira, amiga e confidente da lenda Hilda Furacão, é lembrada em um drinque com uísque, vermute, goiabada, bitter aromático, páprica defumada e tomate-uva confit. Instiga a descrição “sinuoso, agridoce e misterioso, tal qual ela”.


Os pratos levam à mesa clássicos repaginados da cozinha mineira. Tem bolinho de jiló com linguiça calabresa e croquete de vaca atolada (com recheio cremoso de carne desfiada e mandioca).


O carro-chefe continua a ser o torresmo de barriga, que de óbvio não tem nada. A chef e sócia Arlete Terezinha prensa a peça inteira para tirar o excesso de gordura e assa desse jeito. Só depois corta os pedaços e frita. Para acompanhar, chutney de abacaxi, molho de pimenta agridoce e farofa crocante de bacon. A língua, que sempre recebe elogios, é servida ao molho de cerveja preta com alcaparras, tomates e picles de mostarda em grãos.


No horário do almoço, as opções mudam diariamente. Você pode comer, por exemplo, lombo ao molho agridoce, batata rústica frita, arroz, feijão e salada e estrogonofe de frango, batata palha, arroz e salada.

Decisão certa


A maioria dos clientes são de outras regiões da cidade, algo que Marcelo vê com bons olhos. “Sabemos que aqui somos menos vistos e menos valorizados. O pessoal ainda dá uma importância muito grande para a Região Centro-Sul, mas temos visto a população apoiando mais negócios fora do eixo.”

Os sócios costumam ouvir pedidos de uma filial na Região Centro-Sul, mas eles deixam claro: o Bença, como é carinhosamente chamado, só faz sentido na Lagoinha. Olhando para trás, entendem que tomaram a decisão certa e que valeu a pena arriscar. Muitos vizinhos comentam, inclusive, que o bar levou alegria, movimento e luz (literalmente) para aquele ponto.

Prato que você só encontra no Vila Maloca: cupim desfiado, picles da casa, gema de ovo mole e molho roti servido à parte

Prato que você só encontra no Vila Maloca: cupim desfiado, picles da casa, gema de ovo mole e molho roti servido à parte

Túlio Santos/EM/D.A Press


Ter sido eleito o melhor bar de BH pelo Prêmio Cumbucca está ajudando a difundir a proposta e manter a casa cheia. “O prêmio veio com muita surpresa, apesar de muito trabalho. Sei que temos várias coisas que podemos melhorar e que vários bares da cidade são muito mais estruturados. Não somos da área – eu sou fisioterapeuta e meu sócio, químico – e resolvemos nos aventurar agora”, analisa Marcelo. Segundo ele, a responsabilidade só aumenta, na mesma medida da vontade de sempre melhorar. A cozinha quase dobrou de tamanho para agilizar os pedidos.


Parada obrigatória


Não importa a distância. As pessoas saem de todos os cantos de BH, de cidades da região metropolitana e até de outros estados (Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente) para comer e beber no Bar do Zezé, no Barreiro. O bar não está em uma área turística (aliás, o entorno tem muito pouco comércio), mas é ponto de parada obrigatório para quem aprecia a boa e velha boemia. No salão, que fica cheio (às vezes lotado) em qualquer dia da semana, misturam-se turistas e locais.


“Isso tem a ver com um conjunto de fatores, mas nesse conjunto estão boa comida e bom atendimento. Cerveja gelada todo lugar tem, mas a comida e o atendimento é que fazem a diferença. Aqui recebemos como se as pessoas estivessem na casa da gente. É o que faz o cliente voltar”, comenta José Batista Martins, o famoso Zezé. Alfa Cota Martins, sua esposa, é a responsável pelas delícias do cardápio. “Ela que cozinha, eu só levei a fama”, diverte-se o fundador do bar.

Os drinques do Bença Bençoi homenageiam figuras icônicas do Lagoinha; entre elas, Cintura Fina, fiel escudeira de Hilda Furacão

Os drinques do Bença Bençoi homenageiam figuras icônicas do Lagoinha; entre elas, Cintura Fina, fiel escudeira de Hilda Furacão

Victor Schwaner/Divulgação


Zezé sempre morou no Barreiro. Veio de São Domingos do Prata para BH aos 12 anos. Trabalhou na siderúrgica do bairro, mas sempre quis montar um negócio próprio. Sua família tem história antiga com bares e restaurantes.


Em 1980, ele abriu uma mercearia do lado de casa. Com a chegada dos supermercados, foi perdendo espaço e decidiu abrir um boteco. Começou no ano 2000 com quatro mesas na garagem. “Quando virou bar, precisava trazer gente de fora, porque só com o pessoal do bairro não daria. Em 2004, entrei para o Comida di Buteco e ganhei. Quem vinha trazia mais fregueses. Acabei com a mercearia e fiquei com o bar. Tinha gente que ligava para reservar mesa para 20 pessoas e eu só tinha quatro, lotava. Foi uma loucura, mas valeu a pena.”


As paredes ajudam a contar a história do bar. Em uma delas, Zezé preserva prateleiras com o estoque da cozinha, que virou uma decoração para lembrar os tempos da mercearia. Em outra parede, ele exibe com orgulho os prêmios do Comida di Buteco. Já ganhou três vezes a competição.

Jiló sem amargar


O prato que começou a levar pessoas de longe para o Bar do Zezé é o “Encontro Marcado”, até hoje um dos mais pedidos, com polenta, queijo minas, carne de panela e jiló recheado com bacon. “Quase ninguém comia jiló. Colocava para vender na mercearia e falavam que era comida de passarinho, que amargava, quase tudo amarelava. Aí inventei jiló recheado. Foi a minha salvação, todo mundo gostou.” Zezé não esconde como faz para diminuir o amargor: põe o jiló já recheado na panela com água e caldo de carne, cozinha com meia tampa e o “amargo sai no vapor”.


Tem boa saída o “Ouro das Gerais”, que une carne serenada, creme de mandioca e bolinhos de canjiquinha com recheio de queijo minas. Falando em bolinhos, os de carne e de milho verde com bacalhau também fazem muito sucesso. “Quando era criança, no interior, minha mãe fazia bolinho de milho verde na época do milho. Aí trouxe a receita dela, que estava com uma irmã. Acrescentei o bacalhau e bolei a geleia de pimenta com morango”, conta.


Zezé está lá praticamente todos os dias (“só quando saio para pescar”). Gosta de ficar no salão e receber os clientes. Sempre tem alguém que pede para tirar uma foto com ele. “Recebemos gente de tudo quanto é lugar. As pessoas conhecem, voltam e vão indicando para mais pessoas. Hoje o bar tem muito cliente, quase não damos conta, é fila quase todo dia. Tudo o que se faz com amor dá certo.”


Apesar das inúmeras propostas, ele nunca nem pensou em abrir outro bar, ainda mais em outro lugar. Diz que é melhor não mexer no que está dando certo, seria difícil manter o padrão. “Às vezes, a pessoa fica cinco anos sem vir e quando volta fala que não mudou nada a qualidade. Mas não pode mudar mesmo, esse é o segredo.” Alfa coordena o trabalho na cozinha (“tudo passa pelos olhos dela”) e garante o tão elogiado padrão de qualidade, que os colocou na lista dos 100 melhores bares do Brasil, pela revista Exame. 


Arroz de costelão braseado com ervas, migas de pão e ovo estalado (Vila Maloca)


Ingredientes
500g de costela; 100g de cebola; 4 dentes de alho; 1 ramo de alecrim; 1 ramo de tomilho; 50g de páprica doce defumada; 40g de sal; 25g de pimenta; 50g de mostarda amarela; 30g de mel; 2 dentes de alho; 50g de cebola; 350g de arroz; 1 litro do caldo da costela; 30 g de cebolinha; 2 ovos; 200g de farinha panko; 80g de manteiga; sal e pimenta a gosto


Modo de fazer
Misture a cebola, alho, alecrim, tomilho, páprica, sal, pimenta, mostarda e mel com a costela. Coloque a costela em uma assadeira. Cubra com água e feche com papel-alumínio. Asse a 85 graus por 16h. Caso abaixe o nível da água, acrescente mais para não secar. Refogue o alho e a cebola. Em seguida, coloque o arroz e o caldo do cozimento da costela. Deixe cozinhar por 10 minutos em fogo médio. Finalize com cebolinha, sal e pimenta-do-reino. Para deixar o arroz mais caldoso, acrescente mais caldo de costela. Derreta a manteiga. Em seguida, coloque na panela toda a farinha com sal e pimenta e misture até dourar em fogo baixo. Reserve para finalizar o prato. Frite dois ovos estalados com gema mole para acompanhar o arroz.

Serviço


Vila Maloca (@vila_maloca)
Rua Manicoré, 278, Cachoeirinha
(31) 99568-7457

Bença Bençoi (@benca.bencoi)
Rua Diamantina, 492, Lagoinha
(31) 99228-2124

Bar do Zezé (@bardozeze)
Rua Pinheiro Chagas, 406, Barreiro
(31) 3384-2444