Teatro da Fumaça estreia ‘Mineral Ibsen’ em BH
Terceira montagem do grupo transporta texto do norueguês para o contexto atual da mineração no estado. Temporada vai deste sábado (22/11) a terça, na Funarte
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Recém-chegados ao curso de graduação em Teatro da UEMG, Domenica Morvillo, Jean Gorziza e Júlia Oliveira se depararam com a dramaturgia de Henrik Ibsen. A pesquisa sobre o autor norueguês foi tão intensa que, em dado momento, o algoritmo das buscas do trio os direcionou para o edital de um festival na Noruega.
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Eles decidiram se inscrever e, algum tempo depois, o projeto foi premiado com o Ibsen Scope Grant, iniciativa ligada ao governo norueguês que fomenta novas abordagens da obra do autor em diversas partes do mundo. Resultado da pesquisa, a peça “Mineral Ibsen” estreia neste sábado (22/11) e cumpre temporada até terça, na Funarte.
A montagem é uma adaptação de “Um inimigo do povo”, aqui transportada para o cenário das cidades mineiras afetadas pela mineração. “Tínhamos vontade de falar sobre alguma questão que fosse importante, que fosse latente para nós”, afirma Domenica.
No texto original de Ibsen, um médico alerta a população de uma cidade termal que a estação balneária, principal fonte de renda do local, está com as águas contaminadas e precisa ser fechada. A princípio, as pessoas acreditam nele, mas os jogos de poder fazem a cidade se voltar contra o médico. O prefeito afirma que não pode fechar a estação porque isso arruinaria a economia, e o editor do jornal sofre pressão para não publicar a notícia.
Serra de Dentro
Trazendo a trama para o contexto mineiro, o grupo criou a fictícia Serra de Dentro, onde uma comunidade vive no interior de uma mina que pode ruir a qualquer momento, devido à atividade mineradora. “É um risco iminente que existe desde a fundação de Minas Gerais. Mas, ao mesmo tempo, é algo que a gente não consegue deixar para trás, porque a nossa economia depende disso”, diz Domenica Morvillo, paulista do interior, que veio para Minas estudar teatro na UFMG.
No processo de criação, o grupo visitou cidades afetadas pela mineração, como Itabirito e Nova Lima. Em Sabará, conheceram a Sobrilá Cia de Teatro, que acabou se juntando ao projeto. O objetivo era observar como as comunidades lidam com o risco cotidiano e como é o dia a dia dos moradores.
A diretora convidada Marina Arthuzzi já havia trabalhado na iluminação dos dois últimos espetáculos do Teatro da Fumaça, “O mundo está em chamas, o teatro também tem de estar” e “Canção de engate”. Ela conta que a dramaturgia foi construída aos poucos, com muitos improvisos e ideias compartilhadas.
Pós-verdade
“Tentamos atualizar a condução dos discursos [na adaptação do texto original]. É um texto que fala da pós-verdade, da manipulação das informações. Mantivemos o nome de alguns personagens e das instituições de poder”, afirma. Também estão no elenco Denise Lopes Leal, Éder Reis, Ítallo Vieira e João Santos.
Na convivência com as comunidades visitadas, os artistas se depararam com a continuidade da vida diante do risco. “Não tem como parar a vida por causa disso. As pessoas sabem que aquilo é ruim e perigoso, mas, ao mesmo tempo, também não podem deixar de viver”, comenta Domenica.
“A gente se acostuma com essa situação e passa a não ver mais isso como um problema. O que fica para mim é o questionamento sobre como que a gente está vivendo isso todo dia, vendo tudo acabar, e simplesmente acostumou”, comenta Marina.
Na construção das personagens, o grupo transformou pessoas encontradas nas viagens em figuras dramatúrgicas – o dono da mercearia, a beata, o prefeito. No caso de Domenica, a atriz trouxe uma personagem de Ibsen, Isabela, agora reimaginada como uma digital influencer responsável pela divulgação de Serra de Dentro e por dar visibilidade à comunidade.
“Os atores criaram seus personagens e, depois, situamos esses personagens. Então eles falam de café, de pão de queijo… tem o seu Germano, inspirado num senhor dono de uma banca na Afonso Pena que a gente visita todo dia. São referências muito nossas e muito das comunidades que visitamos e das conversas que tivemos”, aponta.
Nos figurinos, os atores usam macacões de obra e objetos de cena de montagens passadas. “Temos uma política de reutilização”, conta a diretora. A mesa, por exemplo, é a mesma mesa de “O mundo está em chamas…”.“Trazemos essas referências não só por uma questão financeira, embora isso também conte, mas para ressignificar objetos e materiais que já temos”, conta.
A temporada na Funarte terá audiodescrição em inglês e contará, na plateia, com integrantes da equipe norueguesa responsável pelo prêmio que o grupo recebeu. O Teatro da Fumaça estreou em dezembro passado e já está em sua terceira produção. “Tenho muito orgulho de ver tudo isso que a gente vem construindo, ainda mais pensando em como o teatro é precarizado, como precisamos batalhar muito para conseguir trabalhar, levantar e estrear um projeto”, diz Domenica Morvillo.
“MINERAL IBSEN”
Montagem do Teatro da Fumaça. Deste sábado (22/11) a terça, sempre às 19h, na Funarte (Rua Januária, 68 - Centro). Ingressos à venda no Sympla a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).