ENTREVISTA

'O crime de todos é buscar a liberdade', diz Jafar Panahi, condenado no Irã

Diretor de 'Foi apenas um acidente', que estreia hoje em BH, filmou o longa clandestinamente em seu país e recebe a terceira pena de prisão

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Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, “Foi apenas um acidente”, de Jafar Panahi, estreia nesta quinta (4/12) no Brasil na esteira de notícias recentes, boas e más. Na última segunda-feira, o filme levou três prêmios (Melhor Diretor, Roteiro Original e Filme Internacional) no Gotham Awards, que dá início à temporada de premiações do cinema. Desde já é forte concorrente ao Oscar 2026.

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O cineasta iraniano compareceu à cerimônia em Nova York sabendo de sua nova pena. O Tribunal Revolucionário Islâmico o condenou, à revelia, a um ano de prisão por “atividades de propaganda” contra o país. A sentença inclui a proibição de dois anos de deixar o Irã. Ele vai recorrer da decisão.

Aos 65 anos, Panahi já esteve duas vezes na prisão. A primeira, em 2010, acusado de fazer propaganda contra o regime por apoiar o reformista Mir-Hossein Moussavi. A segunda foi há três anos, e o soltaram após uma greve de fome.

Nessa temporada, que durou sete meses, Panahi conheceu as pessoas que o inspiraram a criar os personagens de “Foi apenas um acidente”. O drama acompanha ex-prisioneiros políticos que sequestram o homem que acreditam tê-los torturado.

Com 30 anos de carreira – despontou no cenário internacional com “O balão branco” (1995) –, Panahi é um dos mais prestigiosos nomes do cinema iraniano contemporâneo. Sua produção trata dos dilemas éticos e morais da sociedade daquele país, mas sempre com apelo universal.

Para filmar no Irã, um cineasta deve ter autorização do governo. Panahi foi autorizado a fazer “Foi apenas um acidente”. Por não querer submeter o longa às autoridades, preferiu filmar em segredo. Na entrevista a seguir, concedida a um grupo de jornalistas latinos do qual o Estado de Minas fez parte, Panahi explica como realizou o feito.

A filmagem clandestina fica clara para o espectador diante dos locais isolados onde ele foi rodado e das sequências no carro. Diante de tudo o que você já passou, como trabalhou neste filme?

Antes deste, já tinha feito cinco filmes da mesma maneira. Então usei essa experiência. Mas este filme, ao contrário dos anteriores, só tem 30% das cenas rodadas dentro do carro (uma van). Começamos a filmar em lugares menos perigosos, onde há menos pessoas expostas, como o deserto, a livraria ou a casa. Foram várias cenas menores e, quando percebemos, já tínhamos feito boa parte do trabalho. Lentamente, entramos na cidade e filmamos de dentro do carro, onde nossa câmera não podia ser vista. Então a levamos para fora. Sabíamos que, a partir daquele momento, o perigo seria maior. Quando filmamos a sequência do caixa eletrônico, parte da equipe saiu rapidamente. Éramos eu, o câmera, o técnico de som e algumas pessoas que cabiam no carro. Quando estávamos a dois quilômetros do caixa eletrônico, meu assistente ligou e disse que a polícia estava chegando. Rapidamente escondemos nossos pertences, filmagens, documentos. Tomamos as precauções necessárias. Eram quase 15 pessoas, e os policiais estavam à paisana, então não se podia saber quem era da polícia ou não. Naquela noite, nos mantiveram na rua por quatro ou cinco horas. Chegaram a levar algumas pessoas para a delegacia. Como não encontraram nada, tiveram que nos liberar. (Naquela altura) A maior parte tinha sido rodada. Então, esperamos um mês para voltar a filmar. Concluímos tudo em um único dia, com equipe menor.

O som é elemento essencial para a história, até a sequência final. Gostaria que você falasse um pouco sobre esse aspecto.

Quando estou assistindo a um filme, vejo como colocam a música, o tema, para transmitir uma sensação. Isso não me interessa muito, pois acho que soa artificial. Procuro me refugiar nos sons que ouvimos ao nosso redor. Ao utilizar sons de fundo em determinadas situações, eles acabam contribuindo para a verossimilhança da história. Podem, inclusive, substituir a música e transmitir uma sensação. Por exemplo, na cena em que os noivos estão sendo fotografados. Não há música, é somente o som ao redor. Há momentos em que se escuta o som do vento batendo no lustre. Houve cenas também que senti que deveria sempre haver o som de um pássaro. Em algumas culturas, os corvos são considerados informantes. Então, usei o som de corvos para expressar uma notícia que está sendo levada para outro lugar.

cena de  Foi apenas um acidente
Set de "Foi apenas um acidente" foi o interior de carros ou locais afastados da vigilância da polícia iraniana Les Films Pelleas/divulgação

Os personagens do filme sofreram nas mãos do Estado. Qual a importância de mostrar como as pessoas podem processar a violência de maneiras diferentes?

Quando estive na prisão (em 2022), tive contato com várias pessoas que têm histórias semelhantes às dos personagens. Todos são ativistas, não criminosos. Todos têm maneiras diferentes para defender a liberdade. Um grupo acha que a violência deve ser combatida com violência, outro que ela não leva a nada, que as coisas devem ser feitas de outra forma. Nenhum deles cometeu crime algum. O crime de todos é buscar a liberdade.

Como foi o trabalho com os atores?

Ao escolher alguém fisicamente adequado para o papel, você tenta fazer com que essa pessoa entenda que não se trata apenas de atuar, mas de viver diante das câmeras. Neste filme, havia atores com experiência e outros atuando pela primeira vez. Foi preciso encontrar um equilíbrio entre esses dois extremos.


“FOI APENAS UM ACIDENTE”


Irã/França/Luxemburgo/EUA, 2025, 103min. Direção de Jafar Panahi, com Vahid Mobasseri e Mariam Afshari. Estreia no Centro Cultural Unimed-BH Minas 2, às 11h (sab e dom, 6 e 7/12) e às 17h10 (nesta qui, 4/12; sab, seg e qua). Ponteio 4, às 16h10 e 18h20. UNA Belas Artes 1, às 18h30.

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