Brasil dá adeus ao pioneiro Haroldo Costa
Intelectual carioca combateu o racismo e foi o primeiro ator negro no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro
compartilhe
SIGA
Primeiro negro a atuar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Haroldo Costa morreu no sábado (13/12), aos 95 anos, no Rio de Janeiro, onde estava internado para tratar de problemas de saúde decorrentes da idade. O corpo será velado nesta segunda-feira (15/12) na quadra do Salgueiro, escola de samba pela qual era apaixonado.
Ator, diretor, jornalista, produtor cultural e pensador do carnaval, o carioca Haroldo Costa teve papel de destaque na luta antirracista e na valorização das expressões culturais afro-brasileiras.
Leia Mais
O jovem Haroldo trabalhou como balconista de livraria antes de chegar aos palcos por meio do Teatro Experimental do Negro (TEN), importante grupo fundado por Abdias do Nascimento nos anos 1940.
Em depoimento ao Museu da Pessoa, relatou que o pai lhe deu um panfleto sobre alfabetização para adultos promovida pelo TEN. Foi até lá ajudar, pois tinha boa formação escolar. Começou quase por acaso, substituindo um colega na montagem da peça “O filho pródigo”, de Lúcio Cardoso, em 1948.
Ali, tornou-se companheiro de Ruth de Souza e Milton Gonçalves, artistas que, como ele, lutaram por espaço para os negros tanto na sociedade quanto no cinema, teatro e televisão do país.
Costa participou da criação do Grupo dos Novos, cujo nome seria alterado para Teatro Folclórico Brasileiro e, posteriormente, Brasiliana, companhia de danças folclóricas. Por cinco anos, a trupe levou a cultura popular brasileira a 25 países da Europa e da América.
'Orfeu da Conceição'
Em 1956, Haroldo Costa protagonizou “Orfeu da Conceição”, que marcou o início da parceria entre Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim. O musical fez dele o primeiro ator negro a pisar o palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A peça tinha cenários de Oscar Niemeyer e cartaz de Carlos Scliar.
O pioneirismo não se limitou ao Municipal. Costa foi o primeiro ator negro a intepretar Jesus, o que ocorreu numa montagem de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. Integrou o elenco de “O pagador de promessas” e “Xica da Silva”, entre outras peças.
A partir dos anos 1960, dirigiu e participou de atrações das rádios MEC e Mayrink Veiga. Na televisão, dirigiu musicais e atrações de auditório, trabalhando com Dercy Gonçalves, Chacrinha e Moacyr Franco.
Participou de produções de cinema e TV, como “Chiquinha Gonzaga”, “Suburbia”, “Seu eu fosse você 2”, “Casa de areia” e “Dona Flor e seus dois maridos”.
Na extinta Rede Manchete, ele atuou nas novelas “Kananga do Japão”, “A história de Ana Raio e Zé Trovão” e “Amazônia”.
Salgueirense apaixonado, era autoridade em samba e carnaval, presidente de honra do júri do Estandarte de Ouro e comentarista de desfiles das escolas.
'Fala, crioulo'
Como historiador, escreveu 15 livros, dois deles dedicados à escola do coração: “Salgueiro: Academia do Samba” (1984) e “Salgueiro: 50 anos de glória” (2003). Também lançou “Fala, crioulo – O que é ser negro no Brasil”, entre outros títulos.
“O 'Fala, crioulo' é um livro que nasceu logo depois da extinção do AI-5. Porque sempre me incomodou esse papo de democracia racial, essas coisas que se tem oficialmente e que não correspondem à verdade”, contou Haroldo. “Peguei uma série de pessoas, algumas conhecidas, a maioria, não. Tem pivete, prostituta, tem tudo. Era para dar um espectro. E saiu o 'Fala, crioulo'.”
Ontem, o Ministério da Igualdade Racial se solidarizou com familiares, amigos e companheiros e companheiras de luta de Haroldo, ressaltando que a morte do artista “representa uma perda imensa para a luta antirracista, para a cultura negra e para a memória viva do Brasil”.