Cinema

"Voz de aluguel" é a atração do Festival de Cinema Francês no Ponteio

Filme é baseado no romance "Le répondeur", de Luc Blanvillain, e conta a história de um comediante decadente que empresta a voz a um escritor de sucesso

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Ninguém melhor do que os franceses para levar questões existenciais ao cinema. Até mesmo nas comédias, como confirma “Voz de aluguel”. Em cartaz no Cine Ponteio nesta segunda-feira (8/12), às 15h55, dentro da programação do Festival de Cinema Francês do Brasil 2025, o longa de Fabienne Godet acompanha uma escalada moralmente perigosa que começa como um serviço inocente e termina como uma usurpação de identidade.

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Baseado no romance “Le répondeur” (algo como “A secretária eletrônica”, em tradução livre), de Luc Blanvillain, o filme segue o ponto de virada na vida do comediante Baptiste (Salif Cissé). Sem conseguir se apresentar em grandes casas de shows, ele ganha a vida como atendente de telemarketing, um trabalho cansativo, em que mal completa uma frase sem que desliguem em sua cara.


Nos fins de semana, Baptiste se apresenta no pequeno teatro de um amigo. É graças a uma dessas noites que ele conhece o escritor de sucesso Pierre (Denis Podalydès), que surge com uma proposta insólita: pede que Baptiste seja sua “voz de aluguel”.


A ideia é simples. O comediante ficaria com o celular de Pierre para atender, imitando a voz dele, todas as ligações recebidas. Baptiste hesita. Algo o incomoda. “E se eu usasse tudo o que sei sobre sua vida para te chantagear? Poderia acabar com a sua vida”, responde. Pierre, no entanto, está convicto. Confia no caráter de Baptiste, talvez até mais do que ele próprio. “Você faria isso?”, pergunta. E recebe um imediato “não”.

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Baptiste aceita ser a voz de Pierre pelo tempo necessário para que o escritor conclua o romance em que trabalha. Ganha, então, uma caderneta com os nomes e informações das pessoas que mais ligam.


“O que mais me encanta no Baptiste é o aspecto misterioso dele”, diz Salif Cissé, em entrevista ao Estado de Minas. “A gente sabe apenas um pouco sobre a vida dele e as coisas que ele faz, mas nada sobre a relação com os amigos e a família”, acrescenta.


Esse mistério, contudo, não ofusca seu caráter. Em pequenos gestos, Baptiste revela ser um homem bom, trata todos com gentileza, reconhece os próprios erros, é sensível e generoso.

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LIÇÃO DE CASA

Depois que aceita alugar a própria voz, Baptiste faz a lição de casa. Assiste a entrevistas de Pierre para alcançar o timbre exato e as entonações certas. Consegue. Na primeira ligação, já soa idêntico ao escritor.


A insegurança vem primeiro. Ele não sabe quais foram as últimas conversas que Pierre teve com cada pessoa. Temendo estragar tudo, reage com cautela, escuta mais do que fala e, aos poucos, vai incorporando a personalidade de Pierre.


Baptiste se dedica tanto que, quando Elsa (Clara Bretheau), a filha de Pierre, liga pedindo conselhos amorosos, ele vai pessoalmente atrás do rapaz citado pela jovem só para descobrir se é alguém de confiança. Baptiste vê o pretendente ao lado de Elsa e percebe que o rapaz não é um bom partido – egocêntrico e interesseiro, parece se aproximar da moça apenas para ter acesso ao pai.

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O erro de Baptiste, no entanto, é se apaixonar por Elsa. Ele se apresenta com a própria identidade e passa a investir na moça, oferecendo apoio e incentivando a carreira de pintora que ela hesita em abraçar. Ele, inclusive, posa para ela.


É aí que as questões existenciais emergem com força. Baptiste tem uma arma poderosa nas mãos ao fingir ser o pai da garota e aconselhá-la em assuntos do coração. Mas usar esse recurso em benefício próprio é legítimo? E tomar decisões por Pierre sem consultá-lo? É válido? Baptiste não se aprofunda nessas reflexões, mas o filme as entrega ao espectador.


‘COMÉDIA PROFUNDA’

À medida que descobre poder, afeto e a possibilidade de controlar a narrativa alheia, o protagonista atravessa a fronteira tênue entre interpretação e usurpação. Não à toa, como destacou Le Monde, trata-se de “uma comédia mais profunda do que parece”, que investiga as implicações éticas da apropriação de identidade.


A diretora Fabienne Godet trabalha muito bem essa camada. Ela conduz o filme com sutileza, interessada menos no mecanismo do engano e mais na moral que ele expõe. O espectador se aproxima dos personagens. Tanto que, em uma das cenas mais marcantes (alerta de spoiler até o final da frase), quando Elsa descobre a farsa da maneira mais constrangedora possível para Baptiste e Pierre, sentimos um embaraço que espelha o deles.

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“Fazer uma mera adaptação cinematográfica de um livro não desperta muito minha vontade”, admite Fabienne. “Mas, no caso desse romance do Luc Blanvillain, há muitas coisas para serem abordadas. (Além dessa questão moral,) ele convoca todas as artes – Elsa é pintora, Baptiste é comediante e Pierre, escritor – e fala também de uma amizade improvável entre dois homens. É um encontro entre dois mundos diferentes”, acrescenta.


Não há mocinhos ou vilões em “Voz de aluguel”, e sim pessoas comuns, com seus desejos, hesitações, solidões e alegrias. Assim como qualquer um de nós.

“VOZ DE ALUGUEL”
(França, 2025, 102 min. De Fabienne Godet. Com Salif Cissé, Denis Podalydès e Clara Bretheau. Classificação: Livre). Ponteio 2, às 15h55.

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