Itabira (MG) – Em apenas dois dias, muita coisa já aconteceu: livro de “histórias infinitas” para a criançada, oficinas de escrita, slam, roda de choro e, claro, muito bate-papo sobre literatura na 5ª edição do Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira), que começou na quarta-feira (29/10) e segue até domingo (2/11) na cidade natal de Carlos Drummond de Andrade.
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Com o tema “Literatura, encruzilhada e a rosa do povo”, em comemoração aos 80 anos de publicação do livro “A rosa do povo”, de Drummond, o evento homenageia os escritores Milton Hatoum, Conceição Evaristo, Ignácio de Loyola Brandão e Ana Maria Machado.
O primeiro dia da programação foi voltado majoritariamente ao público infantil, com teatro, contação de histórias e música. À noite, começaram os debates para o público adulto, com as mesas “Encruzilhada e a rosa do povo”, dos curadores Sérgio Abranches, Jeferson Tenório e Bianca Santana; e “Terra, água e o passado como encruzilhadas”, com Itamar Vieira Junior e Morgana Kretzmann.
O assunto que tomou conta do bate-papo, no entanto, foi a operação policial realizada nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, na terça-feira (28/10). Até ontem (30/10), as autoridades haviam confirmado 121 mortes, entre elas as de quatro policiais. O episódio se tornou o mais letal do Brasil, superando o massacre do Carandiru, que deixou 111 detentos mortos.
Sérgio Abranches, que está lançando “A franja do fim do mundo: Distopia cibernética”, preferiu ler versos de “O medo”: “Em verdade temos medo/ Nascemos escuro/ As existências são poucas:/ Carteiro, ditador, soldado./ Nosso destino, incompleto.// E fomos educados para o medo./Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo./ De medo, vermelhos rios/ vadeamos”.
Os versos traçam paralelo com a situação que o Rio de Janeiro enfrenta. Bianca Santana e Jeferson Tenório fizeram o mesmo.
Na segunda mesa, Itamar Vieira Junior falou sobre seu mais recente lançamento, “Coração sem medo”, livro que encerra a “Trilogia da terra”, composta por “Torto arado” e “Salvar o fogo”.
Morgana Kretzmann, que embora esteja lançando o livro infantojuvenil “Clube Verde e a Liga dos Solos”, escrito em parceria com o marido Paulo Scott, falou sobre “Água turva”, romance que denuncia crimes ambientais com uma escrita densa e crua.
A mesa contou com mediação do jornalista Matheus Leitão, que abriu a conversa também citando a operação policial realizada no Rio de Janeiro. “Esse banho de sangue é uma atualização do pior da história do Brasil – da violência contra o povo negro por quase 400 anos, do genocídio que segue até os dias atuais”, disse.
O jornalista ainda afirmou que estava esperançoso com o futuro do país depois de ter participado de um ato em homenagem a Vladimir Herzog, vítima de assassinato sob tortura pela ditadura brasileira, no qual houve, pela primeira vez, um pedido de desculpas do Estado brasileiro à família de Herzog, estendido às famílias de Rubens Paiva e do próprio Matheus Leitão. Os pais dele, Miriam Leitão e Marcelo Netto, foram presos e torturados pelo regime militar.
Metáforas
A operação policial no Rio de Janeiro continuou em pauta. “É a necropolítica do Rio de Janeiro. É uma ação de marketing político pela morte. Pensando sobre isso, eu estava relendo algumas partes de ‘A rosa do povo’ que diz: ‘Posso, sem armas, revoltar-me?/ Olhos sujos no relógio da torre:/ não, o tempo não chegou de completa justiça”, disse Morgana Kretzmann, citando o poema “A flor e a náusea”.
De acordo com ela, um dos papéis da literatura é ser metáfora de um cenário maior do Brasil, atravessado por corrupção e violência.
Itamar Vieira Jr lança ‘Coração sem medo’, conclusão da ‘trilogia da terra’
Itamar Vieira Junior, por sua vez, disse que “a literatura nos reserva a possibilidade de restituir, mesmo que pela imaginação, algumas histórias que nos foram retiradas”. E prosseguiu: “O leitor vai descobrindo isso ao longo da narrativa. Foram as ausências que me levaram a escrever essas histórias”.
O autor baiano afirmou que a literatura pode ser um instrumento de esperança. “Nós, quando escrevemos, colocamos esse corpo a serviço da escrita. Esse corpo é humano, feito de paixões, medo, tristeza, alegria. Quando o livro é lido, os leitores vão reimaginar essas histórias de maneira viva. Vão fazer com que essas histórias vivam outra vez”, destacou.
A programação se intensificou na quinta-feira. Durante o dia, centenas de alunos das redes pública e privada de Itabira participaram de atividades voltadas para o público infantojuvenil.
O escritor e multiartista cearense Tino Freitas cantou poemas infantis autorais ao lado da escritora Paloma Jorge Amado.
Alessandra Roscoe apresentou aos pequenos seus livros de histórias infinitas e Lavínia Rocha falou sobre literatura infantil.
A noite ficou reservada para mesas com os homenageados Conceição Evaristo e Ignácio de Loyola Brandão. Hoje e amanhã, haverá rodas de conversa. Dessa vez, com Hatoum e Ana Maria Machado.
* O jornalista viajou a convite do Flitabira
