“Sempre gosto de gravar com vocês depois do almoço. Está muito bom.” O relógio digital na parte central da Sala Minas Gerais marcava 14h21 na última segunda-feira (10/11), quando a voz vinda de um alto-falante, em português com sotaque, levantou risos. Não da plateia, totalmente vazia, mas do palco, ocupado pelo maestro Fabio Mechetti e os musicistas da Filarmônica de Minas Gerais.


Era Ulrich Schneider, alemão radicado há 20 anos no Brasil. Ele não é um, mas sim “o” produtor musical de gravações para orquestras no país, frisou Mechetti. Numa das salas de naipe, Schneider acompanhava a gravação, partitura a partitura. Durante duas horas e meia, com um rápido intervalo, a Filarmônica gravou partes de dois movimentos da Quarta Sinfonia de Mahler.


Desde 2017, a Filarmônica vem gravando o ciclo completo de Gustav Mahler (1860-1911), projeto inédito para uma orquestra brasileira. Já foram registradas e lançadas as sinfonias de número 1, 2, 3, 5 e 6 – disponíveis no site da orquestra. Em 2026, será lançada a Sétima Sinfonia, gravada no ano passado. Com o registro da Quarta, concluído ontem (12/11), ficam faltando a Oitava e a Nona – esta última será gravada daqui a um ano.

O maestro Fabio Mechetti e o produtor musical Ulrich Schneider checam as gravações

TÚLIO SANTOS/EM/D.APRESS

 

Quatro movimentos

Concebida entre 1899 e 1901, a Quarta é uma das sinfonias mais curtas de Mahler. Seus quatro movimentos mal ultrapassam os 50 minutos – um contraponto e tanto com a Terceira, que, com seus 100 minutos, tornou-se a sinfonia mais longa do repertório romântico. A Quarta também não utiliza alguns instrumentos, como trombone ou tuba. É ainda a última sinfonia ligada ao período Wunderhorn – fase em que o compositor sofreu influência de poemas folclóricos.


Todos os registros da Filarmônica estão sendo realizados com Schneider, que trabalha junto à orquestra desde a Sinfonia No. 9 de Schubert, em 2013. “Ele tem conhecimento total, o que nos dá muita confiança. Você pode ver como a marcação dele é perfeita. Além disso, como ele vem aos concertos (geralmente as sinfonias são gravadas na semana posterior às apresentações), já entendeu qual é o gesto musical”, comenta Mechetti.


Ainda que o cenário de uma gravação seja o mesmo dos concertos, a Sala Minas Gerais estava bem diferente. Vazia de gente (nem mesmo os técnicos estavam lá), ela foi preenchida por microfones. Para a Quarta Sinfonia, foram 48 deles – de vários tamanhos. Os maiores, 11, foram postados nas laterais da plateia central. No palco havia dezenas de outros, mais próximos dos naipes e solistas.


“Os 11 são os que gravam um plano mais amplo, como que pegando a orquestra inteira. E no palco tem os microfones que representam os naipes e solistas em certas situações durante a sinfonia. Nosso alvo é representar o som mais natural (possível). Como uma sessão de orquestra é muito cara, a gente monta muitos microfones. Mas nem todos serão necessariamente usados na mixagem. Isso é também uma segurança para não perder tempo, porque os minutos são contados”, explica Schneider.


As gravações tiveram início no sábado passado (8/11) e começaram pelo último movimento por conta da soprano paulistana Raquel Paulin, que estava em Belo Horizonte para os concertos e a gravação. O quarto movimento é o único que tem canto lírico – o lied “Das limmslische Leben” (A vida no paraíso). Aproveitando o tempo, o terceiro também começou a ser registrado no sábado.


Na tarde de segunda, quando a reportagem acompanhou o processo, as gravações foram das 14h às 16h30. Nenhum minuto foi desperdiçado. Na primeira parte, foi gravado o terceiro movimento e, após o intervalo, o primeiro. A diferença, mesmo para um leigo, ficou latente. Foram gravados pequenos trechos do terceiro enquanto o primeiro movimento foi registrado com poucas interrupções.


Segundo o maestro e diretor artístico, uma gravação pode se tornar “um processo muito artificial, quando se perde a coisa do momento. Você tem que pensar na nota certa, no ritmo certo. Mas, se faz muito isso, acaba aparecendo (no registro). Então, temos que compensar, dando uma fluência maior em alguns momentos, deixar tocar ao menos meio movimento para ver a resposta da orquestra”.


Terminada a gravação, começa um novo processo, que é de edição, mixagem e masterização. “Como temos um relacionamento de longo prazo, algumas coisas já se resolvem sem a gente precisar se falar. Conheço o gosto do maestro, então já sei algumas coisas que ele vai pedir. Uma sinfonia de Mahler leva alguns meses de pós-produção”, diz Schneider.


Mechetti brincou que o carnaval do técnico de gravação vai ser pulando ao som de Mahler. “Uma gravação é um testemunho do que a orquestra está fazendo naquele momento. Esse ciclo é importante porque ele representa a evolução da orquestra. E é uma coisa que fica”, afirma o maestro.

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