Artes Cênicas

Morre, aos 84 anos, Teuda Bara, atriz do Grupo Galpão

Cofundadora da companhia mineira, ícone do teatro estava internada no Hospital Madre Teresa. Velório será amanhã (26/12), no Palácio das Artes

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Da vida o espelho verdadeiro, como pregou o samba da Vila Isabel, Teuda Bara foi o teatro até o final. A atriz, que completaria 85 anos em 1º de janeiro, morreu hoje (25/12), no Hospital Madre Teresa. Ela estava internada desde 14 de dezembro, quando passou mal em casa e sofreu uma fratura na perna. A causa da morte foi septicemia com falência múltipla dos órgãos.

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Em sua conta no Instagram, o Grupo Galpão fez o comunicado. "A partida de Teuda representa uma perda imensurável para o Grupo Galpão, o teatro brasileiro e todos que tiveram o privilégio de conviver com ela. Ao mesmo tempo, fica a profunda gratidão pela alegria, pela força e pela luz raríssima que Teuda espalhou ao longo de tantos anos de vida e criação. Dividir o caminho com ela foi um presente — um exercício diário de amor, generosidade e coragem artística."

O velório da atriz será realizado nesta sexta (26/12), a partir das 10h, no Palácio das Artes.

Teuda esteve no palco até 13 de dezembro, quando apresentou, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium o espetáculo "Doida". A sessão comemorou os 10 anos da peça, que encenou ao lado do filho caçula, Admar Fernandes. No dia 14 deste mês ela faria uma segunda apresentação, cancelada porque a atriz passou mal. No dia 9/12 ela recebeu, da Câmara Municipal de Belo Horizonte, o grande colar do mérito legislativo, que reconhece personalidades notáveis para a história da capital mineira.

 


Coração do Grupo Galpão, que cofundou em 1982, deixou uma série de grandes personagens, o mais célebre deles a ama de “Romeu e Julieta”. Transitou da comédia ao circo, do clássico ao contemporâneo, com forte comunicação com o público. Participou de 21 dos 26 espetáculos da trupe mineira. Com o Galpão, seu último espetáculo foi “Cabaré Coragem”.

 

Amigo há mais de 40 anos da atriz - "nós somos uma família" - com quem cofundou o Galpão, o ator e diretor Eduardo Moreira falou ao Estado de Minas:  “Era uma pessoa encantadora, profundamente alegre e positiva. Não tinha tempo ruim com ela, que tinha essa paixão pelo teatro e pela vida.”

“Ela era, de fato, a atriz mais conhecida do Galpão. Claro que a ama de ‘Romeu e Julieta’ foi muito marcante, mas ela também fez a Nossa Senhora de ‘A Rua da Amargura’, a chefe dos Correios de ‘O Inspetor Geral’. Além de tudo, o ‘Nós’ foi uma peça feita em cima dela, que foi a protagonista.” Eduardo acrescentou que Teuda era do “tipo molieresca”. “Assim como ele (Molière) morreu em cena, eu tinha certeza de que ela também iria”, acrescentou ele, lembrando-se da derradeira apresentação, há menos de duas semanas.

Teuda ocupou todos os espaços, sempre acompanhada de sua impagável gargalhada, que chegava sem pedir licença. Fez o próprio caminho, deixando de lado a vida que programaram para ela.

Nascida em Belo Horizonte no primeiro dia do ano de 1941, foi criada entre extremos. O pai, o major do Corpo de Bombeiros Augusto Mário França Fernandes, era trombonista e gostava da noite. A mãe, a enfermeira Helena Magalhães Fernandes, muito religiosa, queria que sua primogênita (de seis filhos) fosse freira.

Teuda Magalhães Fernandes seguiu, na medida do possível, o riscado. Estudou em colégio católico, aprendeu a bordar, chegou a ter um noivo por oito anos. “A única contradição na vida do meu pai, que era muito machão com a minha mãe, era que ele não queria que a gente casasse. Queria que a gente fosse profissional liberal, achava importante a independência profissional das filhas”, contou Teuda, em 2008, ao programa “Memória & poder”, da TV Assembleia.

A independência começou com o fim do noivado, motivado por uma ida (dela) a uma boate do Maletta. Longe das amarras, conheceu o circo, namorou um trapezista. Pensava em estudar Direito, até ser convencida de que deveria fazer Ciências Sociais. No Diretório Acadêmico da UFMG, se apaixonou pelo teatro.

No D.A., conheceu José Celso Martinez Corrêa, Julien Beck e Judith Malina. Foi também numa noitada iniciada na UFMG que Teuda viveu uma de suas muitas (e impagáveis) histórias. Em 1972, depois de uma palestra de Chacrinha na Fafich, ela ficou no grupo incumbido de ciceronear Abelardo Barbosa.

A noite foi longe, com muito uísque e cachaça.“Ele ficava batendo a mão nas minhas coxas e falava: ‘Vamos para o Rio comigo, vamos lá para você ser chacrete’”, contou Teuda ao Estado de Minas em 2015. “Eu falava: ‘Não posso ser chacrete, sou gorda’. E ele: ‘Minha filha, faço programa para as classes C e D. Eles gostam de mulher peituda e coxuda’”. Teuda não foi, mas esse “causo” virou o mote de sua biografia, “Comunista demais para ser chacrete”, de João Santos (2015).

A vida estudantil foi interrompida no início dos anos 1970. No período mais duro da ditadura militar, Teuda deu um basta. Sem lenço e sem documento, como cantava Caetano Veloso, virou hippie. Rodou de carona o Nordeste, fez artesanato, desbundou geral.

No retorno a Belo Horizonte, o teatro virou coisa séria. Ela estreou profissionalmente em 1976 em “Viva Olegário”, sob a direção de Eid Ribeiro. Foi inclusive o encenador quem lhe batizou Teuda Bara, uma homenagem à estrela da era do cinema silencioso Theda Bara. Depois de assistir a uma apresentação de “Ensaio geral do carnaval do povo”, mudou-se para São Paulo para trabalhar com José Celso e o Teatro Oficina. Levou seu primeiro filho, André, então com quatro anos.

Em São Paulo, descobriu-se grávida novamente. Houve quem lhe sugerisse um aborto. Zé Celso, segundo Teuda contou, colocou a mão na barriga dela e disse: ‘Não aborta. Ele vai ser artista, um criador’”. Ela voltou para BH para ter Admar, seu segundo filho - que atuou com Teuda no espetáculo “Doida” (2015), nascido a partir do conto homônimo, de Carlos Drummond de Andrade.


No início da década de 1980, ela participou de uma oficina com integrantes do Teatro Livre de Munique. Foi ali que conheceu Antônio Edson, Eduardo Moreira e Wanda Fernandes, os outros três cofundadores do Grupo Galpão. O primeiro espetáculo, “E a noiva não quer casar” (1982), todo encenado com pernas de pau, nasceu a partir dos figurinos que eles tinham. Como havia um vestido de noiva, ela deu o mote à montagem de rua. Eduardo queria que Teuda fosse a noiva, ela contou certa vez. “Eu era mais velha e gorda, e o vestido serviu para a Wandinha. Eu fui ser o pai.”

Um ponto determinante para o desenvolvimento do grupo foi a compra de sua sede própria, em 1989, um galpão na Rua Pitangui, no Horto. Foi ali que o Galpão ensaiou “Álbum de família” (1990). Com direção de Eid Ribeiro, o espetáculo foi um marco. Foi nessa época que os atores conheceram o diretor Gabriel Villela, durante uma apresentação em São João del-Rei. A história segue com Villela ouvindo “Marinheiro só, marinheiro só” na Europa. Foi atrás do grupo de garotos e descobriu que eles conheceram a música com um grupo teatral brasileiro, chamado Galpão.

Foi Vilela quem propôs trabalhar com o grupo. Divisor de águas na trajetória da companhia, “Romeu e Julieta”, que estreou em Ouro Preto na noite chuvosa de 12 de setembro de 1992, foi uma virada de chave também para a trajetória da atriz. As falas debochadas da ama que carregava grandes sacos plásticos presos sobre os seios garantiam as maiores gargalhadas do público no sem número de apresentações que a peça teve, nas ruas e nos palcos, ao longo das décadas, até 2013.

O Galpão a levou ao Cirque du Soleil. O diretor Robert Lepage se encantou com a ama de “Romeu e Julieta” quando assistiu à trupe na célebre temporada no Shakespeare’s Globe Theatre, em 2000, na Inglaterra. Aos 64 anos, Teuda recebeu dele o convite para atuar em uma montagem da companhia canadense.

Sem falar inglês, a atriz mudou-se em 2004 para a América do Norte. Ficou uma temporada em Quebec, no Canadá, o QG do Cirque du Soleil, e depois foi para Las Vegas. Foram dois anos no elenco do espetáculo “Kà”, onde viveu outra ama, responsável por dois órfãos que fogem de um ataque inimigo.

“(Las Vegas) É um lugar ruim de morar, uma vida artificial, uma bobajada sem coisa cultural. Vi todos os shows, Celine Dion, Elton John, luta livre. Mas era só diletantismo. Chega uma hora que é muito ruim fazer a mesma coisa todo dia. Estava com uma saudade enorme de trabalhar junto e o Cirque du Soleil é uma grande ilusão em que você faz o que faz”, disse ela, que não quis renovar contrato.

Voltou ao Brasil em 2007, retomou o trabalho com o Galpão e passou a atuar na TV e no cinema. Entre elas, representou a Dona Zaira, de “O palhaço”(2011), de Selton Mello, e a Madalena de “As duas Irenes”(2017), de Fábio Meira (1979), exibido no Festival de Berlim. Atuou ainda na novela “Meu pedacinho de chão”(2014) e na série “A vila”(2017), de Paulo Gustavo.

Da fase mais contemporânea do Galpão, um destaque foi “Nós” (2016), dirigido por Márcio Abreu. Teuda foi uma das figuras centrais do espetáculo, protagonizando cenas intensas sobre solidão e exclusão.

Paralelamente ao trabalho com o grupo, continuou seus voos solos. Outro destaque foi o monólogo “Luta”, Com texto e direção de Marina Viana, Cléo Magalhães e João Santos, o projeto nasceu alguns anos atrás, “quando estourou a confusão daquele governo horrível, que nos tirou o patrocínio”, disse ela ao EM em 2024, referindo-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

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Também protagonizou o curta “Ressaca”, de Pedro Estrada, história nascida a partir do livro “Comunista demais para ser chacrete”. Lançado no ano passado, foi um laboratório para o longa “Balbúrdia”, rodado recentemente em Belo Horizonte.

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