Isabelle Huppert em cena do longa A sindicalista

Isabelle Huppert protagoniza "A sindicalista", filme que estreia hoje no UNA Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas

Guy Ferrandis/divulgação

A história de Maureen Kearney daria um filme. Não à toa, o cineasta e roteirista francês Jean-Paul Salomé se debruçou sobre ela, com Fadette Drouard, para desenvolver o roteiro de “A sindicalista”, que estreia nesta quinta-feira (29/6), no Una Cine Belas Artes e na sala de cinema do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Baseado em livro-reportagem homônimo de Caroline Michel-Aguirre e estrelado por Isabelle Huppert – com atuação brilhante, diga-se –, o longa acompanha o drama de Kearney (papel de Huppert), representante sindical no comando da estatal francesa de energia nuclear Areva, ao descobrir que o novo presidente da companhia está com planos de transferência de tecnologia para a China.

Tudo começou em 2012, quando a antiga presidente da Areva, Anne Lauvergeon (Marina Fois), foi afastada do cargo por Nicolas Sarkozy (não representado no filme), então presidente da França.

Histeria machista

A chefia da estatal passou para Luc Oursel (Yvan Attal), homem temperamental e um tanto quanto histérico. Para piorar, é machista e incapaz de ver competência no trabalho das mulheres que estão em posição de destaque na Areva. Ele, inclusive, chegou a se referir à antecessora como “histérica de saias”, cortou o orçamento para os seminários sobre igualdade de gênero e encerrou o programa de acesso de mulheres a cargos de chefia.

Oursel pretendia, por meio de um contrato secreto, vender a tecnologia da Areva para os chineses. Se desse certo, o número de funcionários da estatal passaria de 50 mil para algo no entorno de 12 mil.

O esquema de transferência tecnológica de Oursel, no entanto, foi descoberto e denunciado por Maureen Kearney. A Areva já vinha de um histórico de greves dos funcionários, motivadas pelo receio de privatização da empresa, e escândalos de supostos casos de corrupção –  em 2007, as contas da estatal foram alvos de investigação em um episódio que ficou conhecido como “Caso Uramin”.
 
Kearney tentava estabelecer o diálogo e solução pacífica entre os grevistas e a empresa, quando descobriu os planos de Oursel.

Com a descoberta, ela começa a pressionar o chefe no intuito de que não só admitisse como revogasse qualquer iniciativa de venda de conhecimento da Areva para os chineses, o que não foi aceito por ele.
 

Quanto mais Oursel tentava se desvencilhar da pressão de Kearney, mais ela tentava fechar o cerco para atingi-lo. A representante sindical foi até o Parlamento francês denunciar o presidente da estatal e chegou a marcar uma reunião com François Hollande, sucessor do presidente francês Sarkozy, para tratar do assunto.
 
No dia do encontro, Kearney é encontrada por sua diarista no porão de casa, amarrada a uma cadeira, com um corte no formato de triângulo na barriga e uma faca inserida na vagina.

A polícia dá início a investigação, feita porcamente, por detetives homens que se mostram completamente despreparados.

Alguns elementos colocam dúvidas sobre a veracidade da versão de Kearney. As fitas adesivas usadas para amarrar mãos e pés da sindicalista, por exemplo, eram dela, assim como a faca. E nenhum vestígio de DNA foi deixado na cena do crime.

Contudo, outros fatos, como a impossibilidade de Kearney amarrar seus pés à cadeira, colocar um capuz na própria cabeça e em seguida amarrar suas mãos às costas, dando sumiço na fita adesiva, além do tratamento que ela fazia no ombro direito, que imobilizou seu braço, foram completamente ignorados pelo delegado do caso (interpretado por Pierre Deladonchamps).

Sem calcinha

Os investigadores se ativeram mais ao fato de que Kearney era ex-alcoólatra e quando tinha 20 anos denunciou ter sido vítima de estupro, perdendo a causa porque no dia do crime estava sem calcinha. Tais fatores foram cruciais para as autoridades colocarem em dúvida a integridade moral da vítima.

Por fim (não é spoiler, porque o caso de Kearney é público), Kearney é inocentada das acusações de forjar o próprio ataque. Mas a sentença só veio na segunda instância do julgamento. Inicialmente, ela foi exposta e humilhada no tribunal, condenada à prisão, além de ter que pagar multa de 5 mil euros.

A reparação só veio em 2018, quando a Justiça francesa reconheceu que a investigação cometeu erros. A identidade dos culpados do crime, no entanto, nunca foi descoberta.
 
Mais do que retratar o tormento de Maureen Kearney, “A sindicalista” propõe uma reflexão a respeito dos absurdos que ocorrem por causa do machismo, deixando sutilmente a questão: se a mesma história se passasse com um homem, o tratamento (por parte da polícia, Justiça e da própria presidência da Areva) seria o mesmo?

“A SINDICALISTA”

• França/Alemanha, 2023, 121min, de Jean-Paul Salomé, com Isabelle Huppert, Grégory Gadebois e Yvan Attal
• Em cartaz no UNA Belas Artes 1 (16h e 20h) e Centro Cultural Unimed-BH Minas 1 (18h10)