Os atores Babi Amaral, Alexandre Cioletti e Teuda Bara em cena

Alexandre Cioletti e Babi Amaral dividem o palco com Teuda Bara na montagem cuja temporada, de hoje a domingo, tem ingressos esgotados

Flávia Canavarro/Divulgação


Perder a mãe é um vazio na alma. Assim o diretor Carlos Gradim define sua experiência. Do vazio na alma pela perda da mãe, há aproximadamente dois meses, ele resolveu montar uma peça que tratasse do tema da perda.
 
“Quando a noite chegar” estreia nesta sexta-feira (30/6) e cumpre curta temporada até domingo, no teatro da Funarte, com ingressos já esgotados. No palco, Babi Amaral e Alexandre Cioletti contracenam com Teuda Bara, do Grupo Galpão. Há ainda participações em projeções de Rogério Falabella, Ione Medeiros, Camille K, Wilma Patrícia, Aruana Zambi e Amir Haddad. Os ingressos já estão esgotados.

Diferentemente das dramaturgias convencionais, a peça de Gradim não segue uma narrativa linear. É como se o diretor criasse três ambientações. No primeiro momento, que ele chama de dramático, Babi e Alexandre precisam lidar com a dor de se despedir da mãe, interpretada por Teuda. Conforme a morte se aproxima da matriarca, lembranças e sentimentos carinhosos são trazidos à tona e elevados à máxima potência.

A segunda ambientação da peça ele caracteriza como um “épico”. Evocando Brecht (1898-1956), os atores derrubam a quarta parede, a fim de discutir e questionar com a plateia mudanças que vêm ocorrendo na sociedade em razão dos avanços tecnológicos. A capacidade da inteligência artificial de escrever textos literários é o principal ponto tratado nesta parte da peça.

Por fim, a terceira e última ambientação de “Quando a noite chegar” é composta pela participação em projeções dos artistas acima citados. Mineiros e com mais de 70 anos de idade, eles falam, em jogo de cena com Teuda - que, do palco contracena com os hologramas -, sobre envelhecimento, o tempo que resta, o efêmero e o eterno.

Saudável provocação

Foi a partir desses depoimentos que Gradim teve a ideia de montar a peça. Tudo começou em meados de 2020, durante a crise sanitária. Com as atividades culturais suspensas, o diretor participou de uma oficina com Tatyana Rubim, do Projeto Teatro em Movimento, na qual os participantes foram provocados a estabelecer um diálogo entre as redes sociais e o teatro. 
 
O resultado final não poderia ser um produto em audiovisual, e sim algo que partisse do audiovisual, mas que bebesse na fonte do teatro e criasse um espaço híbrido entre o presencial e o virtual.

“Nesse momento, minha mãe, que tinha 100 anos e era rodeada de gente – além de ter um cronograma de visitação, ela também participava de grupos de oração –, viu tudo isso completamente extirpado da vida dela. Nós tínhamos encontros virtuais diários. Daí surgiu o desejo de trazer depoimentos de atores com idade mais avançada, que nessa situação sentiam muito mais o confinamento por se sentirem muito mais próximos do fim, o que se traduzia no comportamento da minha mãe”, afirma Gradim.
 

O primeiro lugar que o diretor procurou foi o Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Mas em seguida decidiu fazer um recorte mais específico para contemplar atores e atrizes mineiros.

Ao longo das gravações, Edmundo de Novaes Gomes, que assina o texto de “Quando a noite chegar” e trabalhou com Gardim desde o início da oficina, foi mapeando e selecionando trechos dos depoimentos. Ele partiu desses trechos selecionados para compor a dramaturgia.

“Por unanimidade, todos os artistas entrevistados disseram que o maior desejo deles era, antes de se despedir da vida terrena, estar em cena. E estar em cena, inclusive, com as dificuldades que cada um deles já traziam dado à longevidade”, conta Gradim. Um dos depoimentos gravados foi o de Teuda Bara. Contudo, ao invés de projetá-la no formato de holograma, o diretor a convidou para integrar o elenco, inserindo passagens da vida pessoal da atriz no roteiro da peça.

“Pra mim foi uma enorme surpresa”, conta Teuda. “Eu não sabia de nada disso, não”, emenda, caindo na gargalhada. A passagem da vida de Teuda que Gradim e Edmundo selecionaram para integrar a peça foi a primeira vez que ela foi a uma boate, no Edifício Arcângelo Maletta, ainda na década de 1960. O que hoje seria algo banal e corriqueiro para qualquer moça de 20 e poucos anos foi um escândalo à época e culminou no término de um noivado de oito anos.

“Eu fazia pastelzinho, bolinho e empadinha para ele (noivo), e ele chegava lá em casa para jogar buraco com meu pai. Era assim. Aí eu fui no Maletta e fiquei alucinada quando vi aqueles copos de gim brilhando no escuro”, lembra a atriz. 

“Quando contei para o meu noivo que tinha ido lá, ele ficou enfurecido. Primeiro, não acreditou. Depois, ficou um mês brigando. Aí eu falei: ‘Você está brigando por quê? Aí ele disse que sabia que eu não tinha feito nada lá, mas que os amigos dele não saberiam disso. Respondi: ‘E o que eu tenho com isso? Não posso responder pelos seus amigos’. A gente terminou, eu fui fazer teatro e aquilo mudou minha vida.”

Teuda e os hologramas

Com uma carreira longeva e prolífica, Teuda ainda não havia, contudo, contracenado com hologramas. “Eu já tinha visto uma peça com holograma num festival na Venezuela. No tempo em que a Venezuela tinha festival de teatro”, diz. “Mas era uma coisa tão sigilosa. Eles trouxeram os técnicos do Canadá, ninguém podia ir ao palco nem nada. Agora estou tendo a oportunidade de trabalhar com eles (hologramas). É um desafio muito grande, ainda estou aprendendo, mas estou gostando bastante.”

Segundo Gradim, a atriz tirou de letra esse desafio. “Ela está conduzindo muito bem essa história, falando um pouco dessa finitude do ser humano. E, mais importante, deixando a mensagem: ‘O importante é viver, porque a morte é inevitável”, ressalta o diretor.

“QUANDO A NOITE CHEGAR”

• Texto: Edmundo de Novaes Gomes
• Direção: Carlos Gradim. Com Teuda Bara, Babi Amaral e Alexandre Cioletti
• Participações de Rogério Falabella, Ione Medeiros, Camille K, Wilma Patrícia, Aruana Zambi e Amir Haddad
• Nesta sexta (30/6) e sábado, às 20h; domingo (2/7), às 19h
• No teatro da Funarte (Rua Januária, 68, Centro)
•Ingressos esgotados